Campos, J.C.S.1 & Carneiro, M.A.2
ABSTRACT
Palavras-chave: granitóides, geoquímica em rocha total, evolução tectônica, CSFM
INTRODUÇÃO. O Cráton São Francisco expõe, na sua porção meridional, dois terrenos distintos, separados pelo Lineamento Jeceaba-Bom Sucesso. A NW desse lineamento encontra-se domínio crustal antigo, de evolução policíclica, pontilhando por granitóides do Neoarqueano (Carneiro, 1992; Noce, 1995; Endo 1997; Campos et al., 2003; Campos, 2004). A SE desse lineamento ocorre um domínio essencialmente Paleoproterozóico (Ávila, 2000; Campos, 2004). Dados geoquímicos, em rocha total, disponibilizados por Carneiro (1992), Noce (1995), Quéméneur (1996), Fernandes (2000), Ávila (2000), Noce et. al. (2000), tratados juntamente com os resultados de Campos (2004) e aliado aos outros dados geológicos pré-existentes, permitiram o estabelecimento de variadas suítes metamórficas e ígneas (Campos 2004). Este trabalho apresenta uma síntese das características das suítes ígneas, em termos petrográficos e geoquímicos.
GEOCRONOLOGIA As idades dos litotipos estudados estão apresentadas na tabela 1. Tabela 1. Idades U-Pb e Pb-Pb (#) dos principais litotipos das suítes descritas [1=Carneiro (1992), 2=Campos (2004), 3=Noce (1995), 4=Ávila (2000)].
PETROQUÍMICA Os diversos corpos de granitóides foram agrupados em duas suítes neoarqueanas (Suíte Ígnea Samambaia-Bom Sucesso e Suíte Ígnea Salto Paraopeba-Babilônia) e três suítes paleoproterozóicas (Suíte Ígnea Cassiterita-Tabuões, Suíte Ígnea Ritápolis e Suíte Ígnea São Tiago).
Suítes Neoarqueanas O Tonalito Samambaia e o Granito Brumadinho (Carneiro, 1992), o Trondhjemito Babilônia e o Granito Bom Sucesso (Quéméneur, 1996), o Granodiorito/Granito Morro do Ferro e o Trondhjemito Aureliano Mourão (Campos 2004) compõem a Suíte Ígnea Samambaia-Bom Sucesso (SISBS). O Tonalito Samambaia, o Trondhjemito Aureliano Mourão e o Trondhjemito Babilônia apresentam baixas razões Rb/Sr (0,07 a 0,21), baixas razões K/Na (0,28 a 0,65). Por outro lado, os demais litotipos apresentaram razões Rb/Sr entre 0,91 e 1,70 e razões K/Na entre 1,07 e 2,11. ). Os valores de Mg# [100(Mg/Mg+Fe)] variam de 23 a 54, para os primeiros litotipos e, de 14 a 60, para os demais, conforme Tabela 2.
Tabela 2. Resultados geoquímicos selecionados (Suítes ígneas do Neoarqueano).
As razões (Ce/Yb)N e (La/Yb)N variam, respectivamente, de 71 a 94 e 117 a 132, para o Trondhjemito Aureliano Mourão, de 15 a 16 e de 19 a 20, para o Tonalito Samambaia e, de 26 a 36 e de 30 a 42, para o Granito Brumadinho. A Suíte Salto Paraopeba-Babilônia (SISPB) é constituída pelo Granito Salto do Paraopeba (Noce, 1995), pelos granitos Candeias 5 e 6 (Fernandes, 2000), pelo Granito São Pedro das Carapuças e pelo Hiperstênio-Biotita Granodiorito Santo Antônio do Amparo (Campos 2004). As razões Rb/Sr (acima de 0,45 e ultrapassando 2,0) e K/Na (entre 1, 25 e 1,67, exceto para o Granito Salto Paraopeba, com 0,45) são elevadas. Os valores de Mg# são baixos (8 a 18), conforme Tabela 2. As razões (Ce/Yb)N e (La/Yb)N estão, respectivamente, entre 5 e 54, 9 e 74 para o Granito São Pedro das Carapuças, entre 29 e 31, 38 e 41 para o Granito Salto Paraopeba, entre 12 e 27, 21 e 37 para o Granito Candeias 5 e entre 9 e 14, 12 e 19 para o Granito Candeias 6.
Suítes Paleoproterozóicas A Suíte Ígnea Cassiterita-Tabuões (SICT) compreende o Trondhjemito/Granodiorito Tabuões e o Granito Cassiterita (Quéméneur, 1996), o Trondhjemito Pau da Bandeira (Quéméneur, 1996; Campos, 2004), o Tonalito Alto Maranhão (Noce 1995), o Trondhjemito/Granodiorito Cassiterita e o Trondhjemito Caburu (Ávila, 2000; Campos, 2004). As razões Rb/Sr são baixas (0,06 a 0,32), à exceção do Granodiorito Tabuões (2,37), enquanto as razões K/Na são mais heterogêneas, com valores baixos (0,25), para o Trondhjemito Tabuões, elevados (2,01), para o Granodiorito Tabuões e, não muito baixos, para os demais litotipos (0,32 a 0,55). Os valores de Mg# são baixos (13 a 33), exceto para o Tonalito Alto Maranhão, com um valor relativamente alto de 57 (Tabela 3). As razões (Ce/Yb)N e (La/Yb)N variam, respectivamente, entre 30 e 33 e 44 e 47, para Trondhjemito Pau da Bandeira, de 17 a 24 e 21 a 30, para o Tonalito Alto Maranhão, de 7 a 14 e de 9 a 20, para o Trondhjemito Caburu, de 20 a 61 e de 10 a 80, para o Trondhjemito/Granodiorito Cassiterita. A Suíte Ígnea Ritápolis (SIR) é constituída pelo Trondhjemito/Granodiorito Ritápolis (Quéméneur, 1996; Campos, 2004), pelo Granodiorito Congo Fino e pelos granitos Ritápolis, Itutinga, Perdões, Porto dos Mendes e Congo Fino (Quéméneur, 1996), além do Granito Nazareno (Campos, 2004). As razões Rb/Sr desses litotipos são altas (0,52 a 1,88), em sua maioria, menos as dos trondhjemitos/granodioritos Ritápolis e Congo Fino (0,28 a 0,3), que apresentaram razões K/Na médias (0,63 a 1,03), ao lado do Granito Nazareno. Os demais litotipos mostraram razão K/Na alta (1,54). Os resultados de Mg# são baixos, variando de 13 a 22 (Tabela 3). As razões (Ce/Yb)N e (La/Yb)N variam, respectivamente, de 75 a 86 e de 121 a 137, para o Granito Nazareno.
Tabela 3. Resultados geoquímicos selecionados (Suítes ígneas do Paleoproterozóico).
A Suíte Ígnea São Tiago (SIST) é composta pelo Trondhjemito/Granodiorito São Tiago, pelo Tonalito Rio do Peixe e pelo Granodiorito Rezende Costa (Campos, 2004). As razões Rb/Sr são altas, para o Granodiorito Rezende Costa e baixas, para o Tonalito Rio do Peixe e para o Trondhjemito/Granodiorito São Tiago. Quanto aos valores de K/Na, variam entre 0,35 e 0,68. Os dados de Mg# mostraram-se baixos, variando entre 18 e 23 (Tabela 3). As razões (Ce/Yb)N e (La/Yb)N são, respectivamente, 19 a 37 e 38 a 60, para o Tonalito Rio do Peixe e 19 a 31 e 28 a 40, para o Trondhjemito/Granodiorito São Tiago.
DISCUSSÃO As baixas razões K/Na, os valores de Mg# próximos do intervalo 35-50 e os padrões de ETR fortemente fracionados (exceto para o Tonalito Samambaia), sem ou com insignificante anomalia negativa de Eu, caracterizam o Trondhjemito Aureliano Mourão, o Trondhjemito Babilônia e o Tonalito Samambaia como granitóides do tipo TTG (Fig. 1), de acordo com mesmos critérios usados por Moyen et. al (2003); as baixas taxas Rb/Sr confirmam essa tendência. A maioria dos autores acredita que os TTGs são gerados por fusão parcial de crostas oceânicas basálticas subductadas (e.g. Condie, 1997; Martin, 1986, 1994; Rollinson, 1997). Os demais litotipos da SISBS, com razões K/Na (> 1,0) e Rb/Sr mais elevadas, Mg# < 30 (exceto para o Granito Brumadinho) se enquadrariam bem como Biotita Granitos (Fig. 1), possivelmente produzidos por fusão parcial de TTGs pré-existentes (Moyen et al., 2003).
Figura 1. Diagrama proposto por Moyen et al (2003), discriminando os litotipos neoarqueanos [SISBS (quadrados = TTG, losango = Biotita Granitos), SISP (triângulo = Biotita Granito).
Quanto à SISPB, todos os litotipos apresentaram razões K/Na elevadas (> 1,0), exceto o Granito Salto do Paraopeba, razões Rb/Sr médias a altas, fracionamentos de ETR moderados, anomalias negativas de Eu pouco expressivas e valores de Mg# muito baixos. Deste modo, poderiam ser classificados como Horblenda/Biotita Granitos, de acordo com os critérios de Moyen et al. (2003). Os litotipos da SICT, à exceção do Granodiorito Tabuões, apresentaram baixas a médias razões K/Na e Rb/Sr; os valores de Mg# estão abaixo de 35, exceto para o Tonalito Alto Maranhão, enquanto o grau de fracionamento dos ETR é moderado a forte. Estas características são sugestivas tanto de granitóide TTG quanto de Biotita Granitos. Dentre os litotipos da SIR, apenas o Trondhjemito/Granodiorito Congo Fino e o Trondhjemito/Granodiorito Ritápolis e o apresentaram razões Rb/Sr e K/Na relativamente baixas, o que, aliado ao alto fracionamento dos ETR (Trondhjemito/Granodiorito Ritápolis), caracteriza-os como granitóides TTG. Os demais se enquadrariam na classe dos Biotita Granitos de Moyen et al. (2003). Os litotipos da SIST podem ser classificados como do tipo TTG (Tonalito Rio do Peixe e Trondhjemito/Granodiorito São Tiago), em função do alto fracionamento dos ETR e das baixas razões Rb/Sr e K/Na, em detrimento do Granodiorito Rezende Costa, com comportamento contrastante, típico de Biotita Granito (Moyen et al., 2003).
CONCLUSÕES Granitóides, com características petroquímicas similares [Granodiorito/Granito Morro do Ferro, Granito Bom Sucesso, Granodiorito Mamona (idade U-Pb de 2721 ± 3 Ma; Carneiro, 1992)], foram posicionados, numa crosta continental mesoarqueana, em extensas áreas do CSFM, entre 2780 e 2703 Ma. O posicionamento de granitóides do Neoarqueano tardio, cuja gênese envolveu participação de fusões parciais de crosta continental (Campos et al. 2003), está registrado, também, em extensas áreas dessa porção cratônica. A presença de granitóides paleoproterozóicos, tanto com assinatura TTG, quanto geneticamente relacionados a refusão de crosta continental (possivelmente TTG) pré-existente, em tempos tão diferentes (cerca de 2162 Ma, 2127 Ma e 1887 Ma), implica em uma evolução tectônica complexa da porção a SE do LJBS, com múltiplas colisões, possivelmente envolvendo segmentos diversos de um arco de ilhas e um continente consolidado no Neoarqueano.
REFERÊNCIAS Ávila, C. A. 2000. Geologia, petrografia e geocronologia de corpos plutônicos paleoproterozóicos da borda meridional do Cráton São Francisco, região de São João del Rei, Minas Gerais. Tese de Doutoramento, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 401p. Campos, J. C. S. 2004. O Lineamento Jeceaba-Bom Sucesso como Limite dos Terrenos Arqueanos e Paleoproterozóicos do Cráton São Francisco Meridional: Evidências Geológicas, Geoquímicas (Rocha Total) e Geocronológicas (U-Pb). Tese de Doutoramento, Departamento de Geologia da Escola de Minas, Universidade Federal de Ouro Preto, 191p. Campos, J. C. S.; Carneiro, M. A.; Basei, M. A. S. 2003. U-Pb evidence for Late Neoarchean crustal reworking in the southern São Francisco Craton (Minas Gerais, Brasil). Anais da Academia Brasileira de Ciências, 75:497-511. Carneiro, M. A. 1992. O Complexo Metamórfico Bonfim Setentrional (Quadrilátero Ferrífero, Minas Gerais): litoestratigrafia e evolução geológica de um segmento de crosta continental do Arqueano. Tese de Doutoramento, Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, 233p. Condie, K. C. 1997. Plate Tectonics and Crustal Evolution. Butterworth-Heinemann, 282pp. Endo, I. 1997. Regimes tectônicos do Arqueano e Proterozóico no interior da Placa Sanfranciscana: Quadrilátero Ferrífero e suas adjacências, Minas Gerais. Tese de Doutoramento, Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, 243p. Fernandes, R. A. 2000. Etapas de formação de crosta continental (do Mesoarqueano ao Mesoproterozóico) no Cráton São Francisco Meridional. Dissertação de Mestrado, Departamento de Geologia da Escola de Minas, Universidade Federal de Ouro Preto, 128p. Martin, H. 1986. Effect of steeper Archean geothermal gradient on geochemistry of subduction-zone magmas. Geology, 14: 753-756. Martin, H., 1994. The Archean grey gneisses and the genesis of continental crust. In: CONDIE, K. C. (ed.) Archean Crustal Evolution. Pergamon, pp.: 205-259. Moyen, J. -F.; Martin, H.; Jayananda, M.; Auvray, B., 2003. Late Archaean granites: a typology based on the Dharwar Craton (India). Precambrian Research, 127: 103-123. Noce, C. M., 1995. Geocronologia dos eventos Magmáticos, sedimentares e metamórficos na região do Quadrilátero Ferrífero, Minas Gerais. Tese de Doutoramento, Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, 128p. Noce, C. M.; Teixeira, W.; Quéméneur, J. J. G.; Martins, V. T. S.; Bolzachini, E. 2000. Isotope signatures of Paleoproterozoic granitoids from the southern São Francisco Craton and implications for the evolution of the Transamazonian Orogeny. Journal of South American Earth Sciences, 13:225-239. Quéméneur, J. J. G. 1996. Os magmatismos de idade arqueana e transamazônica na região Campos das Vertentes, MG (sul do Cráton São Francisco), com base em geoquímica e geocronologia. Tese de Livre Docência, Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, 79p. Rollinson, H. 1997. Eclogite xenoliths in west African kimberlites as residues from Archaean granitoid crust formation. Nature, 389: 173-176.
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