INTRODUÇÃO 
          O setor centro-sul do Núcleo Serrinha (NSer; entidade 
            arqueana do Cráton do São Francisco), leste do Estado da Bahia (Fig. 
            1A), é formado por um embasamento gnáissico-migmatítico arqueano com 
            presença de enclaves gabróicos, associações básico-ultrabásicas e 
            domos granítico-granodioríticos (e.g. maciços de Ambrósio, Pedra Alta, 
            Araci) com idades compreendidas entre 3,1 e 2,8 Ga (Rios et al., 2003) 
            (Fig. 1B). Sobre este embasamento repousa a seqüência vulcanossedimentar 
            paleoproterozóica (2,2-2,0 Ga) do Greenstone Belt do Rio Itapicuru 
            (GBRI) formado na base por metabasaltos toleiíticos, seguidos por 
            metavulcanitos félsicos (andesitos, dacitos e tufos) cálcio-alcalinos 
            e sedimentos clásticos no topo (Silva, 1996). Intrusivo no embasamento 
            e no GBRI ocorre um volumoso magmatismo granítico paleoproterozóico 
            reunido por Rios et al. (2003) em dois episódios distintos. 
          O primeiro, de idade entre 2,16-2,13 Ga, apresenta natureza 
            cálcio-alcalina e é constituído por nove maciços: Eficéas, Lagoa dos 
            Bois, Quinjingue, Trilhado, Cipó, Teofilândia, Barrocas, Nordestina, 
            e Queimadas. Suas composições são, em geral, tonalítico-granodioríticas 
            a granítico-granodioríticas (Rios, 2002). Estes corpos têm forma alongada 
            segundo a direção NWN-SSE e caracterizam-se pela presença de bordas 
            gnaissificadas que gradam para centros isotrópicos. Esta estruturação 
            é interpretada como resultante de uma colocação sincrônica ao fechamento 
            da Bacia Itapicuru (Alves da Silva, 1994). 
          O segundo episódio magmático paleo-proterozóico (2,10-2,07 
            Ga) no NSer apresenta assinatura alcalina, sendo composto por sienitos 
            potássicos associados à lamprófiros ultrapotássicos, monzonitos shoshoníticos 
            e granitos potássicos peraluminosos, que representam a expressão final 
            do magmatismo no NSer (Rios et al., 2003).
          Existem atualmente diferentes modelos para explicar a 
            evolução tectono-estrutural e magmática paleoproterozóica deste setor 
            do NSer [e.g., bacia back-arc ensiálica moderna de Silva (1996); ou 
            sistema de rifte de Alves da Silva (1994)]. 
          O presente trabalho visa caracterizar o magmatismo cálcio-alcalino 
            paleoproterozóico no NSer, e assim contribuir para uma melhor interpretação 
            da estratigrafia granitogênica e da ambiência tectônica deste setor 
            antigo do Estado da Bahia.
           
          
           
          Figura 
            1. (A) Estruturação dos terrenos do embasamento do Cráton 
            São Francisco no Estado da Bahia para o período Paleoproterozóico 
            com limites modificados por Conceição (1990)]. (B) Mapa geológico 
            simplificado do setor centro-sul do NSer apresentando a proposta de 
            sucessão estratigráfica de Rios et al. (2003) para a granitogênese. 
            Legenda: 1. Cidades; 2. Falhas de empurrão; 3. Coberturas; 4. Granitos 
            potássicos peraluminosos; 5. Sienitos e lamprófiros ultrapotássicos; 
            6. Monzonitos shoshoníticos; 7. Granitos cálcio-alcalinos (1. Eficéas, 
            2. Trilhado, 3. Lagoa dos Bois, 4. Nordestina, 5. Quijingue, 6. Barrocas, 
            7. Teofilândia, 8. Cipó); 8. GBRI; 9. Anfibolitos; 10. Magmatismo 
            Arqueano: [9. Araci, 10. Ambrósio, 11. Pedra Alta, 12. Requeijão]; 
            11. Embasamento gnáissico-migmatítico; 12. Cinturão Móvel Salvador-Curaçá.
          CARACTERÍSTICAS GEOQUÍMICAS
          Os dados litogeoquímicos discutidos neste trabalho são 
            provenientes de Rios (2002; Barrocas [Bar], Lagoa dos Bois [LB], Trilhado 
            [Thl], Queimadas [Qm], Quijingue [Qj], Teofilândia [Tf], Eficéas [Ef], 
            Cipó [Cp]) e de Cruz Filho (2004; Batólito Nordestina [BN]). No diagrama 
            normativo triangular An-Ab-Or de O`Connor (1965) as rochas do BN, 
            Bar, Tf, Thl e Qm classificam-se como tonalitos e trondhjemitos (Grupo 
            I), enquanto que as de LB e Ef plotam no campo tonalítico, atravessam 
            o campo trondhjemítico, e estendem-se ao campo granítico, constituindo 
            uma associação tonalito-trondhjemito-granito (Grupo II). A amostra 
            de Qj cai no domínio granodiorítico e a de Cp no granítico. No diagrama 
            catiônico K-Na-Ca (Barker & Arth, 1976) as amostras do Grupo I 
            não definem nenhum trend específico, ocorrendo espalhadas na 
            extremidade mais evoluída da linha trondhjemítica, e superpondo-se 
            ao campo delimitado por Martin (1994) para as rochas Tonalíticas-Trondhjemíticas-Granodioríticas 
            (TTGs) arqueanas. Contudo, as rochas do Grupo II, ainda que seus termos 
            menos evoluídos plotem parcialmente nesse campo, descrevem uma evolução 
            paralela à linha cálcio-alcalina clássica, porém deslocada em direção 
            ao pólo sódico. Este tipo de trend tem sido reportado na literatura 
            para os gnaisses arqueanos (3,0-2,8 Ga) da região de Nuuk (Oeste da 
            Groelândia; McGregor, 1979) e para a associação tonalito-trondhjemito-granito 
            (TTGr) neoproterozóica (~ 800 Ma) da região de Birban (Oeste da Etiópia; 
            Wolde & Team, 1996). Os corpos de Qj e Cp também mostram uma afinidade 
            cálcio-alcalina clássica.
          As rochas do Grupo I são menos silicosas e mostram uma 
            faixa composicional mais estreita (68 < SiO2 < 74%) 
            quando comparadas com as do Grupo II (68 < SiO2 < 
            77%). Uma amostra de LB, correspondendo a uma fácies mais máfica, 
            tem conteúdo de SiO2 ainda mais baixo (63,44%). Os termos 
            menos diferenciados dos Grupos I e II apresentam Mg# entre 0,51-0,37 
            e 0,37-0,23, respectivamente. Ambos os grupos são metaluminosos a 
            levemente peraluminosos (Índice de Saturação de Alumínio < 1,1, 
            exceto para as amostras 1579 de Bar, 1570 e 1575 de Tf), entretanto 
            as rochas do Grupo I e as do corpo de Qj  tendem a ser mais enriquecidas 
            em Al2O3 (15-18 %), assim como em Na2O 
            (4-6 %) e mais pobres de K2O (1-2,5 %; baixo a médio-K2O) 
            do que as do Grupo II (Al2O3 = 12-15 %; Na2O 
            = 3-5 %; K2O = 2,3-4,8 %; médio a alto-K2O) 
            e as de Cp em conteúdos similares de SiO2. 
          Em termos de elementos traços, incluindo os elementos 
            terras raras (ETR), o Grupo I tem baixas razões Rb/Sr (0,06-0,30), 
            altas razões Sr/Y (45-274), moderado a alto Sr (303-1190 ppm) e baixo 
            Y (3-10 ppm). Os padrões de ETR, normalizados pelo condrito, mostram 
            enriquecimento em ETR leves e depleção em ETR pesados [(La/Yb)N 
            = 13 - 74)] e exibem fracas a moderadas anomalias positivas ou negativas 
            em Eu (Eu/Eu*= 0,81 - 1,81). Os espectros de ETR para as diferentes 
            amostras dos corpos deste grupo apresentam geometrias muito próximas. 
            Isto sugere que elas foram geradas através de fonte e mecanismo petrogenético 
            comuns. 
          Comparativamente, o Grupo II tem altas razões Rb/Sr (0,33-4,18), 
            mais baixas razões de Sr/Y (0,88-37), baixo Sr (39-270 ppm), conteúdos 
            mais altos de Y (6-57 ppm), moderado enriquecimento em ETR leves [(La/Yb)N 
            = 3-12], anomalias negativas de Eu (Eu/Eu*= 0,38-0,90), e padrões 
            planares de ETR pesados [(Gd/Yb)N = 0,7 - 2,19].
           
          DISCUSSÕES
          Observa-se que as rochas do Grupo I exibem características 
            químicas [Al2O3 > 15% em 70% SiO2, 
            CaO < 4,5 %, Na2O entre 4-5,5%, K2O < 
            2,5%, Sr > 300 ppm, Y < 18 ppm,  Sr/Y > 40, (La/Yb)N 
            > 12, e ausência de anomalia negativa significativa de Eu] 
            similares às de magmas tonalíticos e trondhjemíticos derivados de 
            fusões de placa oceânica sob condições anfibolíticas a granada ou 
            eclogíticas, como apontado por Drummnond & Defant (1990) ou, mais 
            geralmente, conforme Rapp & Watson (1995), de fusões de protólitos 
            máficos com presença de resíduo com granada e anfibólio/clinopiroxênio, 
            com ou sem plagioclásio, refletindo portanto condições de altas pressões 
            (16-32 Kbar).
          Já a associação tonalito-trondhjemito-granito (Grupo 
            II) distingue-se do Grupo I e apresenta aspectos típicos de tonalitos 
            de baixo-Al [Al2O3 < 15% (plagioclásio retido 
            na fonte), Sr < 300 ppm, Y > 18 ppm, Sr/Y < 40, (La/Yb)N 
            < 12 e presença de distintas anomalias negativas de Eu], 
            sendo considerados como produzidos em mais baixas pressões, ou por 
            fracionamento de plagioclásio de magmas derivados do manto, ou por 
            fusão parcial de fontes basálticas em que plagioclásio é uma fase 
            presente no resíduo (Drummond & Defant 1990). A segunda hipótese 
            encontra suporte nos experimentos de Rapp & Watson (1995) realizados 
            em metabasaltos a P = 8-16 Kbar e a T = 1000-1025 ºC, que produziram 
            líquidos graníticos de alto-K (taxa de fusão de ~ 5%) e tronhdhjemíticos 
            de baixo-Al (taxa de fusão ente 5-10%) em equilíbrio  com um resíduo 
            anfibolítico sem e com granada. A faixa de profundidade da fusão parcial 
            sugere que a fonte do Grupo II foi uma crosta basáltica aquecida por 
            um novo underplate máfico.
           
          CONCLUSÕES
          De acordo com os dados geoquímicos disponíveis, no magmatismo 
            cálcio-alcalino do NSer ocorrem dois grupos de rochas: (a) uma associação 
            trondhjemítica-tonalítica (Grupo I) com assinatura de magma gerado 
            a partir da fusão parcial de um protólito máfico sobre condições de 
            alta pressão e temperatura, condições similares às presentes em processo 
            de subducção ou na base de uma crosta inferior espessada; e (b) uma 
            associação tonalítica-trondhjemítica-granítica (Grupo II) produzida 
            pela fusão parcial de uma fonte basáltica a baixas pressões, deixando 
            um resíduo anfibolítico com ou sem granada. As características isotópicas 
            destes grupos (valores de ISr compatíveis com os do manto 
            superior de mesma idade, valores positivos de épsilon Nd(t) e idades 
            TDM em torno de 2,2 Ga; Mello, 2000; Rios, 2002; Cruz Filho, 
            2004) indicam que seus magmas parentais se originaram da fusão parcial 
            do manto empobrecido ou, mais provavelmente, de protólitos máficos 
            paleoproterozóicos com pouco (ou nenhum) tempo de residência crustal. 
            Estes dados tornam remota a possibilidade dessas rochas terem origem 
            na crosta inferior pré-existente, a não ser que essa crosta tenha 
            se formado imediatamente antes da geração dos granitóides (crosta 
            juvenil por novo underplate máfico na base da crosta). Situação 
            similar é reportada também para lavas e tufos piroclásticos andesíticos 
            cálcio-alcalinos do Greenstone Belt do Rio Itapicuru por Silva 
            (1996), que fornecem idades TDM entre 2,1 e 2,2 Ga. Neste 
            contexto, caso a hipótese proposta por Alves da Silva (1994) - de 
            que a colocação dos granitos cálcio-alcalinos (no sentido amplo do 
            termo) ocorreu concomitante ao fechamento da bacia do Itapicuru, com 
            subducção de crosta oceânica oblíqua para NW- seja aceita, ela exige 
            que as rochas básicas toleiíticas do GBRI, formadas em 2,2 Ga, sejam 
            o provável protólito dos magmas cálcio-alcalinos paleoproterozóicos 
            do NSer.
           
          AGRADECIMENTOS
          Esta 
            pesquisa contou com o apoio da Companhia Baiana de Pesquisa Mineral, 
            Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, 
            Proc. 521592/97-6), CAPES (BEX 1338-98) e PRONEX-2003 (FAPESB-CNPq). 
            B.E. Cruz Filho (Proc. 151678/2044-9), H. Conceição (Proc. 550483/2002-0) 
            e M.L.S. Rosa (Proc. 381651/2004-5) são pesquisadores CNPq. D.C. Rios 
            é pesquisadora do PRODOC/FAPESB. Esta é a contribuição de número 202 
            do GPA/UFBA. 
          REFERÊNCIAS
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