Heilbron, M.; Duarte, B.P.; Nogueira, J.R.; Valeriano, C.; Ragatky, D.
TEKTOS/Faculdade
de Geologia-UERJ. Rua São Francisco Xavier 524, 4-andar, Bloco A,
Rio de Janeiro - RJ, Brasil.
ABSTRACT Palavras-chave: Paleoproterozóico, SE-Brasil, orógeno, retrabalhamento crustal CONTEXTO TECTÔNICO E OBJETIVOSNa porção SE do Cráton do São Francisco, a porção externa de um Orógeno Paleoproterozóico (Transamazônico) também denominado de Cinturão Mineiro (Teixeira et al., 2000), encontra-se bem preservada. Esta região foi estudada em detalhe por diversos autores, como por exemplo Machado et al., 1996; Alkmin & Marshak, 1998; Teixeira et al. 2000, dentre outros. Segundo estes trabalhos, tem-se o registro sedimentar típico de uma margem passiva paleoproterozóica, desenvolvida entre 2.5 e 2.2 Ga (Supergrupo Minas), sobre embasamento arqueano. A inversão desta bacia ocorreu entre 2.125 e 2.0 Ga, e este episódio tectono-metamórfico está representado tanto na cobertura metassedimentar do Supergrupo Minas, como no embasamento arqueano. O magmatismo pré-colisonal situa-se entre 2.2 e 2.1 Ga, enquanto que granitóides tardi-colisionais possuem idade próxima a ca. 1.9 Ga. Na região do Quadrilátero Ferrífero, Alkmin & Marshak (1998) descrevem estruturas do tipo dome-and-keel, relacionadas ao colapso orogênico em cerca 2.095 Ga. Uma sucessão molássica (Formação Sabará) recobre a sucessão de margem passiva e é interpretada como uma associação molássica depositada em um ambiente tectônico do tipo foreland, com contribuição tanto do embasamento, como do orógeno recém construído (Machado et al., 1992, Alkmin & Marshak, 1998). Por outro lado, a porção interna do orógeno encontra-se desmembrada e retrabalhada no interior da Faixa Ribeira, durante a colagem Brasiliana. Estas unidades pré-1.8 Ga integram dois conjuntos litoestratigráficos, denominados de Complexos Mantiqueira e Juiz de Fora (redefinidos em Heilbron, 1993; Duarte, 1997; Heilbron et al., 1998; Duarte et al., 2004). Estas unidades afloram em distintos domínios estruturais do Terreno Ocidental da Faixa (Fig 1), conforme proposto por Heilbron et al. (2000; 2004) e Trouw et al. (2000). Neste trabalho, integrando dados de geologia detalhada (Heilbron et al. 2003, Duarte et al., 2003; Nogueira, 2000), geoquímica (Heilbron et al., 1997, 1998; Duarte et al., 1997, 2004) e geocronologia U-Pb (Heilbron et al., 2005, sub.; Silva et al., 2002) apresentamos ambientação tectônica das diversas series magmáticas que constituem estes dois
Figura 1. Localização do Terreno Ocidental, no Segmento Central da Faixa Ribeira complexos, bem como os principais episódios tectono-termais registrados nestas unidades. Finalmente, estes dados serão integrados para discutir a recomposição da porção interna do orógeno paleoproterozóico, hoje desmembrado no interior do segmento central da Faixa Ribeira.
ASSOCIAÇÕES DO EMBASAMENTO NO TERRENO OCIDENTAL DA FAIXA RIBEIRA Complexo Mantiqueira O Complexo Mantiqueira aflora no Domínio Andrelândia do Terreno Ocidental e constitui o embasamento da sequência metassedimentar homônima. O estilo estrutural apresentado é o de dobras apertadas a isoclinais, recumbentes a inclinadas, de escala regional, que invertem regionalmente a relação entre o embasamento e a cobertura neoproterozóica. Compreende ortognaisses bandados, ortognaisses com texturas porfiríriticas reliquiares, leucognaisses, anfibolitos e mais raramente rochas granulíticas. Com base em dados litogeoquímicos e dados de campo, Duarte et al (2004) e Nogueira et al (2000) subdiviram o Complexo Mantiqueira nas seguintes unidades, descritas abaixo em sequência cronológica: 1) ortognaisses bandados, com composições tonalíticas a granodioríticas, com registros de deformação pré-brasiliana, baixas razões [La/Yb]N (entre 6 a 9), com lentes e camadas anfibolíticas; 2) ortognaisses tonaliticos a granodioríticos, fracamente foliados, com altas razões [La/Yb]N (entre 20 e 38); 3) corpos tabulares e diques de rochas anfibolíticas, com composições muito variadas. 4) leucognaisse intrusivo, com razões [La/Yb]N muito dispersas, distribuidas entre 4 e 65. 5) augen gnaisses, de composição granítica, claramente intrusivos nas quatro associações acima descritas, com razões [La/Yb]N > 100. As rochas calcioalcalinas mostram composições compatíveis para ambientes de margens continentais ativas, incluindo arcos cordilheranos e granitóides de colisão continental. Já as rochas toleiticas, incluem metabasitos com assinaturas tipo E-MORB ([La/Yb]N ca. 1,0 - 3,0) e intraplaca continental, subdivididas em dois grupos com baixas e altas razões [La/Yb]N , respectivamente de ca. 3,5 - 5,0 e e de ca. 13 - 18. Os dados geocronológicos (Heilbron et al, sub.; Machado et al., 1996) indicam que os gnaisses bandados, mais antigos possuem idade de cristalização em ca. 2.2 Ga, com evidente indicação de herança arqueana em ca. 2.7 Ga. Os gnaisses granodioríticos possuem idades de cristalização entre ca. 2.21 e 2.10 Ga. Em ambos os tipos, uma população de zircões metamórficos em ca. 2.05-2.04 Ga indica claramente um episódio tectono-metamórfico paleoproterozóico. O gnaisse granítico apontou uma idade de cristalização em ca. 2,17 Ga. Dados isotópicos de Nd (Fischel et al., 1998; Ragatky et al., 1999, Brueckner et al., 2000), petrogenéticos (Duarte et al., 2004) e U-Pb/SRHIMP (Silva et al., 2002) confirmam os resultados obtidos e apontam para importância do retrabalhamento de crosta arqueana na geração das rochas do Complexo Mantiqueira Os dados geológicos (petrografia e geologia
estrutural) mostram que a superposição brasiliana resultou em intensa
deformação e metamorfismo, em fácies anfibolito (Nogueira, 2003).
Entretanto, o sistema isotópico U-Pb dos zircões, permaneceu pouco
perturbado pela Orogênese Brasiliana, apontando claramente a história
paleoproterozóica. Já as titanitas, datadas por TIMS indicam idades
de metamorfismo entre 604 e 565 Ma (Machado et al., 1996). Constitui a associação do embasamento do Domínio Juiz de Fora, no terreno Ocidental. Contrastando com o domínio anteriormente descrito, o estilo estrutural é mais complexo, caracterizado por intenso imbricamento tectônico e interdigitação entre as rochas do embasamento e a cobertura de idade neoproterozóica, caraterizando um duplex em escala crustal. Compreende ortogranulitos de composição variada, incluindo tipos charnockíticos a enderbíticos, com lentes e enclaves de granulitos básicos e raramente tipos ultrabásicos. Com base em dados litogeoquímicos, os granulitos félsicos podem ser subdivididos em dois grupos calcioalcalinos (Duarte et al., 1997; Heilbron et al., 1997, 1998). O primeiro inclui uma série de médio K, com larga variação composicional, compreendendo rochas dioríticas, tonalíticas, granodioríticas, e subordinadamente granitos. O segundo grupo é constituido por uma série de alto-K, representado por rochas ácidas (granitos e granodioritos). Relações de campo indicam que as rochas graníticas são mais jovens que o conjunto de médio-K. A assinatura geoquímica indica ainda ambientes tectônicos convergentes, com a sugestão de progressiva maturidade química, tal como observado em arcos magmáticos modernos. Idades U-Pb/LA-ICPMS indicam idades de ca. 2.1 Ga para geração destes grupos de rochas calcioalcalinas (Heilbron et al., subm.; Machado et al., 1996, Cordani et al., 1973). Os granulitos básicos do Complexo Juiz de Fora compreedem também dois grupos geoquímicos distintos. O primeiro grupo, mais abundante, é representado por rochas toleíticas de baixo TiO2 -P2O5, com assinaturas tipo E-MORB a N-MORB. Deste grupo, uma idade U-Pb/TIMS de ca. 2.4 Ga indica a época de cristalização deste conjunto de rochas básicas. Já o segundo grupo inclui rochas básicas, transicionais a alcalinas, ricas em TiO2 > 3.3%; K2O 1.1-1.7%; FeO* > 10%; P2O5 > 0.58%, e outros elementos incompatíveis, com assinatura geoquímica típica para magmatismo intraplaca continental. Para o último conjunto foi obtida uma idade U-Pb/LA-ICPMS de 1.7 Ga, contemporânea ao início da Tafrogênese Estateriana Os dados geológicos, petrográficos e isotópicos indicam intenso retrabalhamento tectono-metamórfico no Neoproterozóico, que atinge temperaturas da facies granulito. Assim, diferentemente do que foi observado para o Complexo Mantiqueira, no Complexo Juiz de Fora, são muito frequentes interceptos inferiores neoproterozóicos, bem como zircões metamórficos neoformados, no intervalo entre 619 e 599 Ma (Heilbron et al., sub; Machado et al., 1996).
DISCUSSÃOA integração dos dados obtidos com trabalhos já realizados sugere que, apesar de intenso retrabalhamento no Neoproterozóico, as associações do embasamento pré-1.8 Ga do Terreno Ocidental da Faixa Ribeira guardam clara vinculação com a história de amalgamação paleoproterozóica do paleo-continente São Francisco, representando a porção interna deste orógeno. Assim são sumarizadas abaixo, as diferentes etapas tectono-metamórficas desta orogênese registradas nestas associações: a) O Complexo Mantiqueira inclui granitóides calcio-alcalinos de arcos cordilheranos e granitos sin-colisionais com idade entre 2.21 e 2.07 Ga, e forte componente de retrabalhamento de crosta arqueana. Um importante episódio metamórfico, em 2.05-2.04 Ga, pode estar associado à colisão do terreno Juiz de Fora na borda do paleocontinente São Francisco b) O Complexo Juiz de Fora inclui associações típicas para arcos de ilhas intra-oceânicos, com rochas calcio-alcalinas juvenis em ca. 2.1 Ga que se intercalam com rochas básicas de fundo oceânico de 2.4 Ga (back-arc ou plateaus oceânicos??) e rochas do tipo toleítos de arco. Este conjunto indica claramente um terreno com forte componente juvenil, posteriormente amalgamado à borda sãofranciscana, em ca. 2.05-2.04 Ga. É importante frisar, que este episódio metamórfico coincide com idades metamórficas reportadas para a região do Quadrilátero Ferrífero (Alkmin & Marshak, 1998; Machado et al., 1996). c) Os dois conjuntos são cortados por associações de diques e plutons bimodais, relacionados à Tafrogêgenese Estateriana (ca. 1.7 Ga), que resultou no rifteamento do Paleocontinente São Francisco na transição Paleoproterozóico-Mesoproterozóico e na implantação das bacias do tipo rift São João del Rei e Espinhaço. d) Durante o início do Neoproterozóico, estas associações atuaram como embasamento da bacia de margem passiva Andrelândia (Heilbron et al., 2000, 2004). A superposição da Orogênese Brasiliana, no Neoproterozoico III - Cambriano causou intensa deformação e metamorfismo destas associações
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