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ST3 - 17


MAGMATISMOS SHOSHONÍTICO E ULTRAPOTÁSSICO DO NÚCLEO SERRINHA:
EVIDÊNCIAS GEOQUÍMICAS E ISOTÓPICAS DE UM MANTO

METASSOMATIZADO NO ARQUEANO

 

 

Plá Cid, J.; Rios, D.C.; Rosa, M.L.S.; Conceição, H.

 

Laboratório de Petrologia Aplicada à Pesquisa Mineral. Instituto de Geociências, UFBA.

Rua Caetano Moura 123, Campus de Ondina. 40210-350. Salvador – BA, Brasil.

jorge.pla@bol.com.br, debora@cpgg.ufba.br, lourdes@cpgg.ufba.br, herbet@ufba.br

  

 

ABSTRACT

At the Serrinha Nucleus, northeastern part of Bahia State, the Palaeoproterozoic alkaline magmatism is represented by shoshonitic and ultrapotassic suites of rocks, including monzonites, syenites and lamprophyres. These magmas present similar geochemistry and ages, and their source are considered to be a metassomatic mantle subduction related. The isotopic data suggest a distinct period for their extraction.  It is suggested, from petrographical and geochemical data, that shoshonitic rocks were produced by a melting event at a mantle-wedge, while ultrapotassic magmas were generated during a second stage, when the mantle wedge experienced more pronounced metassomatism by progressive dehydratation from the subducted slab.

 

Keywords: Serrinha Nucleus, Bahia, ultrapotassic, shoshonitic

 

 


INTRODUÇÃO

O Núcleo Serrinha (NSer) é uma mega-estrutura ovalar com mais de 21.000 km2, que representa um dos três núcleos arqueanos que constituem o embasamento do Craton do São Francisco no Estado da Bahia.

Os dados químicos de rocha total, bem como as paragenesis minerais, permitem correlacionar as suítes aqui apresentadas com as séries shoshosnítica e ultrapotássica, seguindo os critérios adotados por Morrison (1980) e Foley et al (1987), respectivamente.

No NSer, a idade U-Pb do magmatismo shoshonítico situa-se entre 2,10 Ma e 2,07 Ma, com 87Sr/86Srinicial variando 0,703-0,705, eNd de -2 até -8, e TDM entre 2,9-2,8 Ga (Rios, 2002). O intervalo de idade para o magmatismo ultrapotássico situa-se também entre 2,10 Ma e 2,07 Ma, tendo 87Sr/86Srinicial compreendida entre 0,702-0,704, eNd de -2 até -4 e TDM 2,6 Ga (Rios, 2002). Estes dados indicam fonte mantélica enriquecida arqueana para estes magmatismos, identificando dois períodos distintos para suas extrações, sendo a fusão responsável pela geração dos magmas shoshoníticos mais antiga que os ultrapotássicos.

 

GEOLOGIA DE CAMPO, ASPECTOS PETROGRÁFICOS E MINERALÓGICOS

No NSer, o magmatismo shoshonítico é representado pelas intrusões de Itareru, Cansanção, Euclides e Araras, enquanto que o magmatismo ultrapotássico é constituído pelos stocks sieníticos de Morro do Afonso, Agulhas, Bananas e Pintadas (detalhes em Rios, 2002). Os dois conjuntos de intrusões são paleoproterozóicas. Tanto as intrusões ultrapotássicas, como as shoshoníticas, são compostas por corpos de dimensões reduzidas, sendo o maior deles Itareru com cerca de 100 km2. Além disso, as intrusões shoshoníticas são normalmente maiores que as ultrapotássicas. No mais, existem semelhanças entre as rochas de ambas as associações, pois todas elas apresentam-se sem deformação e as orientações existentes em cristais e enclaves máficos são controladas pelo fluxo magmático. Deformações no estado sólido são localizadas e traduzem-se por faixas centimétricas de cisalhamento. Alguma gnaissificação pode ser observada nas regiões de contato (p. ex. Euclides), refletindo a colocação de magma parcialmente cristalizado, e não a atuação de evento tectono-metamórfico posterior.

O magmatismo shoshonítico é formado por uma gama de rochas, que variam desde os dioritos até os monzogranitos, passando pelos termos intermediários como monzonitos e quartzo-monzonitos. Além disso, exibem evidências de associação com magmas máficos, como atestam a grande quantidade de enclaves presentes nestes corpos. Diversos enclaves máficos apresentam elevadas quantidades modais de mica e anfibólio, e por não demonstrarem as características esperadas para enclaves máficos microgranulares, uma possível contaminação química de OH-, F, K, Al, P e Ti pelas encaixantes parece descartada.

O magmatismo ultrapotássico é formado por sienitos, quartzo-sienitos álcali-feldspato sienitos, álcali-feldspato granitos e lamprófiros. Na intrusão de Morro do Afonso observa-se a intensa associação de lamprófiros com sienitos, podendo ocorrer na forma diques e enclaves (Conceição et al., 1995). Alguns diques chegam a alcançar até cem metros de largura e quinhentos metros de comprimento. Em todos os corpos são observados níveis ultramáficos, constituídos por clinopiroxênio, anfibólio, mica e apatita, que acompanham as foliações magmáticas, evidenciando segregação de minerais precoces durante a cristalização, acumulados pelo fluxo magmático. Embora feições de acumulações félsicas e máficas sejam comuns nestas intrusões, a composição química dos corpos reflete a cristalização a partir de magmas intermediários. Enclaves máficos são presentes em volume inferior ao encontrado nas rochas shoshoníticas, e suas composições são compatíveis com a dos minerais máficos precoces dos sienitos ou lamprófiros.

 

GEOQUÍMICA

Na tabela tetros  2002)8 Ga.tado da Bahia. embasamento do Cr que representa um dos trem-se análises químicas representativas dos magmatismos shoshonítico e ultrapotássico do NSer.


 

 

Maciço

Morro do Afonso

Bananas

Agulhas

Pintadas

Cansanção

Itareru

Araras

Euclides

Natureza

Ultrapotássica

Shoshonítica

SiO2

56,60

62,10

61,40

64,10

62,20

56,10

62,70

59,10

TiO2

0,78

0,80

1,00

0,75

0,53

0,83

1,50

1,90

Al2O3

14,90

14,20

14,10

13,50

14,40

15,90

15,00

14,00

Fe2O3

3,60

1,00

1,70

1,70

1,90

2,90

4,00

4,60

FeO

3,40

4,30

3,30

3,00

2,90

4,00

2,30

3,70

MnO

0,13

0,14

0,58

0,13

0,12

0,11

0,07

0,09

MgO

3,30

2,10

2,30

1,90

3,50

4,20

1,80

2,00

CaO

4,50

2,80

3,00

2,30

4,10

6,00

3,70

4,40

Na2O

4,30

2,80

3,50

3,50

4,20

3,90

3,40

3,00

K2O

6,20

7,40

7,30

6,90

4,70

3,10

4,30

3,80

P2O5

0,64

0,53

0,70

0,47

0,46

0,57

0,67

0,94

In. Agp.

0,92

0,89

0,97

0,98

0,83

0,61

0,68

0,65

Álcalis

10,50

10,20

10,80

10,40

8,90

7,00

7,70

6,80

K2O/Na2O

1,44

2,64

2,09

1,97

1,12

0,79

1,26

1,27

mg#

0,49

0,33

0,41

0,39

0,55

0,51

0,44

0,35

Nb

11

22

30

19

22

12

43

62

Y

30

42

37

30

30

30

16

47

Zr

568

578

646

662

377

255

711

1133

Rb

195

239

230

177

147

107

127

148

Sr

1623

1243

1180

1276

1767

1011

1177

1111

Ba

4023

4685

5100

5000

2675

1858

4439

4175

Th

40

5

41

6

22

11

51

107

Hf

12

12

11

12

n.d

n.d.

15

21

Cr

100

68

122

57

161

198

n.d.

n.d.

Ni

59

26

47

21

52

39

n.d.

n.d.

La

100,30

146,58

 

134,08

300,74

 

304,80

680,00

Ce

226,50

297,39

 

263,26

221,14

 

426,50

1200,00

Nd

98,57

145,06

 

120,96

103,42

 

125,50

370,00

Sm

16,77

24,24

 

19,25

17,55

 

24,81

45,00

Eu

3,53

4,66

 

4,37

3,63

 

4,40

9,40

Gd

10,86

15,27

 

11,89

11,06

 

15,32

45,00

Dy

7,10

9,58

 

6,81

6,39

 

6,95

12,00

Ho

1,23

1,41

 

0,93

0,88

 

1,36

2,00

Er

2,81

3,79

 

2,62

2,35

 

2,78

6,10

Yb

1,85

2,81

 

1,65

1,59

 

1,96

3,50

Lu

0,29

0,42

 

0,23

0,23

 

0,26

0,62

 

Tabela. Análises químicas representativas das suítes das séries shoshoníticas e ultrapotássicas do Núcleo Serrinha.

 


Estas rochas, com base no diagrama TAS, situam-se no campo das rochas alcalinas saturadas em sílica. No magmatismo ultrapotássico as rochas apresentam conteúdos de álcalis que chegam a 11,5 %, contra o máximo de 10 % presente nas rochas shoshoníticas. Ambas as suítes magmáticas são formadas por termos metaluminosos, com ausência de Co e Ac normativos, embora as rochas ultrapotássicas estejam mais próximas ao limite com o campo peralcalino. A razão K2O/Na2O das rochas ultrapotássicas é usualmente acima de 2 e nas rochas shoshoníticas ela é próxima da unidade. A variação dos conteúdos de CaO, MgO e #mg, usando a SiO2 com índice de diferenciação, apontam para um fracionamento dominado pelos minerais ferromagnesianos (diopsídio e mica) e plagioclásio no caso das shoshoníticas. Estas rochas, para conteúdos similares de sílica, apresentam mais altos valores de CaO e MgO do que as ultrapotássicas. As rochas de ambas as séries também apresentam altos conteúdos de P2O5, que evolui de forma compatível com a diferenciação, indicando o fracionamento de apatita.

As concentrações de elementos-traço compatíveis (Cr e Ni) são apenas moderadas em ambos os grupos, com as rochas máficas shoshoníticas apresentando valores ligeiramente superiores aos lamprófiros ultrapotássicos (Tabela). Isto está em acordo com as maiores concentrações de MgO das rochas shoshoníticas, o que possivelmente reflete maior contribuição da fonte em minerais como clinopiroxênio para originar o magma primário das rochas desta série. Por outro lado, os valores moderados a baixos destes elementos pressupõem ausência de olivina na fonte. As rochas shoshoníticas e ultrapotássicas apresentam concentrações elevadas de elementos do tipo LIL, como Ba e Sr, e moderados a altos de Rb (Tabela), que aliados aos altos conteúdos de K, apontam para fontes enriquecidas em mica. As mais altas concentrações de Rb, assim com K, presentes nas rochas ultrapotássicas, sugerem uma maior contribuição de flogopita na fonte durante a geração do magma primário das rochas desta série. Os ETRL apresentam-se fortemente enriquecidos nos dois grupos de rochas, com fatores de enriquecimento de até 1000 com relação ao condrito, e razões (Ce/Yb)N normalmente acima de 40. Além disso, tanto as rochas shoshoníticas, quanto as ultrapotássicas, mostram empobrecimento em elementos como Nb, Ta, Hf, Y, o quê, aliado às demais características citadas para os elementos-traço indicam uma fonte mantélica anômala, possivelmente afetada por uma subducção que seria a responsável pelo metassomatismo mantélico, pelo enriquecimento em K, LIL, ETRL e pelo empobrecimento em elementos compatíveis e HFS. De fato, os spidergrams destas rochas, quando comparados com rochas sieníticas e lamprofíricas de regiões onde se admite um manto metassomatizado por desidratação e/ou fusão de uma placa subductada (Thompson & Fowler, 1986; Leat et al., 1988; Corriveau & Gorton, 1993), apresentam uma semelhança absoluta. O que parece distinguir as rochas shoshoníticas das ultrapotássicas é a extensão do metassomatismo que afetou o manto e a época do evento de fusão parcial que gerou os magmas primários. Os dados geoquímicos indicam que os magmas shoshoníticos são produto do fracionamento a partir de um magma primário provindo de uma fonte menos modificada (mais elevado Mg, Cr, Ni, e menor enriquecimento em K, Rb e ETRL), que a relacionada aos magmas ultrapotássicos.        

      

CONCLUSÕES

As associações magmáticas de afinidade shoshonítica e ultrapotássica do NSer apresentam entre si inúmeras similaridades, sobretudo do ponto de vista geoquímico. Elas são constituídas por rochas da Série Alcalina saturada em sílica, onde destacam as elevadas concentrações de K, P, Rb, Ba, Sr e ETRL, e o empobrecimento em Nb, Ta, Hf, Y e ETRP. Os dados geoquímicos demonstram que estas rochas foram geradas por fusão de manto de composição anômala, enriquecido previamente pelo efeito da desidratação e/ou fusão de uma placa subductada. Estes dados igualmente apontam para diferenças entre as proporções minerais da fonte mantélica que deram origem aos magmas parentais shoshoníticos e ultrapotássicos. Enquanto os primeiros apresentam características que demonstram maior participação na fusão de clinopiroxênio, o magma parental ultrapotássico foi produzido a partir de uma fonte com maior contribuição de flogopita. Desta forma, isto sugere que as rochas potássicas são derivadas de um manto possivelmente afetado com maior intensidade pelos fluidos e/ou magmas da placa oceânica. Os dados de TDM mostram que o magma parental shoshonítico foi gerado em torno de 2,9-2,8 Ga, anteriormente ao determinado para o ultrapotássico que é de 2,6 Ga. Estes dados apontam para uma possível subducção no Arqueano responsável por estes magmatismos no Núcleo Serrinha, e sugerem que os magmas shoshoníticos foram gerados quando o metassomatismo do manto era menos evoluído quando comparado ao responsável pela produção dos magmas ultrapotássicos.    

 

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer à FAPESB, no âmbito do PRODOC, ao CNPq, e ao PRONEX. Esta é a contribuição de número 191 do GPA.    

 

REFERÊNCIAS

Conceição, H.; Rios D.C.; Rosa M.L.S. 1995. Petrologia da Associação Sienito-Lamprófiro: Caso da Intrusão de Morro do Afonso (Greenstone Belt do Rio Itapicuru, Bahia). Geochim. Brasil. 9:91-109.

Corriveau, L. & Gorton, M.P. 1993. Coexisting K-rich alkaline and shoshonitic magmatism of arc affinities in the Proterozoic: a ressessment of syenitic stocks in the soutwestern Grenville Province. Contrib. Mineral. Petrol. 113:262-279.

Foley, S.; Venturelli, G.; Green, D.H.; Toscani, L. 1987. The ultrapotassic rocks: characteristics, classification, and constraints for petrogenetic models. Earth Sci. Rev. 24:81-134.

Leat, P.T.; Thompson, R.N.; Morrison, M.A.; Hendry, G.L.; Dickin, A.P. 1988. Silicic magmas derived by fractional crystallization from Miocene minette, Elkhead Mountains, Colorado. Mineral. Mag. 52:577-585.

Morrison, G.W. 1980. Characteristics and tectonic setting of the shoshonitic rock association. Lithos 13:97-108.

Rios, D.C. 2002. Granitogênese no Núcleo Serrinha, Bahia, Brasil: Geocronologia e Liteogeoquímica. Doctoral Thesis, CPGG-UFBA (Salvador, Brazil) 239p.

Thompson, R.N. & Fowler, M.B. 1986. Subduction-related shoshonitic and ultrapotassic magmatism: a study os Siluro-Ordovician syenites from the Scottish Caledonides. Contrib. Mineral. Petrol. 94:507-522.