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ST5 - 11


GLAUCONITAS DO GRUPO PARANOÁ: CONDIÇÕES DE DEPOSIÇÃO E CONTEXTO TECTÔNICO

 

 

Guimarães, E. M. & Dardenne, M.A.

 

Instituto de Geociências, UnB, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Asa Norte, 70.910-900, Brasília – DF, Brasil. rxedi@unb.br.

 

 

Abstract

The Ritmito Superior of the Paranoá Group, contains glauconitic facies which overlay
fluvial and shallow marine arkoses. Glauconite are authigenic green grains and occur as thin beds intercalated in siltstone and sandstones. Four types of mineralogically different glauconitic facies were recognized. Yellow-green and green-grayish facies are medium sandstones constituted by autochthonous glauconite, quartz, phosphate grains and calcite. The green-reddish is the richest autochthonous glauconite facies and contains pelitic ferric laminae. White pink facies is constituted by detritical quartz and feldspar and rare grains of parautochthonous glauconite. Glauconitic level is a stratigraphic marker for the Paranoá Group and was formed at the sediment-seawater interface at the shelf-slope break, where sedimentation rates are low. It is thought an indicative of a marine transgression, related with a lithospheric flexure at the beginning of the Brazilian Fold  Belt.

 

Key-words: Grupo Paranoá, glauconita, paleoambiente, estratigrafia, contexto tectônico

 

 


INTRODUÇÃO

"Areias verdes" autigênicas atuais de composição ferrosa e férrica são agrupados em duas fácies: verdine e glaucony (Odin 1985, 1988, 1990). O primeiro grupo é constituído por oóides e massas ou lâminas que envolvem grãos detríticos e possuem variados tons de verde gradando para castanho ou amarelado. São argilominerais de estrutura 1:1, com distância interplanar (d) de 7 Å, identificados como berthierina e odinita (Bailey 1988). Comumente associados a outros argilominerais com d igual a 10 e 14 Å (Bailey 1988; Odin,1990), originam-se sob clima intertropical, em plataformas rasas, prodeltas, lagunas e estuários, com altas taxas de sedimentação (Odin 1990; Rao et al. 1995). A fácies glauconítica (glaucony) (Millot, 1964; Odin 1985) é identificada macroscopicamente pela cor verde intensa a verde-pálido dos pelóides ou glóbulos de diâmetro de 50-500 mm constituídos por agregados de palhetas finamente granuladas, como plaquetas mal-formadas, ou ainda como lamelas semelhantes às micas. Nas rochas fanerozóicas, são freqüentemente associados a pellets carbonáticos e microfósseis.

A fácies glauconítica origina-se como um material de estrutura e composição mal definidas, cristaliza-se como mineral expansivo do grupo da esmectita (d ~ 14 Å), que evolui para glauconita, com distância interplanar de 10 Å, semelhante à ilita. Na glauconita a difração de raios-X mostra as reflexões de 10,1; 4,58 e 3,3Å, que são distintas e simétricas nas amostras com menos que 10% de camadas expansivas. De acordo com sua fórmula ideal - K<2(R+32,66 R+21,34) (Si7,34Al0,66) O20 (OH)4 (em que R+3 = Fe+3, Al; R+2 = Fe+2, Mg) - a glauconita é classificada como mica férrica dioctaédrica. Apresenta ampla variação composicional, sendo caracterizada por ser sub-saturada em Si, conter ivAl menor que viAl, Fe+3 igual ou maior que a soma de Fe+2 e Mg.

<>Encontrada em diversas latitudes, até 60o, a fácies glauconítica forma-se por halmirólise na interface sedimento-água, em profundidade maior que 100 m, na proximidade da quebra da plataforma. O material glauconítico acumula-se em micro-sistemas, como por exemplo no interior de carapaças (equinodermos, foraminíferos, radiolários e ostracodes), poros entre grãos detríticos, fraturas e planos de clivagem de minerais. Esses micro-sistemas apresentando condições levemente redutoras mantêm-se em comunicação com meio mais oxidante fracamente alcalino da água do mar. Nessa condição, a glauconita é preservada, mas em ambiente ácido e/ou oxidante sofre dissolução e torna-se mais ferruginosa, podendo ser substituída parcialmente por óxidos férricos (Odin, 1988; Odin & Matter, 1981).

Período de mar alto, quando o aporte de material terrígeno é baixo, favorece a glauconitização, ou seja, a formação e evolução diagenética precoce de glauconitas, em amplas áreas de borda de plataforma, comumente associada a acumulação de fosforitos (Giresse et al., 2004).

Essas glauconitas autóctones podem ser retrabalhadas ou transportadas (parautóctones), em função de alterações do nível ou da dinâmica da água do mar.

Originados em contextos sedimentares particulares, os argilominerais verdes das rochas sedimentares são indicadores paleoambientais seguros, enquanto a fácies glauconítica, por sua vez, é um notável marcador estratigráfico.

GLAUCONITAS DO GRUPO PARANOÁ

Posicionado na borda ocidental do Cráton do São Francisco, descrito na porção externa da Faixa de Dobramentos Brasília, o Grupo Paranoá (Proterozóico Médio) é constituído, na região de Bezerra - Cabeceiras (GO), por litotipos detríticos, com alguma contribuição carbonática (Fig. 1).

 

Figura 1. Localização, contexto geológico e coluna estratigráfica simplificada do Grupo Paranoá na região de Cabeceiras-GO (Bz: Bezerra; SD: Serra de São Domingos)

 

A unidade inferior é constituída por Arenitos Qquartzosos (QI), sobrepostos por Ritmitos (RI), aos quais se segue o Nível Arcoziano (NA). Na porção norte da área, até Bezerra, predominam arcózios de granulação grossa, com níveis de conglomerados finos, atribuídos a um sistema fluvial entrelaçado. Para sul, dominam arcózios médios a finos, cujas estruturas sigmóidais e intercalações de siltitos e raros níveis de folhelho escuro, são interpretados como depósitos litorâneos. Recobrindo o NA, em contato abrupto, o Ritmito Superior (RS) contém delgadas e persistentes camadas de psamitos glauconíticos e corpos carbonáticos com estruturas estromatolíticas do tipo Conophyton, ambos intercalados em pelitos (Guimarães et al, 1986; Guimarães, 1997).

O Ritmito Superior é a unidade de topo do Grupo Paranoá na região, sendo recoberto pela Formação Jequitaí - delgada e descontínua - ou na sua ausência pela base do Grupo Bambuí.

Os arenitos glauconíticos pertencem a um único nível estratigráfico, ao mesmo contexto tectônico, e apresentam feições diagenéticas idênticas, mas têm diferentes composições minerais. A química mineral mostra que em cada arenito a glauconita tem fórmula estrutural constante, mas difere de uma a outra rocha, em resposta às diferentes associações mineralógicas durante a diagênese (Guimarães et al, 2000).

 

Fácies glauconíticas

As fácies glauconíticas são arenitos médios, em camadas centimétricas (1 a 5 cm) planas a onduladas, contínuas por centenas de metros, intercaladas em níveis pelíticos e ocasionalmente em arenitos finos. Destacam-se pela cor verde a esverdeada dos grãos, mas tornam-se camadas ferruginosas, quando submetidas a intemperismo. Ao microscópio, todas as fácies mostram associação de glauconita, quartzo, micas e minerais opacos. Os grãos de glauconita têm cor verde, são constituídos por palhetas muito finas, por vezes amareladas, estão dispersos sem orientação, ou orientados segundo planos de acamamento ou de cisalhamento. São identificadas quatro fácies glauconíticas: amarelo esverdeada, verde-acinzentada, verde-avermelhada, branco-rosada.

A fácies amarelo esverdeada é caracterizada pelo aspecto argiloso, tendo os grãos contatos planos, sendo cerca de 30% de glauconita, 60% de quartzo, 5% de glóbulos de fosforito e o restante são micas, minerais opacos e raros grãos de feldspato. 

A fácies verde-acinzentada é formada pela alternância de lâminas quartzosas com menos de 10% de grãos glauconíticos e lâminas glauconíticas, constituídas por glauconita (40%), quartzo (30%), feldspatos (10%) e micas (8%), além de minerais acessórios e diagenéticos (quartzo, feldspato, calcita, clorita e minerais opacos) que substituem glauconitas. Como feições de compactação mecânica e química observam-se esmagamento, encurvamento, níveis de estilólitos com dissolução parcial de grãos glauconíticos, bem como as maiores intensidades de substituição e recristalização de glauconitas e filossilicatos detríticos, ao longo de planos de acamamento.

A fácies verde-avermelhada é o nível mais rico em glauconita, constituído pela alternância de lâminas argilo-ferruginosas - nas quais são raras as glauconitas - e arenosas glauconíticas. Estas últimas são formadas por cerca de 80% de glóbulos de glauconita e abundante cimento ferruginoso. Os glóbulos são verde-escuro, raramente claros, constituídos por agregados microcristalinos, em geral com forma elíptica, resultante de compactação. Tanto os grânulos como as palhetas orientam-se segundo os planos de acamamento ou de cisalhamento. Nestes últimos, são mais comuns as palhetas maiores, bem como as cores mais vivas de birrefringência. Os grãos glauconíticos são envoltos por filmes ou lâminas de minerais opacos, ou ainda por prismas vermelhos translúcidos de óxidos de ferro que apontam para o interior do grão.

Com bancos decimétricos, a fácies branco-rosada é mais pobre em glauconita, sendo constituída por 75% de quartzo detrítico, cerca de 10% de glauconita, igual taxa de feldspato potássico, traços de mica, além de argilominerais como alteração de feldspato. A glauconita se apresenta como glóbulos verde-pálidos, freqüentemente substituída por cristais euédricos de feldspato e mais raramente por minerais opacos.

 

Condições de deposição

Glauconitas têm sido descritas como minerais autóctones ou alóctones, cuja distinção implica na identificação das associações faciológicas (Amorosi, 1995). Níveis glauconíticos autóctones são tomados como seção condensada (SC), indicando trato de sistema transgressivo (TST).

As diferentes fácies glauconíticas do Grupo Paranoá, na região de Bezerra - Cabeceiras, são interpretadas como efeitos de mudanças no ambiente deposicional.

As fácies amarelada e verde-acinzentada associadas a carbonatos e fosfatos se formaram nas porções plataformais mais distais e evoluíram sob condições alcalinas, pouco oxidantes, indicando seção condensada, confirmada pela sua ampla distribuição na área.

A fácies verde-avermelhada parece corresponder à Superfície de Inundação Máxima. O cimento e as lâminas ferruginosas indicam exposição a condições oxidantes. A ausência de evidência de transporte das glauconitas e os grãos estirados ao longo de linhas de cisalhamento atestam evento de deformação, superimposto a níveis ainda não litificados.

Sobreposta à anterior ou isolada no ritmito, a fácies branco-rosada é interpretada como barras ou ondas de areias formadas pelo retrabalhamento de grânulos glauconíticos juntamente com quartzo e feldspato detríticos. Essas glauconitas parautóctones, foram portanto depositadas num Trato de Sistema de Mar Alto, indicando uma sequência que se torna mais rasa para o topo.

 

Marco estratigráfico

Embora delgado, o nível glauconítico é bastante persistente na região, consistindo em um marco estratigráfico do topo do Grupo Paranoá.

A leste de Bezerra - Cabeceiras, na Serra de São Domingos, níveis decimétricos de psamitos glauconíticos estão intercalados em arenitos brancos ou siltitos, posicionados abaixo de corpos carbonáticos do topo do Grupo Paranoá (Alvarenga, 1978). Tratam-se de arenitos de granulação média, constituídos de quartzo e glauconita, sendo estas últimas freqüentemente alteradas, formando camadas ferruginizadas. Glauconitas autóctones ocupam espaços intergranulares de grãos de areia, ocorrendo também formas parautóctones dispersas nos arenitos. 

Em Unaí - a sul de Cabeceiras - níveis glauconíticos estão associados a arenitos finos, ou intercalados em siltitos, formando camadas centimétricas. Nesta área, em que são mal compreendidas as relações de contato entre os grupos Paranoá, Bambuí e Vazante, níveis glauconíticos autóctones são tomados como referência estratigráfica.

No Grupo Vazante, região de Lagamar (Da Rocha Araújo et al., 1992), cerca de 400 quilômetros a sul de Cabeceiras, glauconitas associadas a fosforitos merecem atenção em trabalhos de correlação regional.

Apesar da distribuição para leste e sul da região de Bezerra - Cabeceiras, para oeste as glauconitas ocorrem apenas na proximidade de Formosa (onde são detríticas associadas a arcózio grosso), não sendo conhecidas no Distrito Federal, nem na seção tipo do Grupo Paranoá em Alto Paraíso.

 

Contexto tectônico

As características sedimentares e petrográficas das unidades basais do Grupo Paranoá na região de Bezerra - Cabeceiras são coerentes com a interpretação de deposição em bacia de margem continental passiva. Entretanto, o Nível Arcoziano indica soerguimento de parte do substrato, provavelmente a norte, criando condições para o estabelecimento de um sistema fluvial entrelaçado.

Em contato abrupto sobre o Nível Arcosiano, os sedimentos finos e os níveis glauconíticos registram um evento transgressivo. O período de mar alto parece ter tido uma duração relativamente curta, em vista da pequena espessura das camadas glauconíticas.

Arenitos glauconíticos, existentes na base da bacia foreland Alpina, são interpretados como evento transgressivo provocado pela flexão litosférica, resultante do alojamento de escamas de empurrão ainda não emersas (Lihou & Allen, 1996).

Este parece ter sido também o contexto favorável à glauconitização no Ritmito Superior do Grupo Paranoá, associada à flexão litosférica gerada pela carga tectônica no início da instalação da Faixa de Dobramentos Brasília. Reforçam esta hipótese, a ausência dos níveis glauconíticos a oeste e norte, o curto intervalo de tempo de galuconitização, além de outras feições sedimentológicas, tais como as bruscas mudanças de fácies, a descontinuidade de camadas, estruturas de deformação sinsedimentar, fragmentação de estromatólitos e seu crescimento irregular.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os níveis glauconíticos do Ritmito Superior do Grupo Paranoá guardam registros do paleoambiente de deposição, são um marco estratigráfico para a unidade, sugerindo também relações entre o contexto de sedimentação e a evolução da Faixa de Dobramentos Brasília.

 

REFERÊNCIAS

Alvarenga, C.J.S. de 1978. Geologia e prospecção geoquímica dos grupos Bambuí e Paranoá na Serra de São Domingos, MG. Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília, 125 pp. (Inédito).

Amorosi, A., 1995. Detecting compositional, spatial and temporal attributes of glaucony: a tool for provenance research: Sedimentary Geology, v. 109, p. 135-153.

Bailey, S.W. 1988. Odinite, a new dioctahedral-trioctahedral Fe 3+ -rich 1:1 clay mineral. Clay Minerals, 23, 237–247.

Da Rocha Araújo, P.R.; Flicoteaux, R.; Parron, C.; Trompette, R. 1992. Phosphorites of Rocinha Mine - Patos de Minas (Minas Gerais, Brazil): Genesis and evolution of a Middle Proterozoic deposit tectonized by Brasiliano Orogeny. Econ. Geology, 87: 332-351.

Giresse, P.; Wiewiòra, A.; Grabska, D. 2004. Glauconitization processes inthe northwestern Mediterranean (Gulf of Lions). ClayMinerals 39: 57 –73.

Guimarães, E.M. 1997. Estudos de proveniência e diagênese, com ênfase na caracterização dos filossilicatos dos grupos Paranoá e Bambuí, na região de Bezerra-Cabeceiras, GO. Unpublished PhD thesis, Universidade de Brasília, Brasil. 260 pp.

Guimarães, E.M.; Dardenne, M.A.; Faria, A. de; Coelho, C.E.S.; Piauilino, P.O.V. 1986. Relações dos grupos Paranoá, Jequitaí, Bambuí na região de Bezerra (GO). In: 34o Congr. Bras. Geol., Goiânia, 1986. Anais... Goiânia, SBG:. 853-860.

Guimarães, E.M.; Velde, B.; Hillier, S.; Nicot, E. 2000. Diagenetic/anchimetamorphic changes ont the proterozoic glauconite and galucony from the Paranoá Group mid-western Brazil. Rev. Bras. Geociênc. 30(3):363-366, Setembro de 2000.

Lihou, J. C., & Allen, P. A. 1996. Importance of inherited rift margin structures in the early North Alpine Foreland Basin, Switzerland. Basin Research 8(4): 244

Millot, G. 1964. Géologie des Argiles. Masson, Paris. 499 p.

Odin, G.S. 1985. La “verdine”, facies granulaire vert, marin et cotier distinct de la glauconie: distribution actuelle et composition. Compte Rendus, Academie des Sciences Paris, 301, II(2), 105–118.

Odin, G.S. 1988. Green Marine Clays, Developments in Sedimentology 45. Elsevier, Amsterdam.

Odin, G.S. 1990. Clay mineral formation at the continent-ocean boundary: the verdine facies. Clay Minerals, 25, 477–483.

Odin, G. S. & Matter, A. 1981. De glauconarium origine. Sedimentology, 28: 611-641.

Rao, P.V.; Thamban, M.; Lamboy, M. 1995. Verdine and glaucony facies from surficial sediments of the eastern continental margin of India. Marine Geology, 127, 105–113.