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ST5 - 14


NÓDULOS DE QUARTZO + SILIMANITA EM CINTURÕES OROGÊNICOS: PETROGÊNESE E SIGNIFICADO GEODINÂMICO NA EVOLUÇÃO DO ORÓGENO ITABUNA-SALVADOR-CURAÇÁ
NA REGIÃO DE MUNDO NOVO, BAHIA

  

Leite, C.M.M.1; Barbosa, J.S.F.2; Nicollet, C.3

 

1.        PETROBRAS S.A/ UN-BA/ ATEX/ LG, Avenida Antônio Carlos Magalhães, 1113 sala 410, Pituba, Salvador - BA, 41856-900, Brasil. cmml@petrobras.com.br e cmml@ufba.br

2.        CPGG - Centro de Geologia e Geofísica/Curso de Pós-Graduação em Geologia da UFBA - Universidade Federal da Bahia, Rua Caetano Moura 123, Federação, 40210-350, Salvador -BA, Brasil. johildo@cppg.ufba.br

3.        Laboratoire Magmas et Volcans-UMR, Université Blaise Pascal, 5, Rue Kessler, 63038 Clermont-Ferrand, France. c.nicollet@opgc.univ-bpclermont.fr

 

 

ABSTRACT

Cordierite-bearing gneisses and adjacent leucogranite intrusions, located in the northern part of the Itabuna-Salvador-Curaçá Orogen, Mundo Novo region, Bahia, contain fibrolite-quartz-rich nodules. These nodules were formed in shear tectonic conditions through reactions involving acidic fluids and decomposition of silicate phases, mainly biotite. Macro and microstructural relationships indicate that high normal stress and potential chemical gradient have driven these reactions. The distinct geometry of the nodules, varying from prolato to oblate (muscovite-rich nodules), suggests the shear flow have evolved from constriction to flattening regimes. The nodules are interpreted as having formed by the action of mobile hydrogen ions leaching base cations (K, Fe and Mg) on pre-existing biotite and leaving less mobile cations (Al and Si) to react and form fibrolite and quartz. Crystallization of late muscovite in substitution to fibrolite and new-formed biotite at nodule rims involved mobility of some Al as aluminium complex in solution and it was favored by increased fH2O in the metasomatic system. These features suggest that fibrolite-quartz-rich nodules are markers of shear regimes and of mobility of fluids in the crust caused by peraluminous magma intrusion during orogen evolution. In addition, the metasomatic process that started at the age of 2,05 Ga in this region could have assisted for the remobilization of gold-mineralization from the lower crust and concentration of it within siliciclastic metassedimentary rocks and the shear structural features of the Jacobina Sequence in the upper crust.

 

Palavras-chaves: Quartzo, silimanita, metassomatismo, cisalhamento, orógeno

 

INTRODUÇÃO

 

Localização e Feições Macro e Microscópicas dos Nódulos de quartzo + silimanita da Região de Mundo Novo

Nódulos de quartzo + silimanita ocorrem em cinturões orogênicos de diversas idades em diferentes regiões do mundo (e.g. América do Norte (Losert, 1968; Foster, 1977; Wintsch & Andrews, 1988; Kerrick, 1988); Europa (Yardley, 1977) e Austrália (Vernon, 1979, 1987). No Cráton do São Francisco e em suas faixas móveis marginais, tais nódulos são registrados por Loureiro (1991); Leite et al. (2001) e Leite (2002) na parte norte (Cinturão Salvador-Curaçá) do Orógeno Itabuna-Salvador-Curaçá (Barbosa & Sabaté, 2002) e por Sampaio et al. 2002 no Orógeno Araçuaí. Esses nódulos expressam o regime de deformação prevalecente durante a evolução de zonas de cisalhamento dúcteis, bem como, condições de metassomatismo a partir da circulação de fluidos ácidos nestas zonas (e.g. Vernon, 1979, 1987; Yardley, 1977; Wintsch & Andrews, 1988; Kerrick, 1988).

Na parte norte (Cinturão Salvador-Curaçá) do Orógeno Itabuna-Salvador-Curaçá (Barbosa & Sabaté, 2002), na região de Mundo Novo, Bahia (Fig. 1), nódulos de quartzo + silimanita ± moscovita ocorrem nos bordos de leucogranitos intrusivos e nos paragnaisses em contato. Estes gnaisses, que incluem cordierita-gnaisse, foram metamorfisados na fácies anfibolito alto ao longo de domínios paleoproterozóicos de dobramento e de cisalhamento regionais de direção meridiana (Leite, 2002) (Fig. 1). Entre várias feições geométricas de deformação, o paragnaisse exibe um bandamento composicional (S0//S1) que é dobrado por arrastos sinistrais ou dextrais e neles os nódulos constituem lineação de estiramento (Lx2) de médio a baixo rake ao longo dos planos axiais de dobramentos paralelizados aos planos de arrasto (S2) (Fig. 2a).

 

 


Figura 1.
Mapa e perfil geológico esquemático da região de Mundo Novo (Segundo Leite, 2002; modificado a partir de Melo et al., 1995).

 

No bordo ocidental do leucogranito Saracura (Fig. 1) os nódulos ocorrem ao longo de superfícies S e C com direção geral N-S e geometria de cinemática dextral (Fig. 2b), ao lado de zonas dilatacionais (tension gashes) que serviram como sítios de coleta de filões ricos em granada (Leite, 2002). Pares conjugados de cisalhamento tardio, sinistral (N300) e dextral (N220), arrastam os nódulos e as estruturas schlieren do leucogranito. Os nódulos apresentam geometria variando desde oblato (k<1, deformação por achatamento), planar (k=1, deformação planar ou cisalhamento simples) até prolato (k>1, deformação por constrição ou estiramento) que sugerem mudanças no regime do fluxo de cisalhamento associado ao evento tectônico D2 da evolução orogênica (Leite, 2002). Ao microscópio, os nódulos prolatos são constituídos por quartzo + silimanita, enquanto os oblatos por quartzo + moscovita ± silimanita, sendo que a moscovita substitui a silimanita.

A silimanita é do tipo fibrolita e ocorre substituindo cristais de biotita (Bt1) (Fig. 2c). A fibrolita pode estar microdobrada e transposta ao longo dos planos de foliação milonítica (S2) ou constitui agregados com geometria na forma de micro canais anastomosados, sub-paralelos ao comprimento maior dos grãos de quartzo (Fig. 2c). A fibrolitização não se restringe apenas à biotita, pois é observada substituindo porfiroblastos de cordierita e de plagioclásio nos paragnaisses. A moscovita é de cristalização tardia em relação ao processo de fibrolitização, pois substitui a fibrolita e a biotita (Bt1), formando microestruturas tipo mica-fish que fossilizam agregados micro dobrados de fibrolita nos sítios de maior deformação. A biotita que forma as auréolas ao redor dos nódulos constitui cristais límpidos (Bt2), sem qualquer vestígio de fibrolitização (Fig. 2c).

 

 

Figura 2. Feições macro e microscópicas dos nódulos de quartzo: (a) Paragnaisse com bandamento (So//S1) dobrado por arrasto sinistral e com mobilizados de leucogranito e nódulos de silimanita+quartzo+moscovita ao longo dos planos axiais e de arrasto; (b) Bordo do leucogranito Saracura com nódulos de silimanita+quartzo ao longo de superfícies S e C de cisalhamento com geometria de cinemática dextral e estruturas de tension gashes preenchidas por filões com granada; (c) Microscopia de nódulo com fibrolita orientada e substituindo biotita1 (Bt1) ao longo de microcanais, observando-se ainda moscovita (Ms) substituindo fibrolita e biotita límpida (Bt2) no alto ao centro (luz polarizada).

 

Petrogênese e Significado na Evolução do Orógeno Itabuna-Salvador-Curaçá

As feições no seu todo indicam que a formação dos nódulos de silimanita está associada à colocação dos pulsos magmáticos peraluminosos durante a evolução das zonas de cisalhamento na parte norte do Orógeno Itabuna-Salvador-Curaçá. A substituição da biotita (Bt1) por fibrolita e dessa por moscovita indicam, também, que fluidos de caráter ácido, em ambiente redutor, foram ativos ao longo dessas zonas e o papel deles foi o de lixiviar cátions-base (Fe, Mg, K, Na e Ca) de silicatos preexistentes, deixando no local os elementos menos móveis, Si e Al, que posteriormente cristalizariam silimanita na forma fibrolítica e o quartzo, tal como sugerido por Vernon (1979, 1987), Yardley (1977) e Kerrick (1988) para origem destas feições em outros orógenos da Terra. Essa lixiviação se daria ou pelo aumento da aH+ (atividade iônica do hidrogênio) segundo o modelo de Losert (1968) ou Foster (1977) ou pelo decréscimo da fH2O (Eugster, 1970). Nesse contexto, o eixo maior dos nódulos representa não só a direção máxima de estiramento durante o cisalhamento, como também a direção principal de circulação do fluido. As microestruturas mostram que os sítios preferenciais de dissolução dos cátions-base seriam paralelos ao eixo de máxima tensão compressiva (s1) e os de precipitação paralelos aos de máximo estiramento, provavelmente por um mecanismo de solução por pressão (Wintsch & Andrews, 1988). Por outro lado, a cristalização das auréolas ricas em biotita límpida sugere que a cristalização desta foi contemporânea à dissolução dos cristais desta fase nos núcleos dos nódulos. Esta feição microestrutural é semelhante à descrita por Foster (1977) para os ortognaisses da região do Maine, EUA, e por Kerrick (1988) para os nódulos na região dos Alpes e envolve a mobilidade do alumínio na forma de complexos de álcali-alumínio no fluido para cristalizar o segundo tipo de biotita. Assim, tería-se as seguintes reações acopladas onde a,b,x,y= coeficientes estequiométricos:

 

NÚCLEOS DOS NÓDULOS

 

K2(Mgx,Fey)4(Fe+3a,Alb,Tic)2[Si6Al2O20](OH)4 + 10H+(fl)  Þ  Al2SiO5 + 2SiO2 + 5H2O +

+ 2[KAlb(OH,F)4 . 3SiO2](fl) + 4(Mgx, Fe+2y)(fl) + 2 (Fe+3a, Ti+4c)(fl)

 

BORDOS DOS NÓDULOS

 

2[KAlb(OH, F)4.3SiO2](fl) + 4(Mgx, Fe+2y)(fl) + 2 (Fe +3a, Ti +4c) + 8H2O Þ K2(Mgx, Fey )4(Fe+3a, Alb, Tic)2[Si6Al2O20](OH,F)4 + 16H+

 

As reações acima mostram que a quebra da biotita do núcleo do nódulo se dá em sítio de reduzida fH2O e de alta aH+, enquanto a cristalização da biotita nos bordos se daria por aumento da fH2O e de potencial químico para os cátions lixiviados em solução. Em adição, a cristalização da biotita dos bordos geraria mais cátions de hidrogênio, aumentando o pH do fluido que migraria para gerar mais nódulos ou fibrolita a partir de fases silicatadas portadoras de cátions-base.

A moscovita representa a fase aluminosa que cresceu tardiamente em relação às demais fases, principalmente nos nódulos de geometria oblata. Esta moscovita contém até 4,2%FeO e 1,07%MgO em sua composição química (Leite, 2002), sugerindo que ela foi a fase que receptou íons de K, Fe, Mg que estavam saturados no fluido. A cristalização da moscovita a partir da reação da fibrolita com o fluido pode ser assim descrita:

 

2Al2SiO5 + 4[KAla(OH)4](fl) + 10(SiO2)(fl) + 8(Mg+ 2b, 8Fe+ 2c, 8Fe+3d)(fl)+ 2H2Þ 2K2(Ala/2,Mg+ 2b,Fe+ 2c,Fe+3d)4(Si6Al2O20)(OH)4 + 12H+

 

Por fim, as reações acima mostram que mesmo nos estágios tardios da evolução subsolidus dos leucogranitos e do metamorfismo das rochas metassedimentares aluminosas encaixantes, fluidos redutores poderiam ter sido produzidos, o que alimentaria o sistema termodinâmico compreendido por estas rochas à mais baixas temperaturas. Mesmo nas rochas aluminosas do Greenstone Belt de Mundo Novo (Fig. 1) e da Seqüência Jacobina que ocorre mais ao norte foi observado fibrolitização de biotita e plagioclásio (Leite, 2002). Estes fluidos poderiam ter atuado, assim na remobilização das mineralizações auríferas de suas rochas fontes e reprecipitação das mesmas ao longo de estruturas dilatacionais de cisalhamento e nas rochas metassedimentares da Seqüência Jacobina. Datações de cristais de monazita presentes nos sítios de fibrolitização dos leucogranitos, pelo método U-Th-Pb com a microssonda eletrônica (Montel et al., 1996), indicam idades de 2,05 Ga para a circulação destes fluidos (Leite, 2002). A Figura 3 contém uma síntese das reações metassomáticas da região de Mundo Novo.

 

 

 



Figura 3.
Esquema simplificado para as reações metassomáticas que ocorreram na cristalização dos nódulos de silimanita + quartzo na região de Mundo Novo, Bahia

REFERÊNCIAS

Barbosa, J. F. S. & Sabaté, P. 2002. Geological features and the Paleoproterozoic collision of four Archean crustal segments of the São Francisco Craton, Bahia, Brazil. A synthesis. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 74: 343-359. 

Eugster, H. P. 1970. Thermal and ionic equilibria among muscovite, K–feldspar and aluminossilicate assemblages. Fortschr. Mineral. 47:106–123

Foster C. T. 1977. Mass transfer in sillimanite–bearing pelitic schists near Rangeley, Maine. American. Mineralogist, 62: 727–746.

Kerrick, D. M. 1988. Al2SiO5–bearing segregations in the Lepontine Alps, Switzerland: aluminium mobility in metapelites. Geology, 16: 636–640.

Leite, C. M. M., 2002. A Evolução Geodinâmica da Orogênese Paleoproterozóica nas regiões de Capim Grosso-Jacobina e Pintadas-Mundo Novo (Bahia-Brasil): Metamorfismo, Anatexia e Tectônica. Tese de Doutorado, Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brazil. 412p.

Leite, C. M. M., Barbosa J. S. F., Nicollet C., Sabaté P. 2001. A evolução do magmatismo peraluminoso em zonas de cisalhamento de transpressão paleoproterozóicas no Orógeno Salvador–Curaçá , nordeste do Estado da Bahia, Brasil. In: SBG/Núcleo Nordeste/ Departamento de Geologia - UFPe, Simp. Nac. de Est. Tect., 8, Recife, Anais..., 257–262.

Losert, J. 1968. On the genesis of nodular sillimanitic rocks. In: International. Geological. Congress, 23, Praga, 4: 109–122.

Loureiro, H. S. C. (org.) 1991. Programa Levantamentos Geológicos Básicos do Brasil. Mundo Novo. Folha SC-24-Y-D-IV. Escala 1: 100.000. DNPM/CPRM/SUREG-SA. 196 p.

Melo R. C., Loureiro H. S. C., Pereira L. H. M. 1995. Programa Levantamentos Geológicos Básicos do Brasil. Serrinha. Folha SC-24-Y-D. Escala 1: 250.000. MME/CPRM/SUREG-SA. 80 p.

Montel, J. M., Foret S., Veschambre, M., Nicollet, C., Provost, A. 1996. Electron Micropobre dating of monazite. Chemical Geology, 131: 37–53.

Sampaio, A. R. (org.) 2002. Programa Levantamentos Geológicos Básicos do Brasil. Projeto Extremo Sul da Bahia. Escala 1: 100.000. CBPM/CPRM/SUREG-SA. CD-ROM.

Vernon, R. H. 1979. Formation of late sillimanite by hydrogen metasomatism (base–leaching) in some high grade gneisses. Lithos, 12: 143–152.

Vernon, R. H. 1987. Growth and concentration of fibrous sillimanite related to heterogeneous deformation in K–feldspar–sillimanite metapelites. Journal of Metamorphic Geology, 5: 51–68.

Wintsch, R. P. & Andrews, M .S. 1988. Deformation induced growth of sillimanite: “stress” minerals revisited. Journal of Geology, 96: 143–161.

Yardley, B. W. D. 1977. The nature and significance of the mechanism of sillimanite growth in the Connemara schists, Ireland. Contribution to Mineralogy and Petrology. 65: 53–58.