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ST5 - 09


A INTERAÇÃO TECTÔNICA ENTRE O AULACÓGENO DO PARAMIRIM E O ORÓGENO ARAÇUAÍ-OESTE CONGO

 

 

Cruz, S.C. P. &  Alkmim, F.F.

1. Universidade Federal de Ouro Preto, Departamento de Geologia, Morro do Cruzeiro, 35400-000, Ouro Preto -MG, Brasil. simone@geologist.com, alkmim@degeo.ufop.br

 

ABSTRACT

The Paramirim aulacogen of the northern São Francisco craton corresponds to a partially inverted rift structure developed during two main stages in the Paleo- and Neoproterozoic. The Rio Pardo salient, the large curve displayed by the Araçuaí belt along the eastern margin of the craton, interferes with the aulacogen structures and defines the local boundary of the craton. In order to understand the mechanism of the tectonic interaction between these tectonic features, a structural analysis was conducted in the southern Paramirim aulacogen and along the Rio Pardo salient. According to the results obtained the Rio Pardo salient formed during an early stage initiation of the Araçuaí orogen, when the orogenic front propagated into the craton, causing a first stage of inversion in the southern portion of the aulacogen trough. Subsequently, the Paramirim aulacogen experienced the main stage of inversion, which led to the development of a NNW-oriented basement involved fold-thrust system. These fabric elements overprint the Rio Pardo inflection. Structures of both phases affected the Salitre formation, the youngest Neoproterozoic unit in the studied area, indicating a Late Neoproterozoic maximum age for the inversion stages of the Paramirim aulacogen.

 

Palavras chave: Aulacógeno, embasamento, inversão tectônica, Cráton do São Francisco.


INTRODUÇÃO

     O Aulacógeno do Paramirim (Fig.1), instalado na porção norte do Cráton do São Francisco, desenvolveu-se a partir de riftes superpostos e parcialmente invertidos de idades paleo e neoproterozóicas. Tem o seu arcabouço tectônico dominado por falhas de empurrão, falhas reversas e dobras que refletem o processo de sua inversão. Individualiza-se nele uma zona de máxima inversão que define um corredor de orientação NNW-SSE, o Corredor do Paramirim, que abarca o embasamento mais antigo que 1.8 Ga, plutônicas de 1.7 (Complexo Lagoa Real) e metassedimentos dos Supergrupos Espinhaço (paleo/mesoproterozóico) e São Francisco (Neoproterozóico) (Alkmim et al., 1993). A Saliência do Rio Pardo da Faixa Araçuaí, por sua vez, define o limite local do cráton (Almeida et al., 1977) e interfere com as estruturas do aulacógeno. Visando determinar o mecanismo e a idade da interação tectônica entre essas feições durante o processo de inversão, uma análise estrutural foi realizada na porção meridional do Aulacógeno do Paramirim e ao longo da Saliência do Rio Pardo.

 

 

Figura 1.  Mapa geológico/estrutural do Aulacógeno do Paramirim. Baseado em Schobbenhaus et al. (1981)

 

 

 

ARCABOUÇO ESTRUTURAL DO AULACÓGENO DO PARAMIRIM

Em função da presença de estruturas tectônicas relativa à sua inversão, o aulacógeno pode ser subdividido em duas porções distintas, quais sejam: a norte, onde predominam as estruturas da fase extensional que deu origem ao aulacógeno e estruturas relacionadas às faixas que margeiam o cráton a norte; a sul, onde as estruturas de inversão dominam o panorama tectônico. As estruturas associadas à inversão do Aulacógeno do Paramirim formam um conjunto numeroso e diverso de elementos tectônicos, relativos a três famílias distintas: As estruturas da família Da,  são as mais antigas do processo de inversão e formaram-se em resposta a uma movimentação geral dirigida para norte. Estão presentes somente a sul do paralelo de 13º S e compreendem um conjunto de zonas de cisalhamento e dobras assimétricas com vergência para norte, que afeta o embasamento mais antigo que 1.8 Ga, o Complexo Lagoa Real e rochas metassedimentares dos supergrupos Espinhaço e São Francisco (inclusive a Formação Salitre, unidade neoproterozóica mais jovem da região). Tais estruturas são o registro, no Corredor do Paramirim, do avanço do front de deformação do Cinturão Araçuaí-Oeste Congo em direção a norte. No substrato, a associação mineralógica relacionada com essa fase de deformação é de fácies anfibolito, marcada pela presença de albita, microclina, quartzo, hornblenda e biotita. Na cobertura, predomina quartzo, mica branca e biotita verde.

     As estruturas da família Dp marcam a fase de inversão frontal do Aulacógeno do Paramirim. Constitui o conjunto dominante ao longo de todo o compartimento sul do aulacógeno. Nessa família estão incluídas zonas de cisalhamento reversas a dextrais reversas, com orientação preferencial NNW/SSE que ocorrem associadas a dobras, nas mais diversas escalas, e por zonas de transferência sinistrais de orientação geral E-W. Tais estruturas foram geradas durante o principal episódio de inversão do Aulacógeno do Paramirim, em resposta ao encurtamento geral WSW-ENE. As observações de campo mostraram que o desenvolvimento do conjunto de estruturas Dp deu-se em três etapas distintas e coaxiais, que são: i) etapa Dpdesc, que corresponde à etapa de descolamento entre a cobertura de rochas sedimentares e o substrato do aulacógeno e tem como estruturas principais zonas de cisalhamento e dobras com orientação preferencial NW/SE e vergência para ENE, nucleadas acima da interface embasamento cobertura; ii) etapa Dp1, que marca a fase de envolvimento do embasamento na deformação da cobertura e congrega um conjunto de zonas de cisalhamento dúcteis que adentram a cobertura e, em conjunto, mostram movimentos dirigidos para ENE; iii) etapa Dp2, que promoveu a nucleação de grandes zonas de cisalhamento dúctil-rúpteis aproveitando as estruturas previamente existentes e marcadas no embasamento e no Complexo Lagoa Real por intensa filonitização.

     As estruturas da família De, que registram a reativação extensional dos elementos tectônicos anteriormente formados (Da e Dp). Essas estruturas formam os elementos tectônicos mais tardios e podem representar a fase de colapso orogenético descrita por Marshak et al., 2001).

 

DOMÍNIOS ESTRUTURAIS DA PORÇÃO SUL DO AULACÓGENO DO PARAMIRIM

     Em função da distribuição, orientação espacial e natureza dos componentes da família Dp, a porção investigada do aulacógeno pode ser subdividida em dois domínios estruturais, aqui denominados de I e II, dispostos, nesta ordem, de norte para sul. Esses domínios estão separados por uma das mais importantes descontinuidades da região, a zona de cisalhamento Brumado-Caetité. No Domínio I predominam movimentos frontais, tanto no substrato quanto na cobertura. No Domínio II, predominam movimentos dextrais-reversos no substrato e movimentos reversos (frontais) na cobertura. Tal dicotomia deve-se, provavelmente, à rotação dos principais tensores de deformação em função do aumento da profundidade do aulacógeno em direção à Sul (Cruz & Alkmim, 2005).

     A zona de cisalhamento Brumado-Caetité estende-se por, aproximadamente, 170 km entre as cidades de Caetité e Brumado e possui largura de afloramento média de 20 km. O seu traçado em mapa é ligeiramente curvo e compreende um longo segmento com geometria em “S com orientação geral WNW/ESE. A orientação geral da zona é N220o/30o e a lineação de estiramento posiciona-se em N205 o/18 o.

 

ARCABOUÇO ESTRUTURAL DA SALIÊNCIA DO RIO PARDO

     Na Saliência do Rio Pardo e nas suas adjacências imediatas, foram reconhecidas estruturas das famílias Da e Dp, antes caracterizadas na porção sul do Aulacógeno do Paramirim. As estruturas Da dominam o arcabouço estrutural da saliência, sendo ela própria desta geração. Compreendem uma grande zona de cisalhamento de baixo ângulo instalada no contato embasamento/cobertura, com espessura em torno de 200 m, além de falhas de empurrão, dobras e estruturas de menor escala associadas às unidades de cobertura. No embasamento, desenvolve-se uma foliação gnáissica, cujo bandamento composicional é subparalelo à foliação principal. Internamente a ele, podem ser reconhecidas dobras isoclinais transpostas pela foliação principal. Em geral, a atitude dessa foliação é N201o/24o e a lineação de estiramento associada orienta-se, aproximadamente, na direção NS.

     Uma segunda geração de dobras e zonas de cisalhamento envolve, igualmente, o embasamento e as unidades de cobertura. As dobras são abertas, de grandes amplitudes, com orientação geral NNW e vergência para ENE. Tais estruturas são truncadas por zonas de cisalhamento dúctil-rúpteis reversas. Essas zonas delineiam, em conjunto, uma geometria em leque com mergulhos para oeste e vergência para leste. A lineação de estiramento desenvolvida sobre a foliação das zonas de cisalhamento tem atitude modal N257o/60o. A superposição entre as estruturas Da e Dp gera padrões de interferências em domos e bacias em todas as escalas. A trajetória sinuosa dos traços estruturais da saliência como um todo, tal como observado em mapas e imagens de sensores remotos, resulta dessa interferência.

 

O MODELO DE INTERAÇÃO TECTÔNICA

     Tomando por base os resultados aqui apresentados e os dados geocronológicos fornecidos por diversos autores (por ex., Noce et al., 2000; Pedrosa-Soares & Wiedeman-Leonardos, 2000) propõe-se um modelo para o desenvolvimento do Aulacógeno do Paramirim e sua interação tectônica com o cinturão Araçuaí, durante o processo de inversão, que compreende os seguintes estágios: (i) Estágio I: no período Toniano, o sistema de riftes Santo-Onofre-Macaúbas (Shobbenhaus, 1996; Pedrosa-Soares et al., 2001) alcança o seu máximo de desenvolvimento. Nessa época, o sistema evoluiu para uma margem passiva, com formação de um oceano restrito análogo ao Mar Vermelho. Em sua porção terminal, na península São Francisco, esse oceano conectava-se a um sistema de rifte ensiálico, que corresponderia ao Aulacógeno do Paramirim; ii) Estágio II: por volta de 620 Ma, o oceano Macaúbas iniciou o seu fechamento. A propagação do front orogênico para norte inverteu a junção entre o Aulacógeno do Paramirim e a margem passiva, iniciando o desenvolvimento da Saliência do Rio Pardo e induzindo a inversão na porção sul do aulacógeno; iii) Estágio III: imediatamente após o fechamento do oceano, a porção sul do Aulacógeno do Paramirim experimentou inversão frontal progressiva, aumento de metamorfismo e inversão em direção a sul (Danderfer Fo, 1990, 2000; Moutinho da Costa & Inda, 1982).

 

 


Figura 2.
Modelo de evolução tectônica para o

Aulacógeno do Paramirim

 

CONCLUSÕES

     A partir do que foi exposto, pode-se concluir o seguinte:

     (i) No Aulacógeno do Paramirim podem ser reconhecidos dois segmentos tectônicos distintos. O segmento norte, que se estende desde a região próxima ao limite entre os estados da Bahia e do Piauí até as proximidades da cidade de Boquira (BA), abriga a zona de interferência entre o Aulacógeno do Paramirim e a Faixa de Dobramentos Rio Preto, bem como suas porções praticamente não invertidas;

     (ii) Na porção sul do aulacógeno foram reconhecidas três fases de deformação associadas com a sua inversão, todas elas impressas nas rochas do embasamento, do Complexo Lagoa Real e nos supergrupos Espinhaço e Macaúbas. A primeira delas, Da, marca a interação inicial do Aulacógeno com o Orógeno Araçuaí Oeste Congo num modelo clássico de interação entre aulacógenos e frentes de cavalgamentos dispostos ortogonalmente. Na fase seguinte, de inversão frontal, Dp, os elementos estruturais previamente nucleados são rotacionados e a curvatura é amplificada, em um processo semelhante ao previsto na formação de oroclines;

     (iii) A presença de estruturas extensionais da fase rifte preservadas como tais na porção norte do Aulacógeno do Paramirim descarta de uma vez por todas a hipótese da existência de dois crátons, separados por uma faixa móvel. Por outro lado, a presença de importantes estruturas deformacionais compressivas que marcam o envolvimento do embasamento cristalino na deformação da cobertura, na porção sul do aulacógeno, fornecem argumentos suficientes para que o limite sudeste do Cráton do São Francisco seja revisto.

 

REFERÊNCIAS

Almeida F. F. 1977. O Cráton do São Francisco. Rev. Bras. Geoc., 4: 349-364.

Alkmim, F. F.; Brito Neves, B. B.; Alves, J. A. C. 1993. Arcabouço tectônico do Cráton do São Francisco – uma revisão. In: Dominguez, J.M. & Misi, A. (eds) O Cráton do São Francisco. Reunião Preparatória do II Simpósio sobre o Cráton o Cráton do São Francisco. Salvador, SBG/ Núcleo BA/SE/SGM/CNPq. P. 45-62.

Cruz, S. C. P. & Alkmim, F. F. 2005. The tectonic interaction between the Paramirim Aulacogen and the Araçuaí Belt, São Francisco Craton region, Easter Brazil. An. Acad. Bras. Ciências. No prelo.

Danderfer Fo, A. 1990. Análise estrutural descritiva e cinemática do Supergrupo Espinhaço na região da Chapada Diamantina (BA). Dissertação de Mestrado, Departamento de Geologia, Universidade Federal de Ouro Preto, 99p.

Danderfer Fo., A. 2000. Geologia sedimentar e evolução tectônica do Espinhaço Setentrional, estado da Bahia. Tese de Doutoramento, Instituto de Geociências, Universidade Federal de Brasília, 497p.

Marshak, S.; Alkmim. F. F.; Whittington, A.; Pedrosa-Soares, A. C. 2001. Extensional collapse in the Neoproterozoic Araçuaí Orogen, eastern Brazil. The role of regional crenulation cleavage. GSA Annual Metting, Abstracts, p. A-155.

Moutinho da Costa, L. A. & Inda, H. A. V. 1982. O Aulacógeno do Espinhaço. Ciências da Terra, 2: 13-18.

Noce, C. M.; Macambira, M. J. B.; Pedrosa Soares. A. C. 2000. Chronology of neoproterozoic-Cambrian granitic magmatism in the Araçuaí Belt, eastern Brazil, based on single zircon evaporation dating. Rev. Bras. Geoc., 1: 25-29.

Schobbenhaus, C. 1996. As tafrogêneses superpostas Espinhaço e Santo Onofre, estado da Bahia: Revisão e novas propostas. Rev. Bras. Geoc., 4: 265-276.