PETROGRAFIA E ESTRUTURAS
A cidade de Salvador, com
cerca de 320 km2 de área, tem como principais substratos
rochas metamórficas de alto e médio grau, arqueanas/paleoproterozóicas.
O conhecimento sobre a geologia destas rochas é limitado, fato que
restringe atualmente os estudos geotécnicos, hidrogeológicos e ambientais,
essenciais para resolução dos problemas sócio-econômicos da cidade.
Apesar do desconhecimento geológico de Salvador, é necessário salientar
que ao longo do tempo importantes contribuições foram dadas à geologia
da cidade ( vide Fujimori & Allard, 1966; Tanner de Oliveira,
1970; Sighinolfi & Fujimori, 1974; Jesus, 1978; Mestrinho et
al., 1982; Celino & Conceição, 1983; Moraes Brito, 1992; e,
Corrêa-Gomes, 1992). Contudo, como esses trabalhos se concentraram
em áreas restritas e enfocaram temas específicos, atualmente vem sendo
executado o mapeamento geológico de Salvador, na escala 1:30.000,
a fim de não somente pormenorizar os litotipos e as estruturas tectônicas
ali existentes, mas também de inter-relacionar os dados dos trabalhos
anteriores antes referidos e, compatibilizá-los com os novos dados
obtidos.
Do ponto de vista geológico,
a cidade de Salvador pode ser subdividida em três grandes domínios
(Barbosa & Dominguez, 1996): (i) a Bacia Sedimentar do Recôncavo,
composta de rochas sedimentares mesozóicas; (ii) a Margem Costeira
Atlântica, formada por sedimentos terciários e quaternários; e (iii)
o Alto de Salvador, caracterizado por rochas metamórficas de alto
grau, além de rochas graníticas e diques máficos. Durante a cartografia
geológica neste último compartimento verificou-se a existência de
duas áreas topográficas-geomorfológicas, separadas por uma zona de
ruptura, a Falha do Iguatemi, a qual é sub-paralela à Falha de Salvador
(Fig. 1; Barbosa et al., 2004; Cruz et al., 2004).
As pesquisas têm mostrado que na parte oeste,
onde o relevo é mais pronunciado (cotas superiores a 60 m), ocorrem
rochas da fácies granulito e, na parte leste, onde o relevo é mais
baixo (cotas médias inferiores a 25-30 m), predominam rochas da fácies
anfibolito.
Figura 1. Modelo numérico da área de pesquisa evidenciando a diferença topográfica
–
geomorfológica de duas áreas individualizadas.
Este trabalho mostra, de forma preliminar, a geologia
da porção oeste acima referida. Nela, de acordo com as análises petrográficas,
vêm sendo identificados quatro grandes grupos litológicos: a) rochas
metamórficas paraderivadas, compostas de granulitos alumino-magnesianos
(Mp 30%, Opx 4%, Qz 10-20%, Grt 10%, Sil 7%, Pl, 5%, Cd, 5%, Bt 3%),
granulitos básicos (Pl 25-35%, Opx 20-30%, Cpx 15-20%, Hb 10-15%),
quartzitos (Qz 95-90%, Grt 0-2%) e granitos granatíferos; b) rochas
metamórficas ortoderivadas, subdivididas em granulitos tonalíticos
(Pl 30-48%, Cpx 6-17%, Mp 0-5%, Qz 20-30%, Opx 8-18%) e granulitos
charnoenderbíticos (Pl 35-48%, Qz 20-30%, Mp 8-15%, Opx 8-15%, Cpx
1-8%) os quais contêm enclaves máficos (Pl 45-50%, Hb 25-30%, Cpx
5-7%, Opx 5-10%) e ultramáficos (Opx 40-55%, Cpx 5-15%, Pl 2-5%),
ambos granulitizados; c) corpos granitóides formados de meta monzo-sienogranito
(Qz 35-45%, Mic 30-40%, Bt 15-20%, Pl 5%) e monzo-sienogranito (Qz
30-40%, Bt 15%, Mic 30-40%); e, d) diques máficos metamórficos (Pl
24-45%, Hb 22-25%, Bt 15-24%, Qz 3-14%, Ti 2-10%, Cpx traços) e não-metamórficos
(Pl 43-55%, Cpx 10-35%, Ol 2-10%, Op 1-15%, Hb 3-5%) (Fig. 2).
Com relação à tectônica, as rochas granulíticas da parte
oeste do Alto de Salvador apresentam-se dobradas, foliadas e fraturadas,
evidenciando vários estágios de deformações, tanto no estado dúctil,
quanto rúptil.
Quanto às deformações dúcteis, pelo menos três fases
foram observadas (Fig. 3): (a) a primeira é constituída por dobras
fechadas a isoclinais, com planos axiais pouco inclinados e com lineação
de estiramento mineral dip-slip, ainda preservada; (b) a segunda,
que redobra a primeira, é exemplificada por dobras ora abertas ora
fechadas com plano axial subvertical e com lineações strike-slip;
e (c) a terceira, é representada por planos de cisalhamento dúcteis
sub-verticais de cinemática sinistral.
Figura 2.
Diagrama Q-A-P (Streckeisen 1978) para os litotipos do embasamento
cristalino de Salvador.
Quanto às deformações frágeis verifica-se grande quantidade
de fraturas com direções e inclinações variadas. Em algumas delas,
mais antigas, encontram-se os corpos de monzo-sienogranitos e diques
máficos.
Figura 3.
Configuração 3D das diferentes fases de deformação dúcteis das rochas
metamórficas de Salvador (Corrêa-Gomes et al., 2004, em preparação).
PETROQUÍMICA
E CONCLUSÕES PARCIAIS
Os estudos petroquímicos, utilizando gráficos de discriminação,
têm também confirmado a existência desse agrupamento litológico, sobretudo
quando se utilizam os ETR, cujos padrões mostram um moderado fracionamento
dos protólitos dessas litologias, com enriquecimento nos ETRL e depleção
nos ETRP (Fig. 4). Analisando os espectros dos ETR para os granulitos
tonalíticos e charnoenderbíticos (Fig. 4 a, b) pode-se notar um comportamento
típico de magmas cálcio-alcalinos de baixo potássio, para o primeiro,
e de magmas calcio-alcalinos normais, para o segundo. Quanto aos corpos
granitóides a distribuição dos ETR confirma a existências dos dois
tipos, antes referidos: o meta monzo-sienogranito mais pobre em ETR,
e os monzo-sienogranito, o qual possui forte anomalia negativa de
európio quando comparada com a do meta monzo-seinogranito (Fig. 4c).
Figura 4.
Padrões de ETR para os granulitos tonalíticos (a), granulitos charnoenderbíticos
(b) e meta monzo-sienogranitos e sienogranitos (c) do embasamento
cristalino da parte oeste de Salvador.
Analisando o diagrama A (Na2O + K2O)–F
(FeOt)–M (MgO) (Fig. 5) verifica-se: (a) a confirmação da
filiação cálcio-alcalina para os diques máficos metamórficos (DM1),
de acordo com o típico trend encurvado destes magmas e também
a existência de fracionamento em direção ao vértice A (Na2O
+ K2O) e, (b) a filiação tholeíitica para os diques máficos
não metamórficos (DM2), cujo trend retilíneo típico marca o
enriquecimento em óxido de ferro. Finalmente, os resultados
parciais do mapeamento têm mostrado que o embasamento cristalino de
Salvador possui uma história geológica evolutiva complexa, com diversidade
de litotipos metamórficos de médio e alto grau, amplamente deformados.
Quanto, à natureza dos protólitos paraderivados, admite-se que os
granulitos alumino-magnesianos são restitos de fusão de rochas pelíticas,
enquanto que os granitos granatíferos representam os líquidos provenientes
dessa fusão. Os granulitos básicos e quartzitos são produtos do metamorfismo
de rochas basálticas e cherts. Quanto aos protólitos ortoderivados,
a petroquímica tem mostrado que os granulitos tonalíticos e charnoenderbíticos
foram derivados de magmas calcio-alcalinos, com a diferença que os
primeiros são de baixo potássio e os últimos, de alto potássio.
Figura 5.
Diagrama A–F–M (Irvine & Baragar 1971) mostrando trend encurvado
para as amostras de diques metamórficos (DM1) e retilíneo para os
não- metamórficos (DM2).
Segundo Fujimori (1988) a granulitização da região
atingiu a etapa pico nas condições de 7,5 – 9 kbar e 840-900 ºC, a
qual está caracterizada, em algumas rochas, pela presença de biotitas
vermelhas com contatos retos e textura poligonal, sobretudo em paragêneses
onde o ortopiroxênio está em contato com minerais do tipo plagioclásio
e clinopiroxênio. Concomitantemente, e no final desta granulitização,
intrusões múltiplas de magmas sieníticos e tholeíiticos penetraram
zonas de fraturas do embasamento cristalino de Salvador, processo
que pode ser notado a partir de estruturas associadas aos corpos de
monzo-sienograníticos e aos diques máficos metamorfizados. Outra geração
de diques sieníticos e máficos também pode ser notada no embasamento
desta cidade, mas com indícios de ser mais jovem e não-metamórfica.
Apesar do pequeno número de dados geocronológicos pode-se inferir
que os protólitos granulíticos são arqueanos (idade SHRIMP ± 2,5 Ga
no centro de cristais de zircão de metatonalito) e a granulitização
que os atingiu do Paleoproterozóico (idade SHRIMP ± 2,0 Ga na periferia
dos cristais de zircão).
REFERÊNCIAS
Barbosa, J.S.F; Corrêa-Gomes, L.C.; Dominguez, J.M.L.; Cruz S.A.S.; Souza,
J.S., 2004. Petrografia e litogeoquímica das rochas da parte oeste
do Alto de Salvador, Bahia, (no prelo).
Barbosa, J.S.F. & Dominguez, J.M.L. (Eds.) 1996. Texto Explicativo
para o Mapa Geológico ao Milionésimo. SICM/ SGM, Salvador, 400 p.
Celino, J.J. & Conceição, H. 1983.
Granito porfiróide – evidência de magmatismo ácido tardio na faixa
granulítica Atlântica, Salvador, Bahia. In: UFBA, Sem. Est.
Pesq., 5, Bol. Res. p.30.
Corrêa-Gomes, L.C. 1992. Diques máficos: Uma reflexão teórica sobre o
tema e o seu uso no entendimento prático da geodinâmica fissural.
Dissertação de Mestrado, Instituto de Geociências, Universidade Federal
da Bahia, 196p.
Corrêa-Gomes, L.C.; Barbosa, J.S.F.; Cruz,
S.A.S. 2004. As deformações das rochas metamórficas da cidade de Salvador
(em preparação).
Cruz, S.A.S.; Barbosa, J.S.F.; Corrêa-Gomes,
L.C. 2004. Mapeamento Geológico do Embasamento Cristalino da cidade
de Salvador-Bahia. In: XLII Congresso Brasileiro de Geologia, Araxá.
Fujimori, S. & Allard, G.O. 1966.
Ocorrência de safirina em Salvador, Bahia. Bol. Soc. Bras. Geol. 15
(2):67-81.
Fujimori, S. 1988. Condições de P-T de
formação dos granulitos do Farol da Barra, Salvador, Bahia, Brasil.
Rev. Bras. Geoc. 18 (3): 339-344.
Jesus, V.F. 1978. Origem dos granulitos
e granoblastitos de Itapoan. Dissertação de Mestrado, Instituto de
Geociências, Universidade Federal da Bahia, 63p.
Mestrinho, S.S.P.; Linhares, P.; Carvalho,
I.G. 1982. Geoquímica de um dique de diabásio da praia de Ondina.
In: SBG, Congr. Bras. Geol. 32, Anais, p. 81.
Moraes Brito, C. 1992. Caracterização geológica, geoquímica e petrológica
dos diques máficos proterozoicos da região de Salvador, Bahia. Dissertação
de Mestrado, Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo,
IAG, 96p.
Sighinolfi, G.P. & Fujimori, S. 1974.
Petrology and chemistry
of diopsidic rocks in granulitis terrains from the Brazilian basement.
Atti della Soc. Tosc. Di Sci. Natur., Serie A,
LXXXI: 130.
Silva M.G. 1992. Evidências isotópicas
e geocronológicas de um fenômeno de acrescimento crustal transamazônico
no Cráton São Francisco, Estado da Bahia. In: SBG/Núcleo São Paulo,
Congr. Bras. Geol., 37, São Paulo, Anais..., 2: 181–182.
Streckeisen, A. 1976. To each
plutonic rock its proper name. Amsterdam. Earth Sci. Rev., 12: 1-33.
Tanner de Oliveira, M.A.F. 1970. Contribuição
para o conhecimento petrológico de Salvador, Bahia, Brasil. Garcia
de Orta, Lisboa. 18(1-4): 229-240.