INDEX
ST3 - 06


CARACTERIZAÇÃO PETROGRÁFICA, ESTRUTURAL E PETROQUÍMICA DO EMBASAMENTO CRISTALINO DA CIDADE DE SALVADOR-BAHIA/PORÇÃO OESTE

 

Cruz, S.A.S.1; Barbosa, J.S.F.1; Corrêa-Gomes, L.C.1

 

1IGEO/UFBA, Ondina, 40210-340, Salvador, Bahia, Brasil. sasc@cpgg.ufba.br, johildo@cpgg.ufba.br, lccg@ufba.br

 

ABSTRACT

 

The Salvador high can be sub-divided into two provinces, separated by the Iguatemi Fault. In the Western block of this fault granulites dominate, whereas to the east metamorphic rocks in the amphibolite facies are present. This paper is focused in the Western Block, where it is possible to identify the following rock types: (a) the paraderived metamorphic rocks formed by aluminum-magnesian granulites, basic granulites and quartzites, and (b) orthoderived metamorphic rocks composed of tonalitic and charnoenderbitic granulites, including enclaves of metapiroxenites and metagabbros. Concerning the nature of the protoliths, it is assumed that the alumino-magnesian granulites are restites from melting of pelitic rocks, which are usually associated with light-colored garnet bearing granites, considered the liquids resulting from that melting. The basic granulites and quartzites associated with the aluminum-magnesian granulites are thought to be the product of the metamorphism of basalts and cherts. With respect to the orthoderived protoliths, the petrochemistry has shown that the piroxenitic enclaves were derived from Mg-rich tholeiitic magmas and the gabbroic ones have their origin either from tholeiitic or transitional tholeiitic/calc alkaline magmas. The tonalitic and the charnoenderbitic granulites were both derived from low-K and high-K calc-alkaline magmas, respectively. The rocks were deformed both in the ductile and brittle states. In the first case, recumbent folds were refolded, originating upright isoclinal folds. In the second case fractures with several orientations were formed. Many of these fractures were filled with magmatic non-metamorphic sienogranites or metamorphic mafic dikes. Contemporaneous mafic and felsic magmas result in commingling structures.

Keywords: Orthogranulites, recumbent and isoclinal folds, mafic dikes, sienogranites, commingling

PETROGRAFIA E ESTRUTURAS

A cidade de Salvador, com cerca de 320 km2 de área, tem como principais substratos rochas metamórficas de alto e médio grau, arqueanas/paleoproterozóicas. O conhecimento sobre a geologia destas rochas é limitado, fato que restringe atualmente os estudos geotécnicos, hidrogeológicos e ambientais, essenciais para resolução dos problemas sócio-econômicos da cidade. Apesar do desconhecimento geológico de Salvador, é necessário salientar que ao longo do tempo importantes contribuições foram dadas à geologia da cidade ( vide Fujimori & Allard, 1966; Tanner de Oliveira, 1970; Sighinolfi & Fujimori, 1974; Jesus, 1978; Mestrinho et al., 1982; Celino & Conceição, 1983; Moraes Brito, 1992; e, Corrêa-Gomes, 1992). Contudo, como esses trabalhos se concentraram em áreas restritas e enfocaram temas específicos, atualmente vem sendo executado o mapeamento geológico de Salvador, na escala 1:30.000, a fim de não somente pormenorizar os litotipos e as estruturas tectônicas ali existentes, mas também de inter-relacionar os dados dos trabalhos anteriores antes referidos e, compatibilizá-los com os novos dados obtidos.

Do ponto de vista geológico, a cidade de Salvador pode ser subdividida em três grandes domínios (Barbosa & Dominguez, 1996): (i) a Bacia Sedimentar do Recôncavo, composta de rochas sedimentares mesozóicas; (ii) a Margem Costeira Atlântica, formada por sedimentos terciários e quaternários; e (iii) o Alto de Salvador, caracterizado por rochas metamórficas de alto grau, além de rochas graníticas e diques máficos. Durante a cartografia geológica neste último compartimento verificou-se a existência de duas áreas topográficas-geomorfológicas, separadas por uma zona de ruptura, a Falha do Iguatemi, a qual é sub-paralela à Falha de Salvador (Fig. 1; Barbosa et al., 2004; Cruz et al., 2004).

As pesquisas têm mostrado que na parte oeste, onde o relevo é mais pronunciado (cotas superiores a 60 m), ocorrem rochas da fácies granulito e, na parte leste, onde o relevo é mais baixo (cotas médias inferiores a 25-30 m), predominam rochas da fácies anfibolito.

 

Figura 1. Modelo numérico da área de pesquisa evidenciando a diferença topográfica –

geomorfológica de duas áreas individualizadas.

 

Este trabalho mostra, de forma preliminar, a geologia da porção oeste acima referida. Nela, de acordo com as análises petrográficas, vêm sendo identificados quatro grandes grupos litológicos: a) rochas metamórficas paraderivadas, compostas de granulitos alumino-magnesianos (Mp 30%, Opx 4%,  Qz 10-20%, Grt 10%, Sil 7%, Pl, 5%, Cd, 5%, Bt 3%), granulitos básicos (Pl 25-35%, Opx 20-30%, Cpx 15-20%, Hb 10-15%), quartzitos (Qz 95-90%, Grt 0-2%) e granitos granatíferos; b) rochas metamórficas ortoderivadas, subdivididas em granulitos tonalíticos (Pl 30-48%, Cpx 6-17%, Mp 0-5%, Qz 20-30%, Opx 8-18%) e granulitos charnoenderbíticos (Pl 35-48%, Qz 20-30%, Mp 8-15%, Opx 8-15%, Cpx 1-8%) os quais contêm enclaves máficos (Pl 45-50%, Hb 25-30%, Cpx 5-7%, Opx 5-10%) e ultramáficos (Opx  40-55%, Cpx 5-15%, Pl 2-5%), ambos granulitizados; c) corpos granitóides formados de meta monzo-sienogranito (Qz 35-45%, Mic 30-40%, Bt 15-20%, Pl 5%) e monzo-sienogranito (Qz 30-40%, Bt 15%, Mic 30-40%); e, d)  diques máficos metamórficos (Pl 24-45%, Hb 22-25%, Bt 15-24%, Qz 3-14%, Ti 2-10%, Cpx traços) e não-metamórficos (Pl 43-55%, Cpx 10-35%, Ol 2-10%, Op 1-15%, Hb 3-5%) (Fig. 2).

Com relação à tectônica, as rochas granulíticas da parte oeste do Alto de Salvador apresentam-se dobradas, foliadas e fraturadas, evidenciando vários estágios de deformações, tanto no estado dúctil, quanto rúptil.

Quanto às deformações dúcteis, pelo menos três fases foram observadas (Fig. 3): (a) a primeira é constituída por dobras fechadas a isoclinais, com planos axiais pouco inclinados e com lineação de estiramento mineral dip-slip, ainda preservada; (b) a segunda, que redobra a primeira, é exemplificada por dobras ora abertas ora fechadas com plano axial subvertical e com lineações strike-slip; e (c) a terceira, é representada por planos de cisalhamento dúcteis sub-verticais de cinemática sinistral.

 

 

Figura 2. Diagrama Q-A-P (Streckeisen 1978) para os litotipos do embasamento cristalino de Salvador.

 

Quanto às deformações frágeis verifica-se grande quantidade de fraturas com direções e inclinações variadas. Em algumas delas, mais antigas, encontram-se os corpos de monzo-sienogranitos e diques máficos.

 

 

Figura 3. Configuração 3D das diferentes fases de deformação dúcteis das rochas metamórficas de Salvador (Corrêa-Gomes et al., 2004, em preparação).

 

 

PETROQUÍMICA E CONCLUSÕES PARCIAIS

Os estudos petroquímicos, utilizando gráficos de discriminação, têm também confirmado a existência desse agrupamento litológico, sobretudo quando se utilizam os ETR, cujos padrões mostram um moderado fracionamento dos protólitos dessas litologias, com enriquecimento nos ETRL e depleção nos ETRP (Fig. 4). Analisando os espectros dos ETR para os granulitos tonalíticos e charnoenderbíticos (Fig. 4 a, b) pode-se notar um comportamento típico de magmas cálcio-alcalinos de baixo potássio, para o primeiro, e de magmas calcio-alcalinos normais, para o segundo. Quanto aos corpos granitóides a distribuição dos ETR confirma a existências dos dois tipos, antes referidos: o meta monzo-sienogranito mais pobre em ETR, e os monzo-sienogranito, o qual possui forte anomalia negativa de európio quando comparada com a do meta monzo-seinogranito (Fig. 4c).

 

 

Figura 4. Padrões de ETR para os granulitos tonalíticos (a), granulitos charnoenderbíticos  (b) e meta monzo-sienogranitos e sienogranitos (c) do embasamento cristalino da parte oeste de Salvador.

 

Analisando o diagrama A (Na2O + K2O)–F (FeOt)–M (MgO) (Fig. 5) verifica-se: (a) a confirmação  da filiação cálcio-alcalina para os diques máficos metamórficos (DM1), de acordo com o típico trend encurvado destes magmas e também a existência de fracionamento em direção ao vértice A (Na2O + K2O) e, (b)  a filiação tholeíitica para  os diques máficos não metamórficos (DM2), cujo trend retilíneo típico marca o enriquecimento em óxido de ferro. Finalmente, os resultados parciais do mapeamento têm mostrado que o embasamento cristalino de Salvador possui uma história geológica evolutiva complexa, com diversidade de litotipos metamórficos de médio e alto grau, amplamente deformados. Quanto, à natureza dos protólitos paraderivados, admite-se que os granulitos alumino-magnesianos são restitos de fusão de rochas pelíticas, enquanto que os granitos granatíferos representam os líquidos provenientes dessa fusão. Os granulitos básicos e quartzitos são produtos do metamorfismo de rochas basálticas e cherts.  Quanto aos protólitos ortoderivados, a petroquímica tem mostrado que os granulitos tonalíticos e charnoenderbíticos foram derivados de magmas calcio-alcalinos, com a diferença que os primeiros são de baixo potássio e os últimos, de alto potássio.

 

 

 

Figura 5. Diagrama A–F–M (Irvine & Baragar 1971) mostrando trend  encurvado para as amostras de diques metamórficos (DM1) e retilíneo para os não- metamórficos (DM2).

 

 

     Segundo Fujimori (1988) a granulitização da região atingiu a etapa pico nas condições de 7,5 – 9 kbar e 840-900 ºC, a qual está caracterizada, em algumas rochas, pela presença de biotitas vermelhas com contatos retos e textura poligonal, sobretudo em paragêneses onde o ortopiroxênio está em contato com minerais do tipo plagioclásio e clinopiroxênio. Concomitantemente, e no final desta granulitização, intrusões múltiplas de magmas sieníticos e tholeíiticos penetraram zonas de fraturas do embasamento cristalino de Salvador, processo que pode ser notado a partir de estruturas associadas aos corpos de monzo-sienograníticos e aos diques máficos metamorfizados. Outra geração de diques sieníticos e máficos também pode ser notada no embasamento desta cidade, mas com indícios de ser mais jovem e não-metamórfica. Apesar do pequeno número de dados geocronológicos pode-se inferir que os protólitos granulíticos são arqueanos (idade SHRIMP ± 2,5 Ga no centro de cristais de zircão de metatonalito) e a granulitização que os atingiu do Paleoproterozóico (idade SHRIMP ± 2,0 Ga na periferia dos cristais de zircão).

REFERÊNCIAS

Barbosa, J.S.F; Corrêa-Gomes, L.C.; Dominguez, J.M.L.; Cruz S.A.S.; Souza, J.S., 2004. Petrografia e litogeoquímica das rochas da parte oeste do Alto de Salvador, Bahia, (no prelo).

Barbosa, J.S.F. & Dominguez, J.M.L. (Eds.) 1996. Texto Explicativo para o Mapa Geológico ao Milionésimo. SICM/ SGM, Salvador, 400 p.

Celino, J.J. & Conceição, H. 1983. Granito porfiróide – evidência de magmatismo ácido tardio na faixa granulítica Atlântica, Salvador, Bahia. In: UFBA, Sem. Est. Pesq., 5, Bol. Res. p.30.

Corrêa-Gomes, L.C. 1992. Diques máficos: Uma reflexão teórica sobre o tema e o seu uso no entendimento prático da geodinâmica fissural. Dissertação de Mestrado, Instituto de Geociências, Universidade Federal da Bahia, 196p.

Corrêa-Gomes, L.C.; Barbosa, J.S.F.; Cruz, S.A.S. 2004. As deformações das rochas metamórficas da cidade de Salvador (em preparação).

Cruz, S.A.S.; Barbosa, J.S.F.; Corrêa-Gomes, L.C. 2004. Mapeamento Geológico do Embasamento Cristalino da cidade de Salvador-Bahia. In: XLII Congresso Brasileiro de Geologia, Araxá.

Fujimori, S. & Allard, G.O. 1966. Ocorrência de safirina em Salvador, Bahia. Bol. Soc. Bras. Geol. 15 (2):67-81.

Fujimori, S. 1988. Condições de P-T de formação dos granulitos do Farol da Barra, Salvador, Bahia, Brasil. Rev. Bras. Geoc. 18 (3): 339-344.

Jesus, V.F. 1978. Origem dos granulitos e granoblastitos de Itapoan. Dissertação de Mestrado, Instituto de Geociências, Universidade Federal da Bahia, 63p.

Mestrinho, S.S.P.; Linhares, P.; Carvalho, I.G. 1982. Geoquímica de um dique de diabásio da praia de Ondina. In: SBG, Congr. Bras. Geol. 32, Anais, p. 81.

Moraes Brito, C. 1992. Caracterização geológica, geoquímica e petrológica dos diques máficos proterozoicos da região de Salvador, Bahia. Dissertação de Mestrado, Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, IAG, 96p.

Sighinolfi, G.P. & Fujimori, S. 1974. Petrology and chemistry of diopsidic rocks in granulitis terrains from the Brazilian basement. Atti della Soc. Tosc. Di Sci. Natur., Serie A, LXXXI: 130.

Silva M.G. 1992. Evidências isotópicas e geocronológicas de um fenômeno de acrescimento crustal transamazônico no Cráton São Francisco, Estado da Bahia. In: SBG/Núcleo São Paulo, Congr. Bras. Geol., 37, São Paulo, Anais..., 2: 181–182.

Streckeisen, A. 1976. To each plutonic rock its proper name. Amsterdam. Earth Sci. Rev., 12: 1-33.

Tanner de Oliveira, M.A.F. 1970. Contribuição para o conhecimento petrológico de Salvador, Bahia, Brasil. Garcia de Orta, Lisboa. 18(1-4): 229-240.