INTRODUÇÃO
O Aulacógeno do Paramirim
(Fig.1), instalado na porção norte do Cráton do São Francisco, desenvolveu-se
a partir de riftes superpostos e parcialmente invertidos de idades
paleo e neoproterozóicas. Tem o seu arcabouço tectônico dominado por
falhas de empurrão, falhas reversas e dobras que refletem o processo
de sua inversão. Individualiza-se nele uma zona de máxima inversão
que define um corredor de orientação NNW-SSE, o Corredor do Paramirim,
que abarca o embasamento mais antigo que 1.8 Ga, plutônicas de 1.7
(Complexo Lagoa Real) e metassedimentos dos Supergrupos Espinhaço
(paleo/mesoproterozóico) e São Francisco (Neoproterozóico) (Alkmim
et al., 1993). A Saliência do Rio Pardo da Faixa Araçuaí, por
sua vez, define o limite local do cráton (Almeida et al., 1977) e
interfere com as estruturas do aulacógeno. Visando determinar o mecanismo
e a idade da interação tectônica entre essas feições durante o processo
de inversão, uma análise estrutural foi realizada na porção meridional
do Aulacógeno do Paramirim e ao longo da Saliência do Rio Pardo.
Figura 1. Mapa
geológico/estrutural do Aulacógeno do Paramirim. Baseado em Schobbenhaus
et al. (1981)
ARCABOUÇO
ESTRUTURAL DO AULACÓGENO DO PARAMIRIM
Em função da presença de estruturas tectônicas relativa
à sua inversão, o aulacógeno pode ser subdividido em duas porções
distintas, quais sejam: a norte, onde predominam as estruturas da
fase extensional que deu origem ao aulacógeno e estruturas relacionadas
às faixas que margeiam o cráton a norte; a sul, onde as estruturas
de inversão dominam o panorama tectônico. As estruturas associadas
à inversão do Aulacógeno do Paramirim formam um conjunto numeroso
e diverso de elementos tectônicos, relativos a três famílias distintas:
As estruturas da família Da, são as mais
antigas do processo de inversão e formaram-se em resposta a uma movimentação
geral dirigida para norte. Estão presentes somente a sul do paralelo
de 13º S e compreendem um conjunto de zonas de cisalhamento e dobras
assimétricas com vergência para norte, que afeta o embasamento mais
antigo que 1.8 Ga, o Complexo Lagoa Real e rochas metassedimentares
dos supergrupos Espinhaço e São Francisco (inclusive a Formação Salitre,
unidade neoproterozóica mais jovem da região). Tais estruturas são
o registro, no Corredor do Paramirim, do avanço do front de
deformação do Cinturão Araçuaí-Oeste Congo em direção a norte. No
substrato, a associação mineralógica relacionada com essa fase de
deformação é de fácies anfibolito, marcada pela presença de albita,
microclina, quartzo, hornblenda e biotita. Na cobertura, predomina
quartzo, mica branca e biotita verde.
As estruturas da família Dp marcam a fase
de inversão frontal do Aulacógeno do Paramirim. Constitui o conjunto
dominante ao longo de todo o compartimento sul do aulacógeno. Nessa
família estão incluídas zonas de cisalhamento reversas a dextrais
reversas, com orientação preferencial NNW/SSE que ocorrem associadas
a dobras, nas mais diversas escalas, e por zonas de transferência
sinistrais de orientação geral E-W. Tais estruturas foram geradas
durante o principal episódio de inversão do Aulacógeno do Paramirim,
em resposta ao encurtamento geral WSW-ENE. As observações de campo
mostraram que o desenvolvimento do conjunto de estruturas Dp
deu-se em três etapas distintas e coaxiais, que são: i) etapa
Dpdesc, que corresponde
à etapa de descolamento entre a cobertura de rochas sedimentares e
o substrato do aulacógeno e tem como estruturas principais zonas de
cisalhamento e dobras com orientação preferencial NW/SE e vergência
para ENE, nucleadas acima da interface embasamento cobertura; ii)
etapa Dp1, que marca a fase de envolvimento
do embasamento na deformação da cobertura e congrega um conjunto de
zonas de cisalhamento dúcteis que adentram a cobertura e, em conjunto,
mostram movimentos dirigidos para ENE; iii) etapa Dp2,
que promoveu a nucleação de grandes zonas de cisalhamento dúctil-rúpteis
aproveitando as estruturas previamente existentes e marcadas no embasamento
e no Complexo Lagoa Real por intensa filonitização.
As estruturas da família De, que registram a reativação
extensional dos elementos tectônicos anteriormente formados (Da
e Dp). Essas estruturas formam os elementos tectônicos
mais tardios e podem representar a fase de colapso orogenético descrita
por Marshak et al., 2001).
DOMÍNIOS
ESTRUTURAIS DA PORÇÃO SUL DO AULACÓGENO DO PARAMIRIM
Em função da distribuição,
orientação espacial e natureza dos componentes da família Dp,
a porção investigada do aulacógeno pode ser subdividida em dois domínios
estruturais, aqui denominados de I e II, dispostos, nesta ordem, de
norte para sul. Esses domínios estão separados por uma das mais importantes
descontinuidades da região, a zona de cisalhamento Brumado-Caetité.
No Domínio I predominam movimentos frontais, tanto no substrato quanto
na cobertura. No Domínio II, predominam movimentos dextrais-reversos
no substrato e movimentos reversos (frontais) na cobertura. Tal dicotomia
deve-se, provavelmente, à rotação dos principais tensores de deformação
em função do aumento da profundidade do aulacógeno em direção à Sul
(Cruz & Alkmim, 2005).
A zona de cisalhamento Brumado-Caetité estende-se por, aproximadamente,
170 km entre as cidades de Caetité e Brumado e possui largura de afloramento
média de 20 km. O seu traçado em mapa é ligeiramente curvo e compreende
um longo segmento com geometria em “S com orientação geral WNW/ESE.
A orientação geral da zona é N220o/30o e a lineação
de estiramento posiciona-se em N205 o/18 o.
ARCABOUÇO
ESTRUTURAL DA SALIÊNCIA DO RIO PARDO
Na Saliência do Rio Pardo e nas suas adjacências imediatas, foram
reconhecidas estruturas das famílias Da e
Dp, antes caracterizadas na porção sul do
Aulacógeno do Paramirim. As estruturas Da
dominam o arcabouço estrutural da saliência, sendo ela própria desta
geração. Compreendem uma grande zona de cisalhamento de baixo ângulo
instalada no contato embasamento/cobertura, com espessura em torno
de 200 m, além de falhas de empurrão, dobras e estruturas de menor
escala associadas às unidades de cobertura. No embasamento, desenvolve-se
uma foliação gnáissica, cujo bandamento composicional é subparalelo
à foliação principal. Internamente a ele, podem ser reconhecidas dobras
isoclinais transpostas pela foliação principal. Em geral, a atitude
dessa foliação é N201o/24o e a lineação de estiramento
associada orienta-se, aproximadamente, na direção NS.
Uma segunda geração de dobras e zonas de cisalhamento envolve, igualmente,
o embasamento e as unidades de cobertura. As dobras são abertas, de
grandes amplitudes, com orientação geral NNW e vergência para ENE.
Tais estruturas são truncadas por zonas de cisalhamento dúctil-rúpteis
reversas. Essas zonas delineiam, em conjunto, uma geometria em leque
com mergulhos para oeste e vergência para leste. A lineação de estiramento
desenvolvida sobre a foliação das zonas de cisalhamento tem atitude
modal N257o/60o. A superposição entre
as estruturas Da e Dp
gera padrões de interferências em domos e bacias em todas as escalas.
A trajetória sinuosa dos traços estruturais da saliência como um todo,
tal como observado em mapas e imagens de sensores remotos, resulta
dessa interferência.
O
MODELO DE INTERAÇÃO TECTÔNICA
Tomando por base os resultados aqui apresentados e os dados geocronológicos
fornecidos por diversos autores (por ex., Noce et al., 2000;
Pedrosa-Soares & Wiedeman-Leonardos, 2000) propõe-se um modelo
para o desenvolvimento do Aulacógeno do Paramirim e sua interação
tectônica com o cinturão Araçuaí, durante o processo de inversão,
que compreende os seguintes estágios: (i) Estágio I: no período Toniano,
o sistema de riftes Santo-Onofre-Macaúbas (Shobbenhaus, 1996; Pedrosa-Soares
et al., 2001) alcança o seu máximo de desenvolvimento. Nessa época,
o sistema evoluiu para uma margem passiva, com formação de um oceano
restrito análogo ao Mar Vermelho. Em sua porção terminal, na península
São Francisco, esse oceano conectava-se a um sistema de rifte ensiálico,
que corresponderia ao Aulacógeno do Paramirim; ii) Estágio II: por
volta de 620 Ma, o oceano Macaúbas iniciou o seu fechamento. A propagação
do front orogênico para norte inverteu a junção entre o Aulacógeno
do Paramirim e a margem passiva, iniciando o desenvolvimento da Saliência
do Rio Pardo e induzindo a inversão na porção sul do aulacógeno; iii)
Estágio III: imediatamente após o fechamento do oceano, a porção sul
do Aulacógeno do Paramirim experimentou inversão frontal progressiva,
aumento de metamorfismo e inversão em direção a sul (Danderfer Fo,
1990, 2000; Moutinho da Costa & Inda, 1982).
Figura 2. Modelo de evolução
tectônica para o
Aulacógeno do Paramirim
CONCLUSÕES
A partir do que foi exposto, pode-se concluir o seguinte:
(i) No Aulacógeno do Paramirim podem ser reconhecidos dois segmentos
tectônicos distintos. O segmento norte, que se estende desde a região
próxima ao limite entre os estados da Bahia e do Piauí até as proximidades
da cidade de Boquira (BA), abriga a zona de interferência entre o
Aulacógeno do Paramirim e a Faixa de Dobramentos Rio Preto, bem como
suas porções praticamente não invertidas;
(ii) Na porção sul do aulacógeno foram reconhecidas três fases de
deformação associadas com a sua inversão, todas elas impressas nas
rochas do embasamento, do Complexo Lagoa Real e nos supergrupos Espinhaço
e Macaúbas. A primeira delas, Da, marca a interação inicial
do Aulacógeno com o Orógeno Araçuaí Oeste Congo num modelo clássico
de interação entre aulacógenos e frentes de cavalgamentos dispostos
ortogonalmente. Na fase seguinte, de inversão frontal, Dp,
os elementos estruturais previamente nucleados são rotacionados e
a curvatura é amplificada, em um processo semelhante ao previsto na
formação de oroclines;
(iii) A presença de estruturas extensionais da fase rifte preservadas
como tais na porção norte do Aulacógeno do Paramirim descarta de uma
vez por todas a hipótese da existência de dois crátons, separados
por uma faixa móvel. Por outro lado, a presença de importantes estruturas
deformacionais compressivas que marcam o envolvimento do embasamento
cristalino na deformação da cobertura, na porção sul do aulacógeno,
fornecem argumentos suficientes para que o limite sudeste do Cráton
do São Francisco seja revisto.
REFERÊNCIAS
Almeida F. F. 1977. O Cráton do São Francisco.
Rev. Bras. Geoc., 4: 349-364.
Alkmim,
F. F.; Brito Neves, B. B.; Alves, J. A. C. 1993. Arcabouço tectônico
do Cráton do São Francisco – uma revisão. In: Dominguez, J.M.
& Misi, A. (eds) O Cráton do São Francisco. Reunião Preparatória
do II Simpósio sobre o Cráton o Cráton do São Francisco. Salvador,
SBG/ Núcleo BA/SE/SGM/CNPq. P. 45-62.
Cruz,
S. C. P. & Alkmim, F. F. 2005. The tectonic interaction between the Paramirim
Aulacogen and the Araçuaí Belt, São Francisco Craton region, Easter
Brazil. An. Acad. Bras. Ciências.
No prelo.
Danderfer Fo, A. 1990.
Análise estrutural descritiva e cinemática do Supergrupo Espinhaço
na região da Chapada Diamantina (BA). Dissertação de Mestrado,
Departamento de Geologia, Universidade Federal de Ouro Preto, 99p.
Danderfer Fo., A. 2000. Geologia
sedimentar e evolução tectônica do Espinhaço Setentrional, estado
da Bahia. Tese de Doutoramento, Instituto de Geociências, Universidade
Federal de Brasília, 497p.
Marshak, S.; Alkmim. F. F.;
Whittington, A.; Pedrosa-Soares, A. C. 2001. Extensional collapse
in the Neoproterozoic Araçuaí Orogen, eastern Brazil. The role of
regional crenulation cleavage. GSA
Annual Metting, Abstracts, p. A-155.
Moutinho da Costa, L. A. & Inda, H.
A. V. 1982. O Aulacógeno do Espinhaço. Ciências da Terra, 2:
13-18.
Noce, C. M.; Macambira, M. J. B.; Pedrosa
Soares. A. C. 2000.
Chronology of neoproterozoic-Cambrian granitic magmatism in the Araçuaí
Belt, eastern Brazil, based on single zircon evaporation dating.
Rev. Bras. Geoc., 1: 25-29.
Schobbenhaus, C. 1996. As tafrogêneses
superpostas Espinhaço e Santo Onofre, estado da Bahia: Revisão e novas
propostas. Rev.
Bras. Geoc., 4:
265-276.