O CASO DO CRÁTON DO SÃO FRANCISCO-CONGO E SISTEMAS BRASILIANOS/ PAN-AFRICANOS ADJACENTES
Alkmim,F.F. & Cruz, S.C.P.
Departamento de Geologia, Escola de Minas/UFOP, Morro do Cruzeiro, 35.400-000, Ouro Preto – MG, Brasil. alkmim@degeo.ufop.br, simone@degeo.ufop.br
ABSTRACT
Palavras-chave: Cráton, aulacógeno, orógeno, brasiliano/pan-africano, Neoproterozóico
INTRODUÇÃO O Cráton do São Francisco-Congo é delimitado pelos cinturões externos dos sistemas orogênicos brasilianos/pan-africanos Tocantins, Borborema, Transsahariano, Moçambicano, Damara, Kaoko, Ribeira e Araçuaí-Congo Ocidental (Porada, 1989; Brito Neves & Cordani, 1991; Trompette, 1994). O seu substrato, predominante arqueano, possui contribuições juvenis paleoproterozóicas e consolidou-se por volta de 1,9 Ga, ao final do Evento Transamazônico (Almeida, 1977; Barbosa & Sabaté 2004). Em sua maior parte, encontra-se coberto por unidades pré-cambrianas e fanerozóicas. Proeminentes feições tectônicas do interior do cráton são os aulacógenos pré-cambrianos do Paramirim, de Pirapora e Sangha (Fig.1). Investigações tectônicas realizadas nos aulacógenos do Paramirim, de Pirapora e Sangha mostram que suas histórias evolutivas são, em grande parte, compartilhada com os orógenos adjacentes, na medida em que representam ramos abortados e parcialmente invertidos das bacias precursoras daqueles sistemas. Constituem, desta forma, zonas de fraqueza do cráton e sítios de interação tectônica com orógenos vizinhos, via de regra exercendo importante controle na morfologia destes.
Neste trabalho, descrevem-se os principais traços estruturais dos aulacógenos parcialmente invertidos do Cráton do São Francisco-Congo, aqui entendidos como resultado se sua interação com os orógenos adjacentes, em especial com o sistema Araçuaí-Congo Ocidental.
O ORÓGENO ARAÇUAÍ-CONGO OCIDENTAL Com uma morfologia geral em ferradura, o Orógeno Araçuaí-Congo Ocidental é uma feição incomum, na medida em que fica confinada a uma incisão no Cráton São Francisco-Congo (Fig.1). Envolve o embasamento arqueano e paleoproterozóico, as rochas supracrustais dos supergrupos Espinhaço e São Francisco e unidades correlativas, além de várias gerações de granitos neoproterozóicos (Pedrosa-Soares et al., 2001). Do ponto de vista estrutural, comporta uma subdivisão em um cinturão externo e um núcleo cristalino. O cinturão externo, com a vergência dirigida para o cráton, é representado, no Brasil, pela Faixa Araçuaí e, na África, pela Faixa Oeste Congolesa (Maurin, 1993; Trompette, 1994; Pedrosa-Soares et al., 2001). As zonas de interação tectônica entre o orógeno Araçuaí-Congo Ocidental e o Cráton do São Francisco-Congo estão localizadas nas intersecções aulacógenos-cinturões externos e se expressam em mapa pelas saliências das faixas Araçuaí e Oeste Congolesa. Na Faixa Araçuaí, as saliências do Rio Pardo e da Serra Mineira correspondem às suas intersecções com os aulacógenos do Paramirim e de Pirapora, respectivamente. A Faixa Oeste Congolesa exibe a grande saliência central ao interceptar o Aulacógeno Sangha. Nestes setores, as frentes orogênicas propagam-se cráton adentro ao longo das calhas aulacogências que, como se demonstra a seguir, encerram formas muito próprias de acomodação da deformação.
O AULACÓGENO DO PARAMIRIM O Aulacógeno do Paramirim (sensu Cruz & Alkmim, 2005) fica situado na porção norte do Cráton do São Francisco e abarca toda a região compreendida entre a Serra do Espinhaço Setentrional e borda leste da Chapada Diamantina. Sua história de desenvolvimento, que compreende pelo menos dois eventos maiores de rifteamento, o primeiro por volta de 1750 Ma e o segundo em torno de 900 Ma, está registrada pelos supergrupos Espinhaço e São Francisco (Schobbenhaus, 1996; Danderfer Fo,2000). Do ponto de vista estrutural pode ser subdivido em três domínios. A sua porção norte, invertida, é caracterizada por empurrões e dobras vergentes para sul em associação com grandes falhas transcorrentes de direção NS e NNW. Tais estruturas relacionam-se ao desenvolvimento das faixas brasilianas Rio Preto e Riacho do Pontal, que margeiam o cráton a norte (Alkmim et al., 1993; Lagoeiro, 1996;). No seu setor centro-oeste, individualiza-se um domínio no qual as estruturas rifte originais encontram-se integralmente preservadas (Danderfer Fo., 2000). O domínio de maior expressão areal, que engloba as demais porções do aulacógeno, é também marcado por feições de inversão de duas gerações principais. A mais antiga, representada por falhas de empurrão e dobras vergentes para norte, reflete a migração do front orogênico Araçuaí em direção a norte e a formação da saliência do Rio Pardo (Cruz & Alkmim, 2005). A mais jovem congrega as estruturas mais proeminentes do aulacógeno, que se formaram durante a sua inversão frontal. São dobras, falhas reversas e de empurrão que vergem tanto para ENE, quanto para WSW e envolvem o embasamento. A intensidade da deformação cresce para sul (Danderfer Fo., 2000; Cruz & Alkmim, 2005) e, no mesmo sentido, o metamorfismo associado, que chega a atingir as condições da fácies anfibolito.
O AULACÓGENO DE PIRAPORA A existência de graben de orientação geral WNW-ESE na porção sul do Cráton do São Francisco, sob a cobertura dos supergrupos Espinhaço e São Francisco, foi aventada por Souza Fo & Alkmim (1995). Dados geofísicos e outros estudos que vieram a público nos anos seguintes confirmaram a existência desta feição, denominada Aulacógeno de Pirapora por Dupont (2004). Ao longo da sua calha, o conjunto de dobras e falhas epidérmicas da porção leste da bacia intracratônica do São Francisco configura uma culminação antitaxial, como também o faz a Faixa Araçuaí, na altura da Serra Mineira, em Minas Gerais. Falhas transcorrentes sinistrais de direção WNW são outros componentes do seu arcabouço estrutural (Souza Fo & Alkmim, 1993).
O AULACÓGENO SANGHA O aulacógeno Sangha, também denominado Bacia de Comba (Trompette, 1994; Alvarez & Maurin, 1991), corresponde a um rifte intracratônico de orientação geral N45oE, disposto ortogonalmente à Faixa Oeste Congolesa, na África. Sua unidade de preenchimento característica é espesso pacote do Supergrupo Oeste-Congolês, que compreende unidades glaciogências na base e molássicas no topo. A idade máxima do Supergrupo Oeste-Congolês é 910 Ma; já a deposição de sua seção superior é creditada ao final do Neoproterozóico (Tack et al. 2001). Na altura do Aulacógeno Sangha, a Faixa Oeste Congolesa propaga-se cráton adentro e dá origem a sua proeminente culminação antitaxial, a grande “central flexure” de Tack et al. (2001). Como demonstram Alvarez & Maurin (1991), mesmo no interior do cráton, a deformação avança por longas distâncias ao longo da calha do aulacógeno, na forma de um feixe de transcorrências sinistrais, de direção N60-70º E.
CONCLUSÕES Uma vez nucleados no interior dos crátons, os aulacógenos passam a funcionar como sítios preferenciais de dissipação de tensões e concentração de deformações induzidas à distância pelas colisões nas quais se envolve a placa que lhes hospeda. O estudo de aulacógenos do Cráton do São Francisco-Congo mostra, além disso, que a intensidade e forma da inversão que experimentaram depende da sua orientação em relação ao campo de tensão remoto e em relação às frentes orogênicas marginais ao cráton. Em todos os casos analisados, a zona de interação com os cinturões orogênicos adjacentes é marcada por grandes saliências, que refletem a propagação da deformação cráton adentro.
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