INDEX
ST5 - 16


ORÓGENO ARAÇUAÍ: ESTÁGIO ATUAL DO CONHECIMENTO GEOTECTÔNICO

 

Pedrosa-Soares, A.C.1; Noce, C.M. 1; Silva, L.C. 2; Cordani, U.G. 3; Alkmim, F.F. 4; Babinski, M. 3

 

1. CPMTC-IGC-UFMG, Campus Pampulha, 31270.901, Belo Horizonte - MG, Brasil.. pedrosa@igc.ufmg.br

2. CPRM-Serviço Geológico do Brasil, Brasília - DF, Brasil. luizcarlos@df.cprm.gov.br

3. IG-USP, Cidade Universitária, São Paulo - SP, Brasil.  ucordani@usp.br, babinski@usp.br

4. DEGEO-UFOP, Campus do Cruzeiro, Ouro Preto - MG, Brasil. alkmim@degeo.ufop.br

 

 

ABSTRACT

The Araçuaí Orogen extends from the eastern edge of the São Francisco Craton to the Atlantic coast of southeastern Brazil, between latitudes 15º and 21ºS. The geotectonic knowledge on this Neoproterozoic-Cambrian orogen has highly improved in the last 15 years, as a result of systematic geologic mapping, geochemical and U-Pb geochronological studies. After the discovery of ophiolite slivers associated to the Ribeirão da Folha Formation (~800 Ma), a precollisional, calc-alkaline, continental magmatic arc (G1 suite, ~630-585 Ma) was characterized allowing the location of the suture zone roughly along the 42ºW meridian, from the parallel 17º30'S southward. A huge zone of syncollisional S-type granitogenesis (G2 suite, ~585-560 Ma) occurs to the east and north of the precollisional magmatic arc, northward of latitude 19ºS. Sedimentary deposits younger than ~630 Ma, represented by high grade paragneisses, have been recently identified in the backarc zone. The low metamorphic grade, graywacke-rich Salinas Formation (age < 570  Ma) represents late orogenic sedimentation in the forearc zone and/or intramontane setting. Partial melting of G2 granites originated peraluminous leucogranites (G3 suite) at the late- to post-collisional stages. A set of late structures, and the post-collisional intrusions of the S-type G4 suite (~530-500 Ma) and I-type G5 suite (~520-490 Ma) are related to the gravitational collapse of the orogen. Finally, the Araçuaí Orogen (including its African counterpart) inspired the concept of confined orogen, quoted as a new type of orogen in the international literature, and the appealing nutcracker tectonic model in the scenario of the Gondwaland assembly.

Palavras-chave: Orógeno Araçuaí, Província Mantiqueira, Brasiliano

A definição da Faixa Araçuaí (Almeida, 1977) lançou questões tais como: Há ofiolito na faixa? Onde está o arco magmático e suas bacias antearco e retroarco? E a zona de sutura? Ocorreu colapso tardi-orogênico? Faixa de dobramentos marginal ou orógeno completo? Decorridas quase três décadas, estas e outras questões ganharam respostas sólidas, alicerçadas por mapeamento geológico sistemático, estudos geoquímicos e datações pelo método U-Pb.

Sínteses do conhecimento sobre a faixa bem como sua redefinição como Orógeno Araçuaí foram amplamente divulgadas em Pedrosa-Soares & Wiedemann-Leonardos (2000), Pedrosa-Soares et al. (2001, 2003) e Heilbron et al. (2004), mas o presente trabalho acrescenta novos dados e um mapa geológico atualizado (Fig. 1). O Orógeno Araçuaí é a região orogênica neoproterozóico-cambriana que se estende da borda oriental do Cráton São Francisco até o Oceano Atlântico, entre os paralelos 15° e 21°S. Esta definição fundamenta-se nos limites da região do Cráton São Francisco que resistiu à deformação focalizada no Orógeno Araçuaí, bem como na identificação da organização espacial e temporal dos ambientes e processos geotectônicos. A contraparte africana do Orógeno Araçuaí é a Faixa Congo Ocidental. Resulta que o conjunto Araçuaí-Congo Ocidental caracteriza-se como orógeno confinado a uma reentrância do Cráton São Francisco-Congo. A bacia precursora deste orógeno configura um golfo, ensiálico a norte e oceanizado a sul, que desembocaria em amplo oceano. O conceito de orógeno confinado (Pedrosa-Soares et al. 2001, 2003) foi adotado na tríplice classificação de orógenos (intercratônico, intracratônico e confinado) do livro de Rogers & Santosh (2004).

O Orógeno Araçuaí herdou, após a abertura do Atlântico, os restos ofiolíticos, o arco magmático, os magmatismos sincolisional, tardi e pós-colisional, e grande parte, senão toda, a bacia retroarco. Entretanto, na Faixa Congo Ocidental ficou a maior parte do magmatismo do rifte continental, em espessas pilhas de rochas vulcânicas e granitos anorogênicos (1 a 0,9 Ga Ma; Tack et al., 2001), indicando que a contraparte africana funcionou como placa superior do rifte assimétrico original. Durante a convergência, a contraparte africana atuou como placa cavalgante (fato confirmado pela disposição dos restos ofiolíticos a oeste do arco magmático, no Brasil).

Os compartimentos tectônicos do Orógeno Araçuaí são: i) o domínio externo, que circunscreve a margem oriental do Cráton São Francisco e se caracteriza como faixa de dobramentos e empurrões vergente para oeste, com metamorfismo crescente de oeste para leste, desde a fácies xisto verde à fácies anfibolito médio; ii) o domínio interno é o núcleo metamórfico-anatético do orógeno (fácies anfibolito alto e granulito), inclui o arco magmático pré-colisional e apresenta setor com típica vergência centrífuga; e iii) a inflexão setentrional que mostra metamorfismo crescente de norte para sul, e se estrutura na forma de empurrões para norte e transcorrências NW-SE. O limite N-S entre os domínios externo e interno situa-se, grosseiramente, ao longo do meridiano 42°30’W, onde o metamorfismo das supracrustais atinge a fácies anfibolito médio e aparecem intrusões graníticas. No embasamento, a fronteira entre os domínios externo e interno é difícil de monitorar e requer suporte isotópico (Noce et al., 2003), mas parece situar-se em torno do meridiano 43°W.

Resume-se adiante, com ênfase em informações recentes, a evolução do Orógeno Araçuaí (Fig. 1). O magmatismo da fase rifte da bacia precursora está registrado pela intrusão anorogênica de Salto da Divisa (~880 Ma, Silva et al., 2002) e pelos xistos verdes basálticos de São Gonçalo do Rio Preto (Gradim, 2005). Nesta fase depositaram-se as unidades glaciogênicas do Grupo Macaúbas, dominadas por metadiamictitos, turbiditos arenosos e formações ferríferas sedimentares do tipo Rapitan.

A fase de margem passiva da bacia precursora é representada pela extensa sedimentação pelítica, localmente com termos químico-exalativos e metabasitos tipo MORB (~800 Ma, Pedrosa-Soares et al., 2001, Suita et al., 2004) da Formação Ribeirão da Folha (Lima et al., 2002), unidade distal do Grupo Macaúbas. O Grupo Dom Silvério é correlacionável à Formação Ribeirão da Folha (Peres et al., 2004). O Grupo Rio Doce representaria a parte distal da margem passiva “africana” (placa superior), por se encontrar a leste da zona de sutura.

Datações U-Pb limitam o estágio pré-colisional (Suíte G1) em ca. 630-585 Ma (Pedrosa-Soares et al., 2003, Silva et al., 2005) e dados isotópicos Sm-Nd e Rb-Sr indicam que o arco magmático é típico de margem continental, com pouco envolvimento de material juvenil (Martins et al., 2004).

Noce et al. (2004) identificaram depósitos da bacia retroarco no complexo paragnáissico de Nova Venécia, cujos zircões detríticos limitam a idade máxima da sedimentação em ca. 630 Ma.

Além das manifestações da deformação e metamorfismo regionais, o estágio sincolisional é representado pela extensiva granitogênese G2, tipo S, que teve lugar no intervalo 585-560 Ma (Pedrosa-Soares et al. 2001, 2003, Silva et al., 2002, 2005).

O estágio tardi-colisional, registrado pela granitogênese G3, tipo S, está precariamente datado, mas os dados tendem a se concentrar no intervalo 550-530 Ma (Noce et al., 2004, Silva et al., 2005).

Produtos da erosão do arco magmático, depositados em bacia antearco e/ou intramontana, compõem a Formação Salinas (Lima et al., 2002). As metagrauvacas desta formação contêm zircões detríticos com idades no intervalo 640-570 Ma. Os conglomerados contêm seixos de rochas vulcânicas félsicas datadas em ca. 640-600 Ma, cuja única fonte admissível é o arco magmático do Orógeno Araçuaí.

O estágio pós-colisional (530-490 Ma) relaciona-se ao colapso gravitacional do Orógeno Araçuaí. No domínio externo do orógeno, este estágio é registrado por uma clivagem de crenulação íngreme que mergulha para oeste, cascatas de dobras com envoltória mergulhante para leste e zonas de cisalhamento normais com teto abatido para leste (Marshak et al., 2005). As suítes graníticas G4 (tipo S) e G5 (tipo I) caracterizam este estágio no domínio interno do orógeno (Pedrosa-Soares & Wiedemann 2000; Pedrosa-Soares et al., 2001; Silva et al., 2005).

O arco magmático e os restos ofiolíticos do Orógeno Araçuaí têm terminação setentrional em torno do paralelo 17°30’S. Isto implica que o setor norte da bacia precursora permaneceu ensiálico, a exemplo de golfos atuais parcialmente oceanizados. Estes dados, aliados a pouca influência de material juvenil na constituição do arco magmático, evidenciam que o Paleocontinente São Francisco-Congo não foi completamente rompido pela instalação da bacia precursora do Orógeno Araçuaí e o espalhamento oceânico foi pequeno. De fato, todas as reconstruções paleogeográficas mostram os crátons São Francisco e Congo interligados na altura de Bahia e Gabão, de tal modo que o Cráton São Francisco-Congo atuou como peça única na trama paleocontinental proterozóica (Cordani et al., 2003).

A peculiar situação geotectônica do orógeno confinado Araçuaí, bem como o pequeno tamanho de sua litosfera oceânica (que por si só seria incapaz de promover subducção), aliados ao grande acervo de dados tectônicos, inspiraram Alkmim et al. (2003) a sugerirem um novo mecanismo para a edificação do Orógeno Araçuaí: a Tectônica Quebra-Nozes. De acordo com este modelo, a bacia precursora do orógeno teria o seu fechamento induzido por colisões à distância, que promoveriam a rotação da Península São Francisco contra o Continente Congo, de maneira análoga ao funcionamento de um quebra-nozes.

 

REFERÊNCIAS

Alkmim, F.F.; Marshak, S.; Pedrosa-Soares, A.C.; Cruz, S.; Peres, G.G.; Whittington, A.G.; 2003. Tectônica Quebra-Nozes e a Gênese do Orógeno Araçuaí-Congo Ocidental. In: SNET, 9, Búzios. SBG, anais, p. 40-43.

Almeida, F.F.M. de, 1977.  O Cráton do São Francisco. Rev. Bras. Geoc., 7: 349-364. 
  

Cordani, U.G.; Brito-Neves, B.B., D´Agrella, M.S., R. Trindade, 2003. Tearing-up Rodinia: the Neoproterozoic paleogeography of South American cratonic fragments. Terra Nova, 15: 343-349.

Gradim, R.J. 2005. Geologia estrutural e significado tectônico dos xistos verdes do Alto Araçuaí, Faixa Araçuaí, MG. Contribuições às Ciências da Terra, Série M, vol. 22, DEGEO/EM/UFOP, 151 p.

Heilbron, M.; Pedrosa-Soares, A.C.; Campos Neto, M.C.;  Silva, L.C.; Trouw, R.; Janasi, V.A., 2004. Província Mantiqueira. In: Mantesso-Neto, V.M., Bartorelli, A., Carneiro, C.D.R., Brito-Neves, B.B. (orgs.). Geologia do Continente Sul-Americano. São Paulo: Editora Beca Produções Culturais, p. 203-234.

Lima, S.A.A.; Martins-Neto, M.A.; Pedrosa-Soares, A.C.; Cordani, U.G; Nutman, A.A., 2002. A Formação Salinas na área-tipo, NE de Minas Gerais: Uma proposta de revisão da estratigrafia da Faixa Araçuaí com base em evidências sedimentares e metamórficas e idades U-Pb SHRIMP. Rev. Bras. Geoc., 32: 491-500.

Martins, V.T.S.; Teixeira, W.; Noce, C.M.; Pedrosa-Soares, A.C., 2004. Sr and Nd characteristics of Brasiliano/Pan-African granitoid plutons of the Araçuaí Orogen, Southeastern Brazil: Tectonic implications. Gondwana Research, 7: 75-89.

Noce, C.M.; Silva, L.C.; Pedrosa-Soares, A.C.; Alkmim, F.F., 2003. O embasamento da Faixa Araçuaí no bloco Guanhães.  In: Simp. Geol. Minas Gerais, 13, Ouro Preto.  SBG, Resumos, CD-ROM.

Noce, C.M.; Pedrosa-Soares, A.C.; Piuzana, D.; Armstrong, R.; Laux, J. H.; Campos, C.M.; Medeiros, S.R., 2004. Ages of sedimentation of the kinzigitic complex and of a late orogenic thermal episode in the Araçuaí Orogen, Northern Espírito Santo State, Brazil. Rev. Bras. Geoc., 34: 587-592.

Marshak, S.; Alkmim, F.F.; Whittington, A.; Pedrosa-Soares, A.C., 2005. Formation of asymmetric crenulation cleavage in normal-sense shear zones during orogenic collapse: An example from Araçuaí orogen, Brazil. Submitted to J. Structural Geology.

Pedrosa-Soares, A.C. & Wiedemann-Leonardos, C.; 2000. Evolution of the Araçuaí Belt and its connection to the Ribeira Belt, eastern Brazil. In: Cordani, U.G.; Milani, E.J.; Thomaz-Filho, A.; Campos, D.A. (orgs), Tectonic Evolution of South America. SBG, São Paulo, p. 265-285.

Pedrosa-Soares, A.C.; Noce, C.M.; Wiedemann, C.; Pinto, C.P.; 2001. The Araçuaí-West-Congo Orogen in Brazil: An overview of a confined orogen formed during Gondwana assembly. Prec. Res., 110: 307-323.

Pedrosa-Soares, A.C.; Noce, C.M.; Alkmim, F.F.; Silva, L.C.; Cordani, U.G.; Marshak, S.; Whittington, A.G.; Martins-Neto, M.A.; Campos, C.M., 2003. Orógeno Confinado: conceito, exemplo e candidatos. In: SNET, 9, Búzios. SBG, anais, p.36-39.

Peres, G.G.; Alkmim, F.F.; Jord-Evangelista, H., 2004. The southern portion of the Araçuaí Belt and the Dom Silvério Group: Geologic architecture and tectonic significance. Anais Acad. Bras. Ciências, 76: 771-790.

Rogers, J.J.W & Santosh, M., 2004. Continents and Paleocontinents. Oxford University Press, 304 p.

Silva, L.C. da; Armstrong, R.; Noce, C.M.; Pimentel, M.; Pedrosa-Soares, A.C.; Leite, C.; Vieira, V.S.; Paes, V.C.; 2002. Reavaliação U-Pb SHRIMP em terrenos pré-cambrianos brasileiros. Parte II: Orógeno Araçuaí, Cinturão Mineiro e Cráton São Francisco Meridional. Rev. Bras. Geoc., 32: 513-528.

Silva, L.C.; McNaughton, N.J.; Armstrong, R., Hartmann, L.; Fletcher, I., 2005. The Neoproterozoic Mantiqueira Province and its African connections. Prec. Res., 136:203-240.

Suita, M.T.; Pedrosa-Soares, A.C.; Leite, C.; Nilson, A.; Prichard, H., 2004. Complexos Ofiolíticos do Brasil e a Metalogenia Comparada das Faixas Araçuaí e Brasília In: Pereira, E. (org.), Complejos Ofiolíticos en Iberoamérica. Madrid, CYTED, p. 101-132.

Tack, L.; Wingate, M.T.D; Liégeois, J.P.; Fernandez-Alonso, M.; Deblond, A.; 2001. Early Neoproterozoic magmatism of the Zadinian and Mayumbian Groups (Bas-Congo): Onset of the Rodinia rifting at the western edge of the Congo craton. Precambrian Research, 110: 277-306.