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ST3 - 03


OCORRÊNCIA DE MICRODIAMANTES EM ROCHAS INTRUSIVAS
NO GRUPO CHAPADA DIAMANTINA, BAHIA, BRASIL

 

 

Battilani, G.A.1; Gomes, N.S.2; Guerra, W.J.3

 

1 Fundação Gorceix - Nupetro - Ouro Preto, MG. Fone: (31) 3551 1400; (31) 9728 9811. gislaine@nupetro.com.br

2 Dept. de Geologia, Universidade Federal de Ouro Preto - DEGEO/UFOP. Fone: (31) 9991 0141. newton@degeo.ufop.br

3 Fundação Gorceix - Nupetro - Ouro Preto, MG. Fone: (31) 3551 1400; (31) 9961 1070. wjguerra@nupetro.com.br

 

ABSTRACT

 The origin of the diamonds that occur both in the Serra do Espinhaço at Diamantina (Minas Gerais State) and in the Chapada Diamantina at Lençóis (Bahia State) has been investigated by several researchers during the last decades. The lack of typical satellite minerals in both districts excludes the possibility of a kimberlitic source for these diamonds. In mid 18th century the occurrence of a metamorphic rock composed of martite, sericite and tourmaline was recorded in Diamantina and named hematitic phyllite, considered by some researchers as a possible diamond source. Using a scanning electron microscope analyses, microdiamonds were identified in alkaline intrusive rocks in Proterozoic sandstones of the Tombador Formation at Lençóis. Recent geochronological studies using the Ar/Ar technique in muscovites, yielded ages of 1515 ± 3 Ma, which correlate with 1710 ± 12 Ma using U/Pb method in hematitic phyllites. Both rock types also have the same mineral composition which allows to conclude that the intrusive rocks were protolith of the hematitic phyllites. The discovery of microdiamonds in the intrusive rocks open the possibility of new investigation models for diamond in Brazilian Proterozoic terrains.

 

Palavras-chave: Formação Tombador, Mesoproterozóico, microdiamante, rochas alcalinas, filitos hematíticos

 

 


Introdução

Um dos problemas mais enigmáticos da geologia brasileira constitui a fonte dos diamantes encontrados nos conglomerados da Serra do Espinhaço em Minas Gerais e na Bahia.  Desde a descoberta dos primeiros diamantes em depósitos de paleoplacer, na região do Tijuco, hoje Diamantina, MG, por volta de 1790, diferentes teorias foram propostas para explicar a  fontes destes diamantes, até então, nenhuma conclusiva. 

Alguns autores propõem que os diamantes associados aos conglomerados mesoproterozoicos derivaram de fontes kimberlíticas distais, localizadas no interior do Craton do São Francisco (Pflug, 1965; Chaves et al., 1993, 2001). Outros pesquisadores (Wall, 1919; Guimarães, 1930; Correns, 1932; Moraes & Guimarães, 1930; Moraes, 1934; Barbosa, 1951; Herrgesell, 1984; Almeida Abreu & Munhoz, 1983; Almeida Abreu, 1996; Fleischer, 1995, 1998; Almeida Abreu & Renger, 2001) sugerem que os diamantes da região estão associados à fontes proximais localizadas no interior da bacia sedimentar e propuseram duas possíveis fontes. Estas fontes seriam: kimberlitos ou lamproítos, completamente erodidos ou soterrados por sequências sedimentares mais jovens (Almeida Abreu & Munhoz, 1983; Fleischer, 1995, 1998); e uma unidade de litologica rara, essencialmente composta por muscovita e martita (Wall, 1919; Guimarães, 1930; Correns, 1932; Moraes & Guimarães, 1930; Moraes, 1934; Barbosa, 1951; Herrgesell, 1984; Almeida Abreu, 1996; Almeida Abreu & Renger, 2001), denominada de filito hematítico, cuja gênese é motivo de muitos debates.

Na Chapada Diamantina, Bahia, diques e sills a muscovita e martita foram descritos pela primeira vez por Herrgesell (1984), que os comparou com os filitos hematíticos de Minas Gerais.

Estudos desenvolvidos por Battilani (1999), Gomes et al. (1998), Battilani et al. (a e b no prelo) registraram a presença de rochas intrusivas, de cor cinza avermelhada, alta densidade e com textura traquítica ora concordandes, ora discordantes com os sedimentos da Formação Tombador, unidade basal do Grupo Chapada Diamantina.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A área de estudo situa-se na parte central do Estado da Bahia e compreende uma porção da região fisiográfica denominada de Chapada Diamantina.

O Grupo Chapada Diamantina de idade mesoproterozóica constitui o topo do Supergrupo Espinhaço na região da Chapada Diamantina, Bahia e é representado, da base para o topo, pelas formações Tombador (objeto principal deste estudo), Caboclo e Morro do Chapéu.

A Formação Tombador é constituída por rochas predominantemente siliciclásticas (conglomerados, arenitos e pelitos) depositados em ambientes fluviais e eólicos. Na região entre Lençóis e Andaraí foram identificados diques e sills de rochas vulcânicas alcalinas encaixados na sequência sedimentar. (Battilani, 1999).

Os procedimentos adotados para a realização dos trabalhos de campo, estudos petrográficos, estudos de microssonda, geoquímica e de geocronologia podem ser verificados em Battilani et al. (a, b no prelo).

Para o estudo de minerais pesados foram coletados aproximadamente 600 quilos de amostras de rochas que foram britados, moídos e os minerais pesados separados com o auxílio do KNELSON Concentrators, modelo KC-MD3, série MD39907504903197, de propriedade da Fundação Gorceix. A segunda etapa de separação contou com o auxílio de batéias e líquidos densos (bromofórmio, D = 2,85; e di-iodo-metano, D = 3,325). Finalmente foi feita a separação manual, com auxílio de lupa binocular.

Para a identificação das fases minerais, os estudos microscópicos foram integrados à análises de microscopia eletrônica (MEV/EDS) realizadas no laboratório de microanálises do Departamento de Geologia da Universidade Federal de Ouro Preto (DEGEO/UFOP) em um aparelho da marca JEOL - JSM-5510, equipado com detector de EDS Thermo-NORAN.

As rochas intrusivas, quando em forma de diques, apresentam direção preferencial norte-sul e espessura variando de 0,80 a 30 metros. A cor varia de marrom-avermelhada ou cinza, a granulometria é muito fina e a densidade é de 2,9 g/m3. Freqüentemente, estas rochas exibem estruturas sub-esféricas, de coloração clara, constituídas essencialmente por muscovita e turmalina, que representam prováveis estruturas ocelares preservadas. Investigações ao MEV/EDS, nestas estruturas, produziram espectros típicos de minerais da solução sólida sodalita/noseana. Um outro detalhe observado em campo é que a grande maioria destes corpos apresenta-se cortada por microveios de quartzo e/ou turmalina.

O estudo petrográfico das rochas, aqui denominadas associação de litotipos martita-muscovita fels, revelou uma mineralogia composta principalmente por óxidos de ferro (martita) e muscovita. Em lâminas delgadas é possível observar textura traquítica e fluidal caracterizada pela orientação de antigas ripas de feldspato, totalmente transformadas em muscovita. Ocasionalmente ocorre a pseudomorfose por turmalina.

A martita (21 a 42% do volume) ocorre na forma de pequenos cristais (máximo 0,5 mm de diâmetro) euédricos a subédricos e subordinadamente anédricos. Alguns destes cristais apresentam sinais de intercrescimento com muscovita e quartzo. Na borda dos cristais de martita é possível observar substituição por limonita. Análises de microscopia eletrônica de varredura mostraram que ocorre uma íntima associação dos grãos de martita com cristais de rutilo que se concentram nas bordas ou segundo antigas direções de clivagem dos cristais primários de magnetita ou titanomagnetita.

A muscovita (45 a 75,8% do volume) apresenta-se de quatro formas diferentes: (i) em pequenos cristais que se concentram em antigas formas tabulares dispostas segundo uma direção preferencial de fluxo; (ii) distribuída aleatoriamente, podendo ou não estar associada à turmalina; (iii) cristais euédricos contornados por uma película de minerais de óxido de ferro ou rutilo; e, (iv) preenchendo pseudo amígdalas nas quais a muscovita pode ou não estar associada à turmalina.

A turmalina (4 a 17,5% do volume) ocorre na forma de cristais euédricos a subédricos, geralmente zonados e intercrescidos. Comumente ela se encontra relacionada com a muscovita, podendo ocorrer também em áreas com grande concentração de minerais opacos e disposta aleatoriamente na lâmina. A maior concentração deste mineral ocorre segundo direções de fraqueza da rocha, sob a forma de microveios associada a raros cristais de quartzo. Análises de microssonda eletrônica mostram que as turmalinas estudadas pertencem a série shorlita-dravita.

Como fases minerais acessórias registram-se quartzo, rutilo, pirita, zircão, badeleita, clorita, barita e gorceixita.

Os estudos de EDS nos minerais pesados revelaram a ocorrência de cinco cristais com dimensões entre 80 e 200 mm, compostos essencialmente pelo elemento carbono, que foram interpretados como microdiamantes (Fig. 1).

 

 

Figura 1. Imagem de microscopia eletrônica com difratograma  de mineral com composição única de carbono e mostrando feições típicas de diamante.

 

Resultado análogo foi obtido em análises de EDS realizadas em fragmentos da rocha intrusiva (Fig. 2).

 

 

 

Figura 2. Imagens de microscopia eletrônica apresentando grãos de carbono puro e difratogramas dos mesmos. Estes minerais foram identificados na fração de minerais pesados da rocha da associação martita muscovita fels.

 

Battilani et al. (no prelo) utilizando o método 40Ar/39Ar em cristais de muscovita obtiveram idades de 1514±5 Ma e 1512±6 Ma para as rochas intrusivas. Estas idades são correlacionáveis às determinadas por Dussin (1994) para os filitos hematíticos da região de Diamantina em Minas Gerais.

Os resultados das análises geoquímicas de amostras de rochas da associação martita-muscovita revelaram teores médio (em porcentagem) de SiO2 (42,2); TiO2 (2,3); Al2O3 (24,5); Fe2O3 (17,75); MgO (1,1); e K2O (7,75), sendo que os teores de CaO, MnO, Na2O e P2O5, são menores que 1%. Os valores médios (em ppm) dos elementos traço são Ni (50); Ba (510); Rb (130); Sr (138); Zr (120); Nb (10); Y (35,6); V (273); B (497). As análises geoquímicas mostraram ainda um enriquecimento no conteúdo de K2O, e Al2O3 e uma depleção na porcentagem de Na2O, CaO, MgO e MnO. Os elementos B e V mostram um grande enriquecimento, o que pode ser explicado em função da composição química dos fluídos hidrotermais que percolaram as rochas gerando grandes concentrações de turmalinas. Os resultados evidenciam que a maioria dos elementos maiores e muitos elementos traço sofreram mobilização. Com base nestas observações, os elementos tidos como imóveis ou de mobilidade restrita durante os processos de alteração (Ti, Zr, Y, Nb e terras raras), foram escolhidos como guias para a identificação das rochas vulcânicas que cortam a seqüência sedimentar estudada.

Os gráficos originados a partir de elementos relativamente imóveis mostraram um magma de comportamento alcalino a subalcalino, típico de ambientes de intraplacas continentais e intraplacas oceânicas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos dados, permite concluir que:

1. A mineralogia observada nas rochas denominadas de muscovita-martita-fels é incompatível com a de uma rocha ígnea. Segundo Tröger (1969) a temperaturas superiores a 6000C não se forma hematita e, quando este mineral é observado em rochas magmáticas, ele ocorre como produto de autometassomatismo da magnetita, sob condições deutéricas, quando recebe o nome de martita.

2. A comparação dos resultados obtidos neste estudo com os apresentados nos trabalhos de Guimarães (1930), Moraes (1934), Barbosa (1951), Almeida Abreu (1993) e Dussim (1994) permitem afirmar que a mineralogia do litotipo martita-muscovita fels é idêntica à observada nos filitos hematíticos da região de Diamantina – MG, o que nos permite inferir que as rochas da associação muscovita-martita fels seriam o protólito do filito hematítico.

3. Os dados geocronológicos obtidos para as  rochas intrusivas da Formação Tombador são correlacionáveis às idades encontradas para os filitos hematíticos da região de Diamantina, MG.

4. As observações de campo evidenciam hiatos deposicionais da Formação Tombador, caracterizados por contatos erosivos no topo de alguns sills. O processo de erosão e retrabalhamento dessas rochas intrusivas, portadoras de microdiamantes poderiam constituir um mecanismo de concentração de diamantes nos conglomerados e aluviões da região de Lençóis.

 

AgradeCimentos

Os autores agradecem à CAPES, CNPq e Fundação Gorceix, pelo suporte financeiro fornecido para a execução deste trabalho.

 

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