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ST5 - 06

EVOLUÇÃO TECTÔNICA DO DOMÍNIO MARANCÓ - POÇO REDONDO: REGISTRO DAS OROGÊNESES CARIRIS VELHOS E BRASILIANA NA MARGEM NORTE DA FAIXA SERGIPANA

 

 

Carvalho, M.J. de 1; Oliveira, E.P. 1; Dantas, E.L. 2; McNaughton, N. 3

 

1. Instituto de Geociências, Unicamp, Campinas - SP, Brasil. carvalho@ige.unicamp.br

1. Instituto de Geociências, Unicamp, Campinas - SP, Brasil.  elson@ige.unicamp.br

2. Instituto de Geociências, Universidade de Brasília, Brasília - DF, Brasil.  elton@unb.br

3. Centre for Global Metallogeny, UWA, Australia. nmcnaugh@segs.uwa.edu.au

 

ABSTRACT

 

The Sergipano Belt is an ESE-WNW-trend orogenic belt that limits the São Francisco Craton to the north. It has been divided in seven litho tectonic domains, positioned within two main belts: the Sergipano Belt and the Sul-Alagoano Belt. The Marancó-Poço Redondo Domain is part of the last one and comprises a migmatite block intruded by several granitic bodies and a metavolcanossedimentary sequence characterized by the association of greywackes, andesitic volcanic rocks and ultramafic slices. We have investigated its rocks using U-Pb (SHRIMP) geochronology, Sm-Nd isotope and geochemical studies with the aim to clarify its tectonic evolution. Our data show that there was an important contribution of the Cariris Velho Orogeny on the genesis of the domain. The migmatite paleossome shows field and geochemical features of continental arc plutonism and ages of 980 and 960Ma (TDM  of 1,4 Ga), generated during a oblique transpressive tectonic setting. A type granites are represented by the Serra Negra plutons that yelds an age of 952 Ma. The metassedimentary sequence shows a strong predominance of Cariris Velhos age zircons. We interpret it as an arc- marginal basin, intimately associated with the continental arc and deposited between 960 and 952 Ma. The domain was then detached from its original setting and collided with the São Francisco Craton during the Pan African/Brasiliano Orogeny. A new continental arc was formed, represented by the calc-alkalic Sitios Novos granodiorites (650 Ma) and the Marancó andesites that yields an age of 602 Ma and had been previously interpreted as Mesoproterozoic.

 

Palavras-chave: SHRIMP, evolução tectônica, Marancó-Poço Redondo, Cariris Velho

 

 


INTRODUÇÃO

A Faixa Sergipana (FS) consiste em um cinturão de dobramentos de forma triangular e direção principal E-SE – N-NW que ocorre na borda norte do Craton do São Francisco (CSF) e é separada do Maciço Pernambuco – Alagoas (PEAL) através de zona de cisalhamento transpressiva de Mocambo. De maneira simplista, tem sido considerada como gerada, deformada e metamorfisada em conseqüência da colisão entre CSF, a sul, e o PEAL, a norte, durante a Orogenia Brasiliana, há aproximadamente 700-600Ma (Brito Neves, 1975; Davison & Santos, 1989).

Diversas interpretações têm sido apresentadas para a sua evolução tectônica, desde os modelos antigos relacionados à teoria geossinclinal (Humphrey & Allard, 1967, 1968; Brito Neves, 1975) até os modelos mais atuais (Davison & Santos, 1989; D’el-Rey Silva, 1995; Silva Filho & Torres, 2002). Entre os últimos destacam-se duas principais correntes, que têm como ponto polêmico a relação estratigráfica, a continuidade entre os domínios ou ambientes geotectônicos e a compartimentação da FS em dois cinturões. Apesar de opiniões controversas em relação à sua evolução, há um consenso geral quanto a sua divisão em sete domínios litotectônicos, aparentemente distintos: Estância, Vaza Barris, Macururé, Marancó, Poço Redondo, Canindé e Sul Alagoas. Esses domínios são atualmente posicionados em dois principais cinturões (Silva Filho & Torres, 2002; Silva Filho et al. 2002). O Cinturão Sergipano compreende os três primeiros domínios e ocorre a sul, em contato com o embasamento do CSF e limitado a norte pela Zona de Cisalhamento Belo Monte/Jeremoabo (ZCBMJ). O Cinturão Sul-Alagoano compreende os outros quatro domínios e ocorre ao norte, entre a ZCBMJ e o PEAL.

A escassez de dados geocronológicos implica na simplificação das interpretações e falta de precisão nas correlações entre os eventos evolutivos. Com a evolução atual dos conhecimentos, principalmente em relação aos dados geocronológicos de boa qualidade sobre mapas geológicos detalhados, uma história evolutiva muito mais complexa e cronologicamente extensa vem aparecendo. Uma evolução policíclica marcada por diferentes eventos importantes relacionados a mais de um dos principais ciclos geotectônicos, tem ficado cada vez mais clara. Um bom exemplo são os domínios a norte da ZCBMJ, onde dados de isótopos de Nd e U-Pb (SHRIMP) têm apontado para uma evolução cronológica mais complexa, com importante contribuição do Ciclo Grenville / Cariris Velhos (cerca de 1.0Ga) na geração e deformação de rochas, e posterior retrabalhamento das estruturas e eventos anatéticos relacionados ao Ciclo Brasiliano (cerca de 600 Ma).

 

DOMÍNIO MARANCÓ – POÇO REDONDO

Os domínios a norte da ZCBMJ são compostos por rochas metassedimentares intimamente associadas a vulcânicas calcio-alcalinas e lascas ultramáficas (Marancó), gnaisses migmatito-tonalíticos e rochas graníticas peraluminosas (Poço Redondo), rochas vulcânicas bi-modais e metassedimentares de origem química e clástica, granitos e um complexo de gabros acamadados (Canindé) e paragnaisses intercalados com metapelitos, rochas vulcânicas metamorfisadas e domos do embasamento (Sul - Alagoas). Os domínios deste cinturão têm sido considerados como evoluídos durante o Ciclo Cariris Velhos, porém a falta de dados geocronológicos dificulta as interpretações existentes, não ficando claro, por exemplo, a interligação genética entre eles.

Segundo Santos & Souza. (1988) as rochas relacionadas aos domínios Poço Redondo e Marancó não são consideradas co-genéticas e constituem diferentes seqüências crono-estratigráficas. O primeiro domínio é composto pelas rochas gnáissicas migmatisadas e corpos graníticos intrusivos; o segundo é caracterizado pela seqüência de rochas sedimentares e vulcânicas metamorfisadas. Contudo, propõe-se aqui a designação Domínio Marancó - Poço Redondo para as rochas que constituem um bloco crustal único, baseado nas evidencias que serão descritas a seguir.

O Domínio Marancó-Poço Redondo é um fragmento crustal constituído por uma seqüência de rochas sedimentares, vulcânicas e plutônicas metamorfisadas e fortemente deformadas. Um bloco de rochas gnáissicas migmatizadas, intrudido por diversos corpos granitóides de composições e idades distintos (Caririanos e Brasilianos), forma o Subdomínio Poço Redondo. Essas rochas são caracterizadas por orto - e paragnaisses migmatizados e granitóides intrusivos de pelo menos três diferentes tipos: (i) Augen gnaisses e granitos porfiríticos de Serra Negra; (ii) Granodioritos ricos em enclaves máficos Sítios Novos e; (iii) Granitos crustais Xingó. Xenólitos de gnaisses bandados são frequentemente observados nos migmatitos. Não há interpretações na literatura para esse conjunto de rochas. A pilha meta-vulcanossedimentar é caracterizada por associações rítmicas entre rochas metassedimentares clásticas imaturas com forte contribuição de rochas vulcânicas em sua gênese (predominam grauvacas com conglomerados, metarenitos e pelitos subordinados). São intercaladas por fatias tectonicamente colocadas de rochas máfico-ultramáficas, e intrudidas pelos granitóides Serra Negra, Sítios Novos e Xingó e por diques/sills vulcânicos de composição andesítica a dacítica. Rochas metassedimentares de origem química (BIFs, mármores e cherts) ocorrem restritamente.

 

GEOQUÍMICA E GEOCRONOLOGIA

Com o objetivo de estabelecer as tendências geoquímicas das rochas, análises de elementos maiores e traços foram realizadas nos principais litotipos do domínio. Análises de isótopos de Nd e idades U-Pb (SHRIMP) foram obtidas por Carvalho (2005) para as principais rochas magmáticas e metassedimentares.

O paleossoma orto–derivado dos migmatitos é granodiorítico a tonalítico, cálcio-alcalino, metaluminoso e apresenta características semelhantes aos batólitos de arco magmático. Duas amostras apresentaram idades U-Pb (SHRIMP) de 980 e 961 Ma (Carvalho 2005). As idades modelo Nd ao manto empobrecido (TDM) variam de 1,48 a 1,49 Ga com eNd(T) de 1,01 a – 1,40. As rochas do granitóide Serra Negra são peraluminosas a metaluminosas, cálcio-alcalinas a álcali – cálcicas e férricas; apresentam características comparáveis aos granitos tipo A (Whalen et al, 1997; Frost et al, 2001). Em campo apresentam características tardi-deformacionais à principal fase de cavalgamentos no domínio e sin–deformacionais à fase transcorrente sinistral subseqüente. Portanto essa unidade pode ser interpretada como magmatismo pós-tectônico à orogênese Cariris Velhos. Uma amostra foi datada por Carvalho (2005) e apresentou idade de 952 Ma. As TDM encontradas variam de 1,53 Ga a 1,63 Ga, com valores de eNd(T) de –1,05 a –2,48. Os granodioritos Sítios Novos são cálcio–alcalinos, metaluminosos e magnesianos. Nos diagramas discriminatórios de ambientes geotectônicos plotam no campo dos granitóides de arco magmático. Uma idade de 650 Ma (U-Pb, TIMS-ID) foi obtida por Carvalho (2005). As TDM variam de 1,56 Ga a 1,61 Ga e valores de eNd(T) são bastante negativos, variando de –6,77 a –6,08.

Zircões detríticos de quatro amostras de rochas metassedimentares (metarenitos e grauvacas) foram analisados por Carvalho (2005). As quatro amostras apresentam características semelhantes no conteúdo de zircões detríticos. Populações com idades do final do Mesoproterozóico (980, 996, 1100 Ma) perfazem mais de 90% do total de grãos. A população mais jovem encontrada é de 960 Ma. Essa idade é considerada como idade máxima de deposição, enquanto a idade mínima foi estimada em 952 Ma, que é a idade dos granitos intrusivos Serra Negra, que contêm xenólitos das rochas sedimentares. Alguns grãos paleoproterozóicos e arqueanos também ocorrem. As TDM obtidas em várias rochas metassedimentares variam de 2,23 Ga a 1,18 Ga, com valores de eNd(952 Ma) positivos a fortemente negativos, variando de 3,53 a -9,88.

As rochas vulcânicas andesíticas também foram analisadas por Carvalho (2005). Essas rochas ocorrem intercaladas na seqüência de rochas metassedimentares em forma de diques/sills métricos, muito pouco deformados. Têm composição andesítica a dacítica, são cálcio-alcalinas e apresentam características típicas de rochas vulcânicas de arco magmático. Dados U-Pb (SHRIMP) para duas amostras revelaram idades em torno de 602 Ma. As TDM variam de 1,12 Ga a 1,74 Ga e os valores de eNd(T) situam-se entre -1,10 e -8,62. É abundante a ocorrência de zircões herdados, sobretudo de idade do final do Mesoproterozóico. Idade U-Pb (convencional) de 1007 Ma foi apresentada por Van Schmus et al. (1995) para rochas semelhantes, devendo, portanto, representar a população herdada.

 

DISCUSSÃO

Através das características de campo dos principais litotipos, associações litológicas, e dados geoquímicos e isotópicos é proposta a seguinte evolução geotectônica para o Domínio Marancó – Poço Redondo. A história se inicia com a instalação de um arco de margem continental, através de subducção de placa oceânica dirigida para norte sob a margem sul do PEAL nos estágios finais da orogênese Cariris Velhos, há aproximadamente 980 Ma. A raiz dos plútons de arco é representada pelo paleossoma dos migmatitos de Poço Redondo. Concomitante é a formação de bacia de forearc e de leque imbricado de acresção (complexo de subducção) ao sul do arco, preenchida por sedimentos clásticos imaturos e vulcanogênicos. A tectônica de cavalgamentos dirigida para sul coloca lascas da placa oceânica subductada em meio aos sedimentos da bacia. Essa seqüência é representada pelas rochas metassedimentares de Marancó e suas lascas máficas e ultramáficas. A sedimentação teria ocorrido entre 960 e 952 Ma. Granitos pós-tectônicos tipo Serra Negra, associados às zonas de cisalhamento direcionais sinistrais marcam a passagem da tectônica de cavalgamentos para transcorrências sinistrais no início do Neoproterozóico, há aproximadamente 952 Ma. A não observação de granitos colisionais e pós - colisionais Caririanos nessa porção sul do orógeno Cariris Velho, nem tampouco de metamorfismo de alto grau, parece apontar para o fato de que não houve colisão continental nessa fase. Esse fato pode sugerir que o domínio representa a margem sul do Orógeno Cariris Velho. Para tanto, é necessário que um oceano tenha permanecido aberto ao sul (Macucuré?) com instalação de margem transformante que pôs fim à subducção. Ao norte do domínio houve então a abertura de bacia de rifte intracontinental (Canindé?), separando-o da margem sul do PEAL.

 Há evidências geológicas para considerar as principais características estruturais como geradas durante o Ciclo Cariris Velhos (p.ex. granito Serra Negra sin-transcorrência e granito Sítios Novos indeformado), porém ainda faltam idades para essa deformação e para o metamorfismo. Portanto ainda não é certo se a deformação observada é caririana ou se foi totalmente obliterada pela deformação brasiliana, como ocorre em outras porções do orógeno Cariris Velhos (p.ex. Medeiros, 2004).

A orogênese do Brasiliano iniciou com o fechamento das bacias a sul (Macururé) e a norte (Canindé) do Domínio Marancó – Poço Redondo. Houve formação de novo arco de margem continental, provavelmente com subducção de crosta oceânica para sul, com forte envolvimento da crosta Cariris-Velhos na geração das rochas. Esse arco pode ter se instalado há aproximadamente 650 Ma, representado pelos granitos de Sítios Novos e o vulcanismo teria perdurado até 602 Ma, idade das rochas vulcânicas de Marancó. O domínio Marancó-Poço Redondo foi então acrescido à margem norte do CSF por colisão continental e, por encontrar-se já rígido, agiu como endentante na tectônica transpressiva brasiliana. As estruturas pretéritas foram reativadas com a instalação de zonas de cisalhamento transpressivas, configurando o atual panorama estrutural da FS. As estruturas geradas durante a orogênese brasiliana são principalmente dúcteis-rúpteis e observadas apenas nas bordas do domínio. A colisão entre o CSF e o PEAL pode ser estimada pela idade de granitos sin-D2, que é correspondente à fase de cavalgamentos no Brasiliano. Bueno et al (este simpósio) obtiveram idade U-Pb (SHRIMP) para um desses granitos (Tonalito Camará) de 630 Ma. A idade da acresção dos blocos à margem norte do cráton e a cronologia do fechamento das diferentes bacias, se concomitantes ou levemente discordantes, ainda não está clara. Necessita-se, portanto, de um trabalho que enfoque as rochas graníticas geradas neste período para esclarecer essas dúvidas.

 

REFERÊNCIAS

Brito Neves, B. B. 1975. Regionalização geotectônica do Pré-Cambriano Nordestino. Tese de Doutoramento. Inst. Geoc. USP, 198 p.

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D’el-Rey Silva, L.J.H. 1995. The evolution of basement gneiss domes of the Sergipano Fold Belt (NE Brazil) and its importance for the analysis of Proterozoic basins. J. South Amer. Earth Sci., 8: 325-340.

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