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ST5 - 08


EVOLUÇÃO TECTÔNICA NO NEOPROTEROZOICO DA INTERFACE CRÁTON DO SÃO FRANCISCO/ORÓGENO ARAÇUAÍ, NO SSE DO ESTADO DA BAHIA, BRASIL

 

 

Corrêa Gomes, L. C. 1, 2; Oliveira E.P. de. 3; Souza Filho, C.R. de 3

 

1-IGEOUFBA, Salvador-BA, Brasil. lccgomes@cefetba.br

2-CEFETBA, Salvador-BA, Brasil. gomes@cefetba.br

3-DRN-IGUNICAMP, Campinas-SP, Brasil. elson@ige.unicamp.br, beto@ige.unicamp.br

 

 

ABSTRACT

A  key tectonic area, located on SSE of the State of Bahia,  has been studied in detail in this work: the transition between the Archean-Palaeoproterozoic São Francisco-Congo Cráton and the Neoproterozoic Araçuaí Orogen. In  the interval of ca. 730Ma and 480 Ma this area was affected by contrasting magmatic and polyphasic tectonic events. The first, at 730-680 Ma, was related to a N-S
s1 far-field orientations followed  by an E-W extensional event, when important syenitic massifs intruded mainly the cratonic area, and when probabally the opening of the Rio Pardo Basin was initiated, and the Itabuna-Itajú do Colônia, IICSZ and the Potiraguá, PSZ shear zones started to nucleate. The second, at 620-570 Ma, represented the main orogen-craton collisional phase, with N-S and E-W compressions, when many calc-alkaline granitic rocks were produced in the orogenic area,  while in the cratonic area IICSZ and PSZ were wholly developed. During the third  extensional deformation, at 550-480 Ma, again with N-S and E-W orientations, an orogen collapse took place, in which several intra-orogenic leucogranitic bodies, displaying S-type signatures, have been emplaced, and intra-cratonic alkaline felsic and mafic dyke swarms were produced.

 

Palavras-chave: zonas de cisalhamento, deformação polifásica, campos de tensão, Interface cráton-orógeno

                                                                                                       

INTRODUÇÃO

A região situada nas proximidades da interface tectônica Cráton do São Francisco/Orógeno Araçuaí, no Estado da Bahia, passou por uma intensa atividade tectônica durante o Neoproterozóico. Os principais conjuntos lito-tectônicos locais são (Fig1A): O Orógeno Itabuna-Salvador-Curaçá, OISC, dominado localmente por rochas granulíticas paleoproterozóicas, o Orógeno Araçuaí - OA, composto por litotipos gnaisse-migmatíticos da fácies anfibolito neoproterozóicos, a Bacia metassedimentar do Rio Pardo - BRP, com componentes líticos meso-neoproterozóicos, a Província Alcalina do Sul da Bahia – PASB composta por corpos sieníticos super a subsaturados e por potentes enxames de dique alcalinos máficos e félsicos neoproterozóicos e pelas zonas de cisalhamento de Itabuna-Itajú do Colônia e de Potiraguá, ZCIIC e ZCP, respectivamente.

A partir da associação dos dados geocronológicos atualmente disponíveis, com um detalhado trabalho de campo visando o estudo das principais estruturas regionais e locais e a obtenção dos campos de tensão geradores dessas estruturas, tornou-se possível contar a história geológica local e identificar a complexidade evolutiva polifásica em uma zona que contrapõe um cráton a um orógeno, durante o Neoproterozóico.

 

GEOLOGIA REGIONAL

A luz dos dados geológicos atuais as zonas de cisalhamento de Itabuna-Itajú do Colônia - ZCIIC e de Potiraguá – ZCP atuaram como um par conjugado que resultou da colisão do orógeno Brasiliano-Panafricano Araçuaí com o Cráton Arqueano-Paleoproterozóico do São Francisco, durante o Neoproterozóico. Ambas as zonas de cisalhamento afetam granulitos máficos a intermediários orientados N10o do OISC, gnaisses e migmatitos da fácies anfibolito, orientados de N90o a N140o no Orógeno Araçuaí e as unidades metassedimentares meso-neoproterozóicas do Grupo Rio Pardo. Três eventos de atividades magmáticas principais são conhecidos na área estudada (Corrêa-Gomes 2000, Pedrosa-Soares et al. 2001, Corrêa-Gomes & Oliveira 2002): A primeira fase esteve relacionada a uma extensão pré-colisional que teria ocorrido entre 730-650 Ma, durante a qual houve a colocação de vários corpos sieníticos e a primeira geração de diques alcalinos félsicos na área cratônica. Esse evento foi seguido pela intrusão de corpos graníticos na região do orógeno durante o estágio principal da colisão com o Cráton, entre 625-570 Ma. A evolução magmática foi concluída entre 550-480 Ma com a colocação de inúmeros corpos filonianos alcalinos máficos durante a fase principal distensional intracratônica. Como será visto mais adiante, o intervalo de 730-480 Ma compartimenta temporalmente as atividades tectônicas ligadas às áreas de influência das ZCIIC e ZCP no Neoproterozóico (Pedrosa-Soares et al. 1999, 2001, Corrêa-Gomes 2000, Corrêa-Gomes & Oliveira 2002). Apesar de todo esse conhecimento, muito pouco se sabe, atualmente, sobre as orientações dos campos remotos de tensão nessas áreas durante a atuação desses eventos tectônicos.

De sul para norte, a ZCP, orientada N140o, encontra-se situada exatamente na interface tectônica Cráton do São Francisco/Orógeno Araçuaí (Almeida 1977; 1978) enquanto que a ZCIIC, orientada N45o, se prolonga dessa interface cráton adentro. A luz dos dados atuais, duas fases tectônicas principais regionais são usualmente reportadas:

- a primeira fase foi compressional e esteve associada à colisão orógeno-cráton que resultou em uma vergência tectônica de S para N. A atuação dessa fase na ZCP foi dominantemente dúctil refletida na geração de foliações N90o a N140o gnáissicas e miloníticas pouco inclinadas com lineações de estiramento dip-slip de baixo ângulo normalmente com cinemática reversa com leve componente dextral. Na ZCIIC, mesmo nessa fase tectônica, o caráter deformacional rúptil predominou sendo bem marcado por falhas e fraturas transpressivas sinistrais com menor componente reversa.

-          a segunda fase foi distensional, muito provavelmente relacionada ao relaxamento compressional do orógeno, sendo até hoje ainda pouco entendida. Na ZCP essa fase aparece marcada na presença de falhas e fraturas subverticais transextensivas que foram produzidas em diversos sets (Corrêa-Gomes et al. 1998): (i) N140o, com mergulhos para SW; (ii) N90o com mergulhos para S, e (iii) N45o, com mergulhos para NW. Na ZCIIC a segunda fase tectônica foi caracterizada por transextensões dextrais (Arcanjo 1993; Corrêa-Gomes et al. 1998). Em ambas as zonas de cisalhamento os planos de falhas e fraturas apresentam mergulhos maior que 70o. Em 83 % dos planos medidos as estrias de deslizamento apresentam caimento menor que 30o e degraus com inclinações maior que70o.

 

GEOCRONOLOGIA E TECTÔNICA

Uma grande quantidade de idades radiométricas pode ser encontrada para a área estudada através dos trabalhos de Teixeira et al. (1997), Corrêa-Gomes (2000), Corrêa-Gomes & Oliveira (2002) e Rosa et al. (2003). Esses dados em conjunto com aqueles observados em Pedrosa-Soares et al. (2001) para o interior do Orógeno Araçuaí, permitem esboçar uma idéia evolutiva temporal mais apurada da região em questão. Os dados geocronológicos associados com o estudo em detalhe, em centenas de afloramentos, de estruturas e campos de tensão geradores, revelou uma história evolutiva um pouco mais complexa do que se imaginava anteriormente que pode ser contada em três fases:

- a 1a fase distensional, anorogênica (Fig.1B). Ao que tudo indica, períodos distensionais importantes ocorreram pré-colisão, em 732± 3Ma (idade Pb/Pb, Corrêa-Gomes 2000, Corrêa-Gomes & Oliveira 2002), com a colocação do Sienito de Potiraguá e para o Sienito de Ibicaraí por volta de 696 ± 11 Ma, 688 ± 10 Ma e 688 ± 2Ma e dique ilmenita-sienítico de Potiraguá, 676 ±15 Ma (todas idades Pb/Pb, Corrêa Gomes 2000, Corrêa-Gomes & Oliveira 2002, Rosa et al. 2003) e Sienito de Itabuna 676 ± 5Ma (idade U/P, Teixeira et al. 1997). É importante lembrar que os eixos maiores desses corpos sieníticos estão orientados N-S (Sienito de Potiraguá) e E-W (Sienitos de Ibicaraí e Itabuna) indicam as orientações do tensor máximo (s1) do campo remoto de tensão regional durante suas colocações. Além disso, os Sienitos de Ibicaraí e Itabuna apresentam “narizes” que claramente parasitam lineamentos estruturais N45o indicando que a ZCIIC já começava a ser nucleada naquela época. Outra forte candidata à participação durante o período distensional é a Bacia de Grupo Rio Pardo que teria inicialmente se formado como uma bacia extensional e evoluiu para uma bacia do tipo foreland (Dominguez 1993, Pedreira 1996) marcada por inúmeros falhamentos reversos durante a colisão do orógeno com o cráton.

- a 2a fase compressional, orogênica (Fig.1C). Seguindo esses períodos extensionais dois importantes eventos compressionais aconteceram, que podem ser denunciados de inúmeras maneiras: (i) pela intensa granitogênese dentro do Orógeno Araçuaí entre 625 Ma e 570 Ma (idades Pb/Pb, U/Pb e Rb/Sr, Pedrosa-Soares et al. 2001), (ii) e, dentro das ZCIIC e ZCP, onde a análise de marcadores cinemáticos em planos de falhas e fraturas reversas e transpressivas revelou orientações obtidas por métodos de inversão do s1 do campo remoto inicialmente N-S e depois E-W e (iii) No Sienito de Potiraguá, onde a compressão N-S gerou dentro desse corpo foliações miloníticas e dobras assimétricas com cinemática reversa e vergência tectônica de S para N.

– a 3a fase extensional, anorogênica (Fig.1D). O período pós-colisional teria acontecido entre 550 Ma e 500 Ma e, mais uma vez, duas orientações do s1 do campo remoto puderam ser identificadas (Corrêa-Gomes 2000, Corrêa Gomes & Oliveira 2002): (i) uma N-S na qual foram colocados majoritariamente diques alcalinos félsicos, um deles datado Pb/Pb com idade 551 ± 36Ma e Ar/Ar entre 570 Ma e 473 Ma; esses diques preencheram principalmente fraturas T (extensionais, N10o-20o), A (alívio, N90o-100o) e Y (paralelas a ZC principal, N40o-50o) e (ii) outra E-W, na qual foram colocados diques alcalinos máficos com idade Ar/Ar de 506± 9 podendo evoluir até 480Ma a julgar pelo acervo de idades Ar/Ar da área; esses diques preencheram fraturas Y (N40o-50o) e T (N90o-100o).

Como pode ser notado, as regiões cratônica e orogênica apresentam histórias de magmatismo e deformação distintos, porém com atuações e orientações de campos de tensão idênticos. Enquanto no cráton dominou a deformação rúptil e o magmatismo alcalino, no orógeno dominaram a deformação dúctil e o magmatismo granítico cálcio-alcalino e leucogranítico. Além disso, o critério intensidade, de deformação não deve ser considerado com crucial para separar os corpos ígneos por idade. Com efeito, enquanto o Sienito de Potiraguá se encontra bastante deformado, os Sienitos de Ibicaraí e de Itabuna apresentam zonas onde as feições magmáticas se encontram perfeitamente preservadas enquanto que, em outras zonas, faixas miloníticas ou com elevado grau de fraturamento podem ser observadas (características de deformações com gradiente e/ou descontinuas). Portanto, o grau de deformação dependerá tanto da idade do corpo quanto da posição que o mesmo ocupa no ambiente tectônico orógeno-cráton. Seja como for a zona de transição entre o Cráton e o orógeno mostrou ser uma região: (i) de elevada complexidade tectônica polifásica devido à convergência de esforços concentrados no local e (ii) de fortes contrastes em termos de respostas mecânicas crustais e de manifestações magmáticas associadas aos diferentes ambientes geodinâmicos.


 

Figura 1. (A) Localização da área estudada no limite Cráton do São Francisco/Orógeno Araçuaí (inset superior esquerdo) e síntese do quadro geológico da região de influência das zonas de cisalhamento de Itabuna-Itajú do Colônia, ZCIIC, e de Potiraguá, ZCP, no SSE do Estado da Bahia (modificado de Corrêa-Gomes 2000). Em (B) orientações dos tensores mínimos principais, setas cinzas, na primeira fase, disxtensional  anorogênica, durante o Neoproterozóico (730 Ma a 680 Ma); em (C) orientações dos tensores máximos principais, setas negras, relacionados à segunda fase, compressional orogênica, entre 620 Ma e 580 Ma e em (D) orientações dos tensores mínimos principais, setas cinzas, durante a terceira fase, extensional anorogênica, entre 550 Ma e 480 Ma. Para maiores detalhes ver o texto.



 







REFERÊNCIAS

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Almeida, F. F. M. 1978. A Faixa de Dobramentos Araçuaí na Região do Rio Pardo. XXX Congresso Brasileiro de Geologia, Anais, Recife –PE, 1, 270-283.

Arcanjo, J. B. A. 1993. Folha de Itabuna SD.24.Y.B.VI, Estado da Bahia, escala 1:100.000. DNPM/CPRM, inédito.

Corrêa-Gomes, L. C. 2000. Evolução dinâmica da Zona de Cisalhamento Neoproterozóica de Itabuna-Itajú do Colônia e do magmatismo fissural alcalino associado (SSE do Estado da Bahia, Brasil). Tese de doutorado, Instituto de Geociências- Universidade Estadual de Campinas, São Paulo. 239p.

Corrêa-Gomes, L.C. & Oliveira, E.P. de 2002. Geocronologia Pb-Pb, Sm- Nd e Ar/Ar de corpos plutônicos das Zonas de Cisalhamento neoproterozóicas de Potiraguá e Itabuna-Itajú do Colônia, SSE Bahia, Brasil: contribuição ao entendimento da evolução tectônica no limite Orógeno Araçuaí / Cráton do São Francisco. Revista Brasileira de Geociências, 32, 185-196.

Corrêa-Gomes, L. C.; Oliveira , E. P. de; Barbosa, J. S. F.; Silva, P. C. F. 1998b. Tectônica associada à colocação de diques alcalinos félsicos e máficos neoproterozóicos na Zona de Cisalhamento de Itabuna-Itajú do Colônia, Bahia, Brasil. Revista Brasileira de Geociências, 28, 497-508.

Dominguez, J.M.L. 1993. As coberturas do Cráton do São Francisco: uma abordagem do ponto de vista de análise de bacias. In: Dominguez, J.M.L., Misi, A. (eds.) O Cráton do São Francisco: trabalhos apresentados na reunião preparatória do II Simpósio sobre o Cráton do São Francisco, Salvador, Bahia, SBG.:137-159.

Pedreira, A.J. 1996. Geologia e recursos minerais da bacia metassedimentar do rio Pardo, Bahia. Série Arquivos abertos; 11, Salvador, Bahia, CBPM, 18p.

Pedrosa-Soares, A.C.; Noce, C.M.; Wiedemann, C.M.; Pinto, C.P. 2001. The Araçuaí-West Congo Orogen in Brazil: an overview of a confined orogen formed during Gondwanaland assembly. Precambrian Research, 110: 307-323.

Rosa, M.L.S.; Conceição, H.; Macambira, M.J.B.; Marinho, M.M.; Marques, L.S. 2003. Idade (Pb-Pb) e aspectos petrográficos e litogeoquímicos do complexo alcalino Floresta Azul, sul do estado da Bahia. Revista Brasileira de Geociências, 33, 1: 13-20.

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