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ST5 - 10


GEOLOGIA E EVOLUÇÃO TECTÔNICA DO COMPLEXO LAGOA REAL, CAETITÉ (BAHIA)

 

Cruz, S.C.P.1; Alkmim, F.F.1; Leite, C.M.M.2

 

1. Universidade Federal de Ouro Preto, Departamento de Geologia, Morro do Cruzeiro, 35400-000, Ouro Preto -MG, Brasil. simone@geologist.com, alkmim@degeo.ufop.br
3. PETROBRAS, Avenida Antonio Carlos Magalhães, 1113, sala 402, Pituba, 41856-900, Salvador -BA, Brasil. cmml@petrobras.com.br

 

ABSTRACT

 

The Lagoa Real Complex, exposed along the western and inverted portion of the Paramirim aulacogen in the northern lobe of the São Francisco craton, consists of 1,7 Ga old granitoids, gneisses, uranium bearing albitites, amphibolites and charnokites. A detailed structural analysis performed in the various components of the complex allowed us to postulate a model for their deformational, metamorphic and mineralization history.  In the course of an early metassomatic event, which probably took place at ca. 960 Ma, during the Macaúbas rifting, the Lagoa Real granitoids were partially albitized and enriched in uranium. During the inversion of the Paramirim aulacogen in the Brasiliano event, the components of the complex were mylonitized in various degrees along ductile shear zones, leading to the formation of gneisses, lens-shaped albitite bodies and reconcentration of uranium.

 

Palavras-chave: Complexo, granitóides, gnaisses, albititos, mineralização.

 

INTRODUÇÃO

     O Complexo Lagoa Real (Costa et al., 1985) é constituído por granitóides de idades em torno de 1.7 Ga (Turpin et al., 1988; Cordani et al., 1992), álcali-gaisses e albititos da Suíte Intrusiva Lagoa Real (Arcanjo et al., 2000), além de diabásios, anfibolítos e charnoquíticos que ocorrem intercaladas com os litotipos daquela suíte. Esse complexo ocorre no Corredor do Paramirim, na região do vale do Paramirim e no núcleo do Anticlinal Abaíra-Jussiape (Fig. 1). Um ponto de discussão envolvendo o Complexo Lagoa Real refere-se à relação temporal entre o evento deformacional que gerou a gnaissificação e formação dos albititos e o evento metassomático que teria dado origem à mineralização de urânio. Neste trabalho, descreve-se as rochas, o arcabouço estrutural do Complexo Lagoa Real e propõe-se um modelo de evolução tectônica para o mesmo.

 

 PRINCIPAIS LITOFÁCIES DO COMPLEXO LAGOA REAL

     As rochas do Complexo Lagoa Real estão encaixadas nos ortognaisses migmatíticos e em Terrenos Greenstone Belts tipo Ibitira, de idade arqueana (p. ex. Bastos-Leal et al., 1998). O contato leste e oeste com as rochas da infra-estrutura se faz através por zonas de cisalhamento. Na região

 

Figura 1. Localização do Complexo Lagoa Real no vale do rio Paramirim (VRP) e no núcleo do  Anticlinal de Abaíra Jussiape (ABJ). BG-Bloco Gavião, CD- Chapada Diamantina e ES- Espinhaço

 

de Abaíra e Jussiape, as rochas do complexo fazem contato tectônico com rochas do Supergrupo Espinhaço, através das zonas de cisalhamento Cristalândia e João Correia-Barra do Mendes, a leste e oeste, respectivamente (Cruz, 2004).

     O mapeamento geológico da área de ocorrência do Complexo Lagoa Real permitiu individualizar um conjunto de granitóides hololeucocráticos a leucocráticos, genericamente denominados de granito São Timóteo (sensu latu) (Fernandes, 1982) e pelo granito Jussiape (Lopes, 1991). As diferenciações texturais do granito São Timóteo (sensu latu) permitiram subdividi-lo em três fácies distintas, denominadas de granitóides São Timóteo (sensu strictu), granitóides Jurema e granito Jussiape. Com coloração variando entre cinza-rósea a cinza-azulada, o granitóide São Timóteo engloba duas fácies principais, quais sejam, cumulática e porfirítica, ambas com textura fanerítica grossa a pegmatoidal. A sua composição varia entre sienítica, álcali-feldspato sienítica, quartzo-álcali feldspato sienítica, álcali-feldspato granítica e sienogranítica, predominando a sinenogranítica para a fácies porfirítica e álcali-feldspato sienitíca para a fácies cumulática. Texturas granofírica e piterlítica são encontradas. O granitóide Jurema possui coloração variando entre creme-acizentado e cinza-azulada e composição semelhante aos granitóides São Timóteo, diferenciando-se deles pela textura fanerítica fina a média. O granito Jussiape, de coloração rósea, congrega rochas com composição predominante monzogranítica e divide-se em duas fácies: fanerítica média e porfirítica média.

     Os granitóides do Complexo Lagoa Real experimentaram variados graus de deformação ao longo de zonas de cisalhamento compressionais dúcteis a dúctil-rúpteis, dando origem a corpos lenticulares de gnaisses, albititos, oligoclasitos e microclinitos (Lobato, 1985; Costa et al., 1985; Arcanjo et al., 2000; Cruz, 2004, por exemplo). Associados a essas zonas, protomilonitos (granitos foliados), milonitos (augen gnaisses) e ultramilonitos (gnaisses foliados, albititos, oligoclasitos e microclinitos) podem ser encontrados como o produto da deformação sin-metamórfica e recristalização sin-deformacional que marcou a inversão do Aulacógeno do Paramirim. Foram divididos em granitóide foliados tipo Pilões, com textura granofírica e piterlítica preservadas, gerados a partir do granitóide São Timóteo (sensu strictu), granitóide Foliado Limeira, gerado a partir do granitóide de Jussiape, gnaisse Cercado, com textura cataclástica, gnaisse Lagoa Grande (augen gnaisses) e gnaisse Caetité (gnaisses bandados).  Nas rochas menos deformadas, feições de substituição da microclina pela albita são truncadas por microestruturas de deformação e recristalização. Os novos grãos recristalizados não estão substituídos pela albita, ao contrário dos hospedeiros, onde a substituição é bastante intensa, sugerindo tratar-se de feições pré-deformacionais. 

     Os albititos são nomeados de acordo a abundância de minerais varietais na seguinte forma: anfibólio albitito, piroxênio albitito, magnetita-hematita albitito, biotita albitito, granada albitito e variações entre esses termos. A mineralização ocorre, preferencialmente, associado a corpos de granada albititos onde a oxidação da magnetita em hematita foi um processo eficiente (Lobato, 1985; Cruz, 2004).

Além das rochas anteriormente descritas, podem ser encontrados corpos de piriclasitos (enclaves??), oligoclasitos, mineralizados ou não, microclinitos, anfibolitos e epidositos. Esses últimos ocupam porções do Complexo Lagoa Real onde predominam movimentos extensionais. Neles é comum observar-se a transformação do anfibólio e do plagioclásio mais cálcico em calcita e epidoto.

 

ARCABOUÇO ESTRUTURAL DO COMPLEXO LAGOA REAL

     No vale do Paramirm, foram reconhecidas duas famílias de estruturas deformacionais que representam dois campos cinemáticos distintos. A primeira, compressional, compreende o principal conjunto de estruturas deformacionais e foi responsável pela disposição espacial atual das unidades que compõem esse complexo. Ela envolve duas fases de deformação distintas, denominadas de Da e Dp. A fase Da, com movimentos de sul para norte, é responsável pela nucleação de zonas de cisalhamento com orientação em geral, segundo WNW-ESSE, lineação de alta obliqüidade, cujo principal registro é a zona de cisalhamento Brumado-Caetité (Cruz, 2004).

     A fase seguinte, Dp, trunca as estruturas anteriormente nucleadas e é responsável pelo desenvolvimento de zonas de cisalhamento que delineiam uma estrutura helicoidal com vergência geral para ENE, cujas raízes estão expostas em toda a área de ocorrência do Complexo Lagoa Real. Subdivide-se nos estágios Dp1, onde nucleiam-se zonas de cisalhamento dúcteis a dúctil-rúpteis, e Dp2, predominando zonas rúptil dúcteis. A foliação metamórfica (Sp1) distribui-se heterogeneamente, variando entre anostomótica, nos termos menos deformados, até planar e contínua nas rochas com deformação mais intensa. O seu desenvolvimento está intimamente relacionado com a formação de um bandamento metamórfico e, por várias vezes, essas estruturas ocorrem subparalelas, à exceção de zonas de charneira de dobras intrafoliais. No vale do Paramirim, o registro estrutural Dp1 varia de norte para sul, desde zonas com orientação N257o/41o e lineação de estiramento mineral posicionada em N255o/40o, entre as cidades de Paramirim e Itanajé, passando por zonas com foliação metamórfica e lineação de estiramento em N042o/60o e N057o/54o, respectivamente, entre Itanajé e Lagoa Grande. Entre Lagoa Grande e Caetité a foliação apresenta-se em N281o/61o e lineação mineral em N249o/53o e a sul da cidade de Caetité, a foliação apresenta-se em N254o/45o, com lineação de estiramento de baixa obliqüidade e posicionada em N218o/14o. Os movimentos predominantes são dextrais reversos. Nas proximidades da cidade de Monsenhor Bastos ocorre um terraço estrutural que deve ser a zona de interferência entre as fases Da e Dp.

     No núcleo do Anticlinal de Abaíra Jussiape, a fase Dp1 está representada por um conjunto de zonas de cisalhamento dúcteis de alto ângulo, com movimentação dextral reversa. Tais estruturas possuem atitude média de N260o/75o e lineação de estiramento de baixa obliqüidade, com orientação preferencial N202o/27 o.

     As estruturas da fase Dp1 encontram-se parcialmente reativadas durante o estágio Dp2 através do desenvolvimento de fraturas e zonas de cisalhamento com intensa filonitização. A nucleação das estruturas desse estágio possivelmente ocorreu quando o bloco do embasamento ultrapassou o limite dúctil-rúptil da crosta.

     Um conjunto de estruturas extensionais, fase De, foi responsável pela rotação horária dos indicadores cinemátcos, nucleação de fraturas e zonas de cisalhamento dúctil-rúpteis a dúcteis, com movimento normal, assim como dobras recumbentes com charneira arrendondada e fault bend folds. As zonas e fraturas de cisalhamento alojam-se, preferencialmente, nas porções filonitizadas pobres em ribbons de quartzo das zonas de cisalhamento dúctil-rúpteis da fase Dp2 e aproveitando os planos de foliação Dp1. A cristalização da calcita e epidoto ocorre associada com essa fase de deformação.

    

EVENTOS METAMÓRFICOS / METASSOMÁTICOS NO COMPLEXO LAGOA REAL E MODELO DE EVOLUÇÃO TECTÔNICA

     No Complexo Lagoa Real foi identificado um evento metamórfico, nas condições de fácies xisto verde a norte da cidade de Itanajé e anfibolito a sul daquela cidade, e quatro metassomáticos. O primeiro evento metassomático, MS1, pré-Da e Dp, foi responsável pela albititização do complexo Lagoa Real e pelo aporte de urânio. A assembléia mineralógica é representada por albita, anfibólio (pargasita/hastingsita), biotita.  As idades U-Pb em titanitas obtidas por Pimentel et al., (1994) sugerem que esse metassomatismo ocorreu em torno de 960 Ma e associado a abertura do rifte Macaúbas (Schobbenhaus, 1996) (Fig. 2). O Evento MS2 é sin- Dp1 e possui associação mineralógica constituída por andradita-grossularita, biotita, hedenbergita-diopsídio, titanita, magnetita e hematita. Marca a fase da gnaissificação e da individualização dos corpos de albititos e reconcentração do urânio ao longo das zonas de cisalhamento de idade neoproterozóica (Fig. 2). A geração desses corpos é acompanhada por processos de recristalização sin-deformacional e por reações de    oxidação      (Lobato, 1985;  Cruz, 2004).  O

 


Figura
2. Modelo esquemático em perfil para explicar a evolução tectônica do Complexo Lagoa Real

 

evento MS3 é sin-Dp2 e foi responsável pela instalação das reações de hidratação que levaram à formação de corpos de filonitos a partir de granitos e gnaisses do Complexo Lagoa Real (Fig. 2). O ultimo evento metassomático é sin-De, sendo igualmente acompanhado por reações de hidratação, com formação de epidoto e cristalização da calcita.

 

REFERÊNCIAS

Arcanjo, J. B., Marques-Martins, A. A., Loureiro, H. S. C., Varela, P. H. L. 2000. Projeto vale do Paramirim, escala 1:100.000. Programa de Levantamentos Geológicos Básicos do Brasil, CD-ROOM.

Bastos-Leal, L. R., Teixeira, W., Cunha, J. C., Macambira, M.J.B. 1998. Archean tonalitic-trondhjemitic and granitic plutonism in the Gavião block, São Francisco Craton, Bahia, Brazil: Geochemical and geochronology characteristics. Rev. Bras. Geoc., 2: 209-220.

Cordani, U. G., Iyer, S. S., Taylor, P. N., Kawashita, K., Sato, K., Mcreath, I. 1992. Pb-Pb, Rb-Sr, and K-Ar sistematic of the Lagoa Real uranium province (south-central Bahia, Brazil) and the Espinhaço Cycle (ca. 1.5-1.0 Ga). J. Sout. Amer. Eart. Sci., 1: 33-46.

Costa P. H. O., Andrade A. R. F., Lopes G. A. C., Souza S. L. 1985. Projeto Lagoa Real-Mapeamento Geológico 1:25.000. CBPM/NUCLEBRAS/SME, volume 1, 455p.

Cruz, S. C. P. 2004. A interação tectônica entre o Aulacógeno do Paramirim e o Orógeno Araçuaí-Oeste Congo. Tese de Doutoramento, Universidade Federal de Ouro Preto, Departamento de Geologia, 503p.

Lobato L. M. 1985. Metamorphism, metassomatism and mineralization at Lagoa Real, Bahia, Brazil. Tese de Doutoramento, University Western Ontario, 306p.

Pimentel, M. M., Machado, N., Lobato, L. M. 1994. Geocronologia U/Pb  de rochas graníticas e gnáissicas da região de Lagoa Real, Bahia, e implicações para a idade da mineralização de urânio. In: SBG, Congresso Brasileiro de Geologia, 38, Boletim de Resumos Expandidos, p. 389-390.

Schobbenhaus, C. 1996. As tafrogêneses superpostas Espinhaço e Santo Onofre, estado da Bahia: Revisão e novas propostas. Rev. Bras. Geoc., 4: 265-276.

Turpin, L., Maruèjol, P., Cuney, M. 1988. U-Pb, Rb-Sr and Sm-Nd chronology of granitic basement, hydrotermal albitites and uranium mineralization, Lagoa Real, South Bahia, Brazil. Contrib. Mineral. Petrol.,98:139-147.