INDEX
ST3 - 05


LITOGEOQUÍMICA DO MAGMATISMO CÁLCIO-ALCALINO PALEO-PROPROTEROZÓICO NA PORÇÃO CENTRO-SUL DO

NÚCLEO SERRINHA (LESTE DA BAHIA)

 

 

Cruz Filho, B.E.1; Rios, D.C.1; Conceição, H.1; Rosa, M.L.S.1; Marinho, M.M.2

 

1  Laboratório de Petrologia Aplicada à Pesquisa Mineral – IGEO/UFBA, Rua Caetano Moura, 123, Ondina. 40210-340, Salvador-Bahia, Brasil. basilio@ufba.br, debora@cpgg.ufba.br, herbet@ufba.br, lourdes@cpgg.ufba.br

2  Companhia Baiana de Pesquisa Mineral, 4a Av. CAB, 41745-000, Salvador-Bahia, Brasil. cbpmdt@cbpm.com.br

 

ABSTRACT 

In the central part of Serrinha Nucleus, a Archaean-Paleoproterozoic segment of the São Francisco Cráton at the eastern of the Bahia State, occurs Paleoproterozoic calc alkaline granitoid rocks (2.16-2.13 Ga) intrusive in the gneissic-migmatitic Archaean- Paleoproterozoic basement and in the Paleoproterozoic volcano sedimentary sequences of the Rio Itapicuru Greenstone Belt, interpreted as syn-kinematics the closure of the Rio Itapicuru Basin (2.2-2.1 Ga). Whole-rock chemical data display that the calc-alkaline granitoids are metaluminous to weakly peralumious and that theses rocks forming part of two distinct plutonic suites that are difficult to differentiate in the field: (1) an suite dominated by tonalites and trondhjemites (Group I); (2) and a tonalite-trondhjemite-granite suite (Group II). The Group I sub-suite rocks are marked by high Al2O3 and Sr values,  high Sr/Y ratios and strongly fractionated chondrite-normalized rare earth element (REE) patterns, with no distinct Eu anomaly. These geochemical characteristics are typical of Archaean TTG (Tonalite, Trondhjemite and Granodiorite) and indicate that they were produced by partial melting of subducting slabs or partial melting of arc mafic magmas underplated in overthickened mafic lower crust. The Group II sub-suite displays higher LREE contents shows low-Al2O3 (plagioclase retaining Al in the residue), low Sr, small to no fractionation of HREE (flat REE spectra) with distinct negative Eu anomalies. This suggests that the Group II may have been derived from magmas formed by melting of basaltic or amphibolitic rocks at moderades pressures by partial melting of newly underplated basaltic crust.

 

Palavras-chave: Núcleo Serrinha, magmatismo cálcio-alcalino, litogeoquímica

 

 


INTRODUÇÃO

O setor centro-sul do Núcleo Serrinha (NSer; entidade arqueana do Cráton do São Francisco), leste do Estado da Bahia (Fig. 1A), é formado por um embasamento gnáissico-migmatítico arqueano com presença de enclaves gabróicos, associações básico-ultrabásicas e domos granítico-granodioríticos (e.g. maciços de Ambrósio, Pedra Alta, Araci) com idades compreendidas entre 3,1 e 2,8 Ga (Rios et al., 2003) (Fig. 1B). Sobre este embasamento repousa a seqüência vulcanossedimentar paleoproterozóica (2,2-2,0 Ga) do Greenstone Belt do Rio Itapicuru (GBRI) formado na base por metabasaltos toleiíticos, seguidos por metavulcanitos félsicos (andesitos, dacitos e tufos) cálcio-alcalinos e sedimentos clásticos no topo (Silva, 1996). Intrusivo no embasamento e no GBRI ocorre um volumoso magmatismo granítico paleoproterozóico reunido por Rios et al. (2003) em dois episódios distintos.

O primeiro, de idade entre 2,16-2,13 Ga, apresenta natureza cálcio-alcalina e é constituído por nove maciços: Eficéas, Lagoa dos Bois, Quinjingue, Trilhado, Cipó, Teofilândia, Barrocas, Nordestina, e Queimadas. Suas composições são, em geral, tonalítico-granodioríticas a granítico-granodioríticas (Rios, 2002). Estes corpos têm forma alongada segundo a direção NWN-SSE e caracterizam-se pela presença de bordas gnaissificadas que gradam para centros isotrópicos. Esta estruturação é interpretada como resultante de uma colocação sincrônica ao fechamento da Bacia Itapicuru (Alves da Silva, 1994).

O segundo episódio magmático paleo-proterozóico (2,10-2,07 Ga) no NSer apresenta assinatura alcalina, sendo composto por sienitos potássicos associados à lamprófiros ultrapotássicos, monzonitos shoshoníticos e granitos potássicos peraluminosos, que representam a expressão final do magmatismo no NSer (Rios et al., 2003).

Existem atualmente diferentes modelos para explicar a evolução tectono-estrutural e magmática paleoproterozóica deste setor do NSer [e.g., bacia back-arc ensiálica moderna de Silva (1996); ou sistema de rifte de Alves da Silva (1994)].

O presente trabalho visa caracterizar o magmatismo cálcio-alcalino paleoproterozóico no NSer, e assim contribuir para uma melhor interpretação da estratigrafia granitogênica e da ambiência tectônica deste setor antigo do Estado da Bahia.

 

 

Figura 1. (A) Estruturação dos terrenos do embasamento do Cráton São Francisco no Estado da Bahia para o período Paleoproterozóico com limites modificados por Conceição (1990)]. (B) Mapa geológico simplificado do setor centro-sul do NSer apresentando a proposta de sucessão estratigráfica de Rios et al. (2003) para a granitogênese. Legenda: 1. Cidades; 2. Falhas de empurrão; 3. Coberturas; 4. Granitos potássicos peraluminosos; 5. Sienitos e lamprófiros ultrapotássicos; 6. Monzonitos shoshoníticos; 7. Granitos cálcio-alcalinos (1. Eficéas, 2. Trilhado, 3. Lagoa dos Bois, 4. Nordestina, 5. Quijingue, 6. Barrocas, 7. Teofilândia, 8. Cipó); 8. GBRI; 9. Anfibolitos; 10. Magmatismo Arqueano: [9. Araci, 10. Ambrósio, 11. Pedra Alta, 12. Requeijão]; 11. Embasamento gnáissico-migmatítico; 12. Cinturão Móvel Salvador-Curaçá.

CARACTERÍSTICAS GEOQUÍMICAS

Os dados litogeoquímicos discutidos neste trabalho são provenientes de Rios (2002; Barrocas [Bar], Lagoa dos Bois [LB], Trilhado [Thl], Queimadas [Qm], Quijingue [Qj], Teofilândia [Tf], Eficéas [Ef], Cipó [Cp]) e de Cruz Filho (2004; Batólito Nordestina [BN]). No diagrama normativo triangular An-Ab-Or de O`Connor (1965) as rochas do BN, Bar, Tf, Thl e Qm classificam-se como tonalitos e trondhjemitos (Grupo I), enquanto que as de LB e Ef plotam no campo tonalítico, atravessam o campo trondhjemítico, e estendem-se ao campo granítico, constituindo uma associação tonalito-trondhjemito-granito (Grupo II). A amostra de Qj cai no domínio granodiorítico e a de Cp no granítico. No diagrama catiônico K-Na-Ca (Barker & Arth, 1976) as amostras do Grupo I não definem nenhum trend específico, ocorrendo espalhadas na extremidade mais evoluída da linha trondhjemítica, e superpondo-se ao campo delimitado por Martin (1994) para as rochas Tonalíticas-Trondhjemíticas-Granodioríticas (TTGs) arqueanas. Contudo, as rochas do Grupo II, ainda que seus termos menos evoluídos plotem parcialmente nesse campo, descrevem uma evolução paralela à linha cálcio-alcalina clássica, porém deslocada em direção ao pólo sódico. Este tipo de trend tem sido reportado na literatura para os gnaisses arqueanos (3,0-2,8 Ga) da região de Nuuk (Oeste da Groelândia; McGregor, 1979) e para a associação tonalito-trondhjemito-granito (TTGr) neoproterozóica (~ 800 Ma) da região de Birban (Oeste da Etiópia; Wolde & Team, 1996). Os corpos de Qj e Cp também mostram uma afinidade cálcio-alcalina clássica.

As rochas do Grupo I são menos silicosas e mostram uma faixa composicional mais estreita (68 < SiO2 < 74%) quando comparadas com as do Grupo II (68 < SiO2 < 77%). Uma amostra de LB, correspondendo a uma fácies mais máfica, tem conteúdo de SiO2 ainda mais baixo (63,44%). Os termos menos diferenciados dos Grupos I e II apresentam Mg# entre 0,51-0,37 e 0,37-0,23, respectivamente. Ambos os grupos são metaluminosos a levemente peraluminosos (Índice de Saturação de Alumínio < 1,1, exceto para as amostras 1579 de Bar, 1570 e 1575 de Tf), entretanto as rochas do Grupo I e as do corpo de Qj  tendem a ser mais enriquecidas em Al2O3 (15-18 %), assim como em Na2O (4-6 %) e mais pobres de K2O (1-2,5 %; baixo a médio-K2O) do que as do Grupo II (Al2O3 = 12-15 %; Na2O = 3-5 %; K2O = 2,3-4,8 %; médio a alto-K2O) e as de Cp em conteúdos similares de SiO2.

Em termos de elementos traços, incluindo os elementos terras raras (ETR), o Grupo I tem baixas razões Rb/Sr (0,06-0,30), altas razões Sr/Y (45-274), moderado a alto Sr (303-1190 ppm) e baixo Y (3-10 ppm). Os padrões de ETR, normalizados pelo condrito, mostram enriquecimento em ETR leves e depleção em ETR pesados [(La/Yb)N = 13 - 74)] e exibem fracas a moderadas anomalias positivas ou negativas em Eu (Eu/Eu*= 0,81 - 1,81). Os espectros de ETR para as diferentes amostras dos corpos deste grupo apresentam geometrias muito próximas. Isto sugere que elas foram geradas através de fonte e mecanismo petrogenético comuns.

Comparativamente, o Grupo II tem altas razões Rb/Sr (0,33-4,18), mais baixas razões de Sr/Y (0,88-37), baixo Sr (39-270 ppm), conteúdos mais altos de Y (6-57 ppm), moderado enriquecimento em ETR leves [(La/Yb)N = 3-12], anomalias negativas de Eu (Eu/Eu*= 0,38-0,90), e padrões planares de ETR pesados [(Gd/Yb)N = 0,7 - 2,19].

 

DISCUSSÕES

Observa-se que as rochas do Grupo I exibem características químicas [Al2O3 > 15% em 70% SiO2, CaO < 4,5 %, Na2O entre 4-5,5%, K2O < 2,5%, Sr > 300 ppm, Y < 18 ppm,  Sr/Y > 40, (La/Yb)N > 12, e ausência de anomalia negativa significativa de Eu] similares às de magmas tonalíticos e trondhjemíticos derivados de fusões de placa oceânica sob condições anfibolíticas a granada ou eclogíticas, como apontado por Drummnond & Defant (1990) ou, mais geralmente, conforme Rapp & Watson (1995), de fusões de protólitos máficos com presença de resíduo com granada e anfibólio/clinopiroxênio, com ou sem plagioclásio, refletindo portanto condições de altas pressões (16-32 Kbar).

Já a associação tonalito-trondhjemito-granito (Grupo II) distingue-se do Grupo I e apresenta aspectos típicos de tonalitos de baixo-Al [Al2O3 < 15% (plagioclásio retido na fonte), Sr < 300 ppm, Y > 18 ppm, Sr/Y < 40, (La/Yb)N < 12 e presença de distintas anomalias negativas de Eu], sendo considerados como produzidos em mais baixas pressões, ou por fracionamento de plagioclásio de magmas derivados do manto, ou por fusão parcial de fontes basálticas em que plagioclásio é uma fase presente no resíduo (Drummond & Defant 1990). A segunda hipótese encontra suporte nos experimentos de Rapp & Watson (1995) realizados em metabasaltos a P = 8-16 Kbar e a T = 1000-1025 ºC, que produziram líquidos graníticos de alto-K (taxa de fusão de ~ 5%) e tronhdhjemíticos de baixo-Al (taxa de fusão ente 5-10%) em equilíbrio  com um resíduo anfibolítico sem e com granada. A faixa de profundidade da fusão parcial sugere que a fonte do Grupo II foi uma crosta basáltica aquecida por um novo underplate máfico.

 

CONCLUSÕES

De acordo com os dados geoquímicos disponíveis, no magmatismo cálcio-alcalino do NSer ocorrem dois grupos de rochas: (a) uma associação trondhjemítica-tonalítica (Grupo I) com assinatura de magma gerado a partir da fusão parcial de um protólito máfico sobre condições de alta pressão e temperatura, condições similares às presentes em processo de subducção ou na base de uma crosta inferior espessada; e (b) uma associação tonalítica-trondhjemítica-granítica (Grupo II) produzida pela fusão parcial de uma fonte basáltica a baixas pressões, deixando um resíduo anfibolítico com ou sem granada. As características isotópicas destes grupos (valores de ISr compatíveis com os do manto superior de mesma idade, valores positivos de épsilon Nd(t) e idades TDM em torno de 2,2 Ga; Mello, 2000; Rios, 2002; Cruz Filho, 2004) indicam que seus magmas parentais se originaram da fusão parcial do manto empobrecido ou, mais provavelmente, de protólitos máficos paleoproterozóicos com pouco (ou nenhum) tempo de residência crustal. Estes dados tornam remota a possibilidade dessas rochas terem origem na crosta inferior pré-existente, a não ser que essa crosta tenha se formado imediatamente antes da geração dos granitóides (crosta juvenil por novo underplate máfico na base da crosta). Situação similar é reportada também para lavas e tufos piroclásticos andesíticos cálcio-alcalinos do Greenstone Belt do Rio Itapicuru por Silva (1996), que fornecem idades TDM entre 2,1 e 2,2 Ga. Neste contexto, caso a hipótese proposta por Alves da Silva (1994) - de que a colocação dos granitos cálcio-alcalinos (no sentido amplo do termo) ocorreu concomitante ao fechamento da bacia do Itapicuru, com subducção de crosta oceânica oblíqua para NW- seja aceita, ela exige que as rochas básicas toleiíticas do GBRI, formadas em 2,2 Ga, sejam o provável protólito dos magmas cálcio-alcalinos paleoproterozóicos do NSer.

 

AGRADECIMENTOS

Esta pesquisa contou com o apoio da Companhia Baiana de Pesquisa Mineral, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, Proc. 521592/97-6), CAPES (BEX 1338-98) e PRONEX-2003 (FAPESB-CNPq). B.E. Cruz Filho (Proc. 151678/2044-9), H. Conceição (Proc. 550483/2002-0) e M.L.S. Rosa (Proc. 381651/2004-5) são pesquisadores CNPq. D.C. Rios é pesquisadora do PRODOC/FAPESB. Esta é a contribuição de número 202 do GPA/UFBA.

REFERÊNCIAS

Alves da Silva, F.C. 1994. Étude Structural do “Greenstone Belt” Paleoproterozoïque du Rio Itapicuru (Bahia Brésil). Tese de Doutorado. Université d'Orleans. France. 307 p.

Barker, F. & Arth, J.G. 1976. Generation of trondhjemitic-tonalitic liquids and Archean bimodal trodhjemite-basalt suites. Geology, 4:596-600.

Conceição, H. 1990. Pétrologie du massif syénitique d'Itiúba: contribution à l'étude minéralogique des roches alcalines dans l'État de Bahia (Brésil). Thése Doct, Université Paris-Sud, Centre d'Orsay-France. 395p.

Cruz Filho, B.E. 2004. Magmatismo Trondhjemítico Paleoproterozóico No Núcleo Serrinha (Leste da Bahia): Batólito Nordestina. Tese de Doutoramento, Instituto de Geociências, Universidade Federal da Bahia, 144 p.

Drummond, M.S. & Defant, M.J. 1990. A model for trondhjemite-tonalite-dacite genesis and crustal growth via slab melting: Archaean to modern comparisons. Journ. of Geoph. Res., 95:21503-21521.

Martin, H. 1994. The Archean grey gneisses and the genesis of the continental crust. In: K.C. Condie (ed.) The Archean Crustal Evolution. Amsterdam, Elsevier, pp. 205-259.

Mello, E.F. 2000. Estudos isotópicos do greenstone belt do Rio Itapicuru, Ba: evolução crustal e metalogenia do ouro. Tese de Doutoramento, Instituto de Geociências, Universidade de Estadual de Campinas, 162 p.

McGregor, V.R. 1979. Archean grey gneisses and the origino f the continental crust: evidence form the Godthab region, West Greenland. In: F. Barker (Editor), Trondhjemites, Dacites and Related Rocks. Elsevier, Amsterdan, pp. 169-204.

O’Connor, J.I. 1965. A classification for quartz-rich igneous rocks based on feldspar ratios. U.S. Geological Survey  Professional Paper, 525-B:79-84.

Rapp, R.P. & Watson, E.B. 1995. Dehydration melting of metabasalts at 8–32 kbars: Implications for continental growth and crust-mantle recycling. J. Petrol., 36:891–931.

Rios, D.C. 2002. Granitogênese no Núcleo Serrinha, Bahia, Brasil: Geocronologia e Litogeoquímica. Tese de Doutoramento, Instituto de Geociências, Universidade Federal da Bahia, 238 p.

Rios, D.C., Conceição, H., Davis, D.W., Rosa, M.L.S., Macambira, M.J.B., Dickin, A.P. 2003. A new proposal for the subdivision of granitic rocks at Serrinha nucleus, Bahia, Brazil, based on U-Pb and Pb-Pb geochronological and lithogeochemical data. In: IV South American Symposium on Isotope Geology, CBPM-IRD, Salvador, Short Papers, 1: 264–267.

Silva, M.G. 1996. Síntese e interpretação dos dados geocronológicos do terreno granito-greenstone do rio Itapicuru (BA). In: SBG, Congr. Bras. Geol., Salvador-BA, 39, Anais 6: 544-547.

Wolde, B. & Team, G.-G.G. 1996. Tonalite-trondhjemite-granite genesis by partial melting of newly underplated basaltic crust: an example from the Neoproterozoic Birbir magmatic arc, western Ethiopia. Prec. Res., 76: 3-14.