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Metamorfismo progressivo de alta pressão do Grupo Araxá na região de Mairipotaba, GO

 

 

Navarro, G. R. B.1; Simões, L. S. A.2; Moraes, R.3; Zanardo, A.2

 

1. Pós-graduação, UNESP. grbnavarro@yahho.com.br

2. Departamento de Petrologia e Metalogenia, UNESP. lsimões@rc.unesp.br, azanardo@rc.unesp.br

3. Departamento de Mineralogia e geotectônica, Instituto de Geociências, USP. moraes@igc.usp.br

 

ABSTRACT

In the Mairipotaba region, GO, the Araxá Group is constituted by pelites and psamo-pelites, which present typical amphibolite facies mineral assemblages. Petrography indicates that metamorphic peak was attained within the staurolite + kyanite stability field with sillimanite (in form of fibrolite) crystallized late, as patches of needs replacing biotite, muscovite and garnet rims. Metamorphic conditions were calculated with THERMOCALC as 610 ºC and 9.5 kbar, which is in accordance with petrographic observations. Textural relationships also indicates that progressive metamorphism occurred crossing garnet, staurolite and kyanite with sillimanite, probably during cooling-decompression stage, what allows the inference of a clockwise P-T path, with a metamorphic field gradient steeper than barrovian type metamorphism. This kind of P-T path is typical of collisional tectonic settings.

 

Palavras-Chave: Faixa Brasília, Grupo Araxá, metamorfismo, termobarometria

Introdução

A Faixa Brasília representa importante unidade geológica no Brasil central, estendendo-se do sul de Minas Gerias, passando por toda extensão de Goiás e terminando no sul de Tocantins. Seguindo a compartimentação proposta por Fuck et al. (1994), a porção interna da Faixa Brasília na porção SW de Goiás é constituída pelo Grupo Araxá, Complexo Anápolis-Itauçu e pelo Arco Magmático de Goiás. O Grupo Araxá é dominado por xisto e quartzito, com ocorrências subordinadas de anfibolito, lentes de rochas ultramáficas e corpos intrusivos graníticos. A associação foi interpretada como representante de seqüência turbidítica associada a mélange ofiolítica (Drake Jr., 1980). Apesar de sua extensão e importância, os trabalhos sobre metamorfismo são poucos e, com poucas exceções, somente é citado que as condições variam entre as da Fácies Xisto Verde a Anfibolito e que o metamorfismo apresenta padrão invertido, com as rochas mais metamórficas no topo do pacote. Alguns trabalhos mais detalhados mostram que localmente o metamorfismo alcançou condições da Fácies Granulito ou Eclogito e também descrevem e caracterizam uma inversão metamórfica (Simões, 1995; Simões et al., 1988; Luvizoto, 2003). O objetivo do presente trabalho é contribuir com a caracterização das condições de metamorfismo do Grupo Araxá próximo a região de Mairipotaba, Goiás, onde além das rochas do Grupo Araxá, ocorrem gnaisses que podem ser associados ao Arco Magmático de Goiás (Pimentel et al., 2000a, b; Navarro et al., 2004).

 

Grupo Araxá, Mairipotaba (GO)

No Grupo Araxá foram individualizadas cinco unidades litológicas informais denominadas de norte para sul de A, B, C, D e E (Fig. 1). As unidades A e C são caracterizadas por (granada)-muscovita-biotita xisto, com intercalações ocasionais de quartzo-xisto e lentes de talco-xisto de espessura inferior a 50 m. A unidade B é caracterizada por associação de quartzito e granada-biotita-muscovita-xisto. A unidade D corresponde a faixa de rochas metaultramáficas constituída por talco-xisto, talco-clorita-xisto e serpentinito (Metaultramafitos Tipo Morro Feio; Rezende et al., 1999). A unidade E é caracterizada por granada-biotita-xisto, por vezes feldspático, e com camadas de paragnaisse.

Na porção norte da área aflora um corpo intrusivo sin-tectônico, agora representado por biotita-muscovita-ortognaisse e muscovita- ortognaisse, com ou sem granada, de composição tonalítica a granodiorítica, orientado no sentido E-W, denominado de Granito Mairipotaba e que pode ser relacionado ao conjunto de granitóides Tipo Aragoiânia (Rezende et al., 1999).

 

 

Figura 1.  Mapa geológico esquemático da área de estudo, mostrando a localização das amostras analisadas (círculos pretos)

 

A foliação principal Sn apresenta direção E-W e mergulhos médios para sul, estando disposta paralela ao bandamento composicional e aos contatos das unidades. A estruturação corresponde ao flanco sul de estrutura antiforme que ocorre na região. A foliação principal, Sn, é plana axial a dobras que afetaram o bandamento composicional. A S0 é marcada principalmente por variação na porcentagem de mica. Paralelamente a So é reconhecida foliação mais antiga (Sn-1) definida pela orientação preferencial de micas. Dobras Dn assimétricas cuja envoltória está em alto ângulo com Sn é observada mais facilmente ao microscópio, onde bandamento composicional milimétrico é marcado por variação na proporção de micas, as quais formam arcos poligonais nas charneiras das crenulações que têm Sn em posição plano axial. Porfiroblastos de granada e hornblenda apresentam trilhas de inclusões retas ou curvas que definem foliação interna (Si), interpretada como a foliação anterior (Sn-1) à xistosidade Sn. Fraturas espaçadas centimetricamente e micro-falhas são preenchidas por epídoto e sericita, são associadas à fase pós-Dn (Dn+1?).

Lineação de estiramento mineral com atitude WSW-ENE, de baixo ângulo de caimento, é marcada por mica e anfibólio. Lineação de interseção entre Sn e Sn-1 é paralela à lineação de estiramento.

Porfiroblastos de granada e hornblenda com sombras de pressão assimétricas, lentes sigmoidais de quartzo, foliação SC e, mais raramente, porfiroclastos de plagioclásio tipo s e d são os indicadores cinemáticos mais comuns e evidenciam transporte de topo para leste.

 

Metamorfismo

A maior parte das rochas presentes não são pelitos verdadeiros, pois apresentam fases ricas em Ca como minerais essenciais; apresentam paragênese típicas da Fácies Anfibolito, com rara estaurolita, mas com cianita e sillimanita (ambas em equilíbrio com biotita) distribuídas amplamente e estão restritas a níveis aluminosos. As seguintes associações minerais são comuns na região:

 

Quartzo (Qz) + Muscovita (Mv) + Granada (Gr) + Biotita (Bt) + Plagioclásio (Pl) + Epídoto (Ep);

Qz + Mv + Gr + Bt + Pl + Ep + Hornblenda;

Qz + Mv + Gr + Bt + Pl;

Qz + Mv + Gr + Bt + Estaurolita + Cianita + Pl;

 

Rutilo e ilmenita os óxidos mais comuns. A sillimanita (fibrolita) ocorre junto a borda da granada em duas amostras (A6 e MA-3-37) junto a quartzo, estaurolita, cianita, biotita e muscovita. As associações minerais são típicas da Fácies Anfibolito médio a alto e podem ser correlacionadas a estágio anterior ou inicial da principal fase deformacional de caráter dúctil (Dn). Retrometamorfismo é marcado por intenso crescimento de clorita sobre biotita e granada, por vezes substituindo boa parte dos grãos, e por grandes grãos de muscovita dispostos de forma aleatória sobre a foliação principal.

Na lâmina da amostra A6, é possível inferir a trajetória P-T da progressão do metamorfismo em virtude da sucessão de inclusões observadas em porfiroblastos de granada, onde do centro para a borda do grão são observadas inclusões de estaurolita, cianita e sillimanita (na forma de fibrolita), que definem a porção progressiva de trajetória P-T horária, típica de cinturões colisionais (England & Thompson, 1984). Em outra lâmina (A3), as inclusões de plagioclásio em porfiroblasto de granada indicam evolução de aquecimento semelhante, pois o conteúdo de anortita das inclusões aumenta do núcleo para a borda do porfiroblasto de granada, com valores variando de An5, bem próximos ao núcleo, aumentando gradativamente até An10 e daí para An20, marcando o hiato de miscibilidade da peristerita, com aumento gradativo até An35 próximo às bordas, que é a composição dos grãos da matriz.

Química Mineral e Termobarometria

Para a determinação das condições de pressão e temperatura do metamorfismo, foram selecionadas seis amostras de Mariripotaba, uma da região de Morrinhos (A7). Todas as soluções sólidas presentes foram analisadas na microssonda eletrônica. Todas as amostras analisadas pertencem à unidade E do Grupo Araxá. A tabela 1 apresenta o resumo das associações minerais observadas e utilizadas no cálculo das condições de P e T.

Granada apresenta perfil composicional com zonação discreta, e dominado pela molécula da almandina (Alm75-61), seguida por piropo (Prp17-05), grossulária (Grs17-03) e espessartita (Sps15-01); a zonação química é definida por leve aumento de Fe e Mg em direção às bordas e empobrecimento de Mn e Ca. Plagioclásio apresenta composição variando entre oligoclásio a andesina (An46-14), sem que ocorra zonação química concêntrica nos grãos, mas ocorrendo porções de composição diferente. O anfibólio é cálcico, sendo classificado como hornblenda ferro pargasítica. A biotita é solução sólida dominada pelos membros finais flogopita e annita, com XMg entre 0,60 e 0,40 e exibindo pouca variação no conteúdo de AlIV. Mica branca apresenta razão AlIV/AlVI 0,4 e 0,93 e razão XMg 0,3 a 0,6, podendo ser classificada como fengita.

 

Tabela 1. Associações minerais presentes nas amostras usadas para termobarometria. A localização das amostras é mostrada na figura 1

 

Amostras  - 

A1

A2

A3

A4

A5

A6

A7

Quartzo

X

X

X

X

X

X

X

Muscovita

X

X

X

X

X

X

X

Biotita

X

X

X

X

X

X

X

Granada

X

X

X

X

X

X

X

Estaurolita

 

 

 

 

 

X

 

Cianita

 

 

 

 

 

X

X

Sillimanita

 

 

 

 

 

X

 

Hornblenda

X

X

 

X

X

 

 

Plagioclásio

X

X

X

X

X

X

X

Epidoto

X

X

 

X

 

 

 

 

Os cálculos das condições de P-T do metamorfismo foram feitos com o programa THERMOCALC (Powell & Holland, 1994), usando-se a composição próxima das bordas dos grãos de granada e a composição mais representativa dos outros minerais presentes. Os resultados obtidos são mostrados na Tabela 2.

 

Tabela 2. Resultados das condições P e T do metamorfismo calculados com o THERMOCALC.

 

Amostra

T (ºC)

P (kbar)

A1

617 ± 28

10,3 ± 1,0

A2

603 ± 25

10,1 ± 0,9

A3

594 ± 07

9,1 ± 0,2

A4

610 ± 06

9,9 ± 0,9

A5

593 ± 20

8,3 ± 0,6

A6

610 ± 11

8,5 ± 0,7

A7

570 ± 19

8,5 ± 0,6

 

Na região de Mairipotaba a temperatura calculada está em torno de 610 ºC e pressão de 9,5 kbar, valores compatíveis com o campo de estabilidade da cianita e estaurolita. Na amostra A6, que apresenta cianita e sillimanita, os cálculos efetuados apresentam melhor resultado estatístico quando cianita é usada, ao invés da sillimanita, o que é compatível com as amostras que não apresentam aluminossilicatos e cujos cálculos produzem condições P-T no campo da cianita. Isso indica que o auge do metamorfismo ocorreu no campo de estabilidade da cianita e que a sillimanita observada nas amostras cresceu no estágio de descompressão e resfriamento durante a porção regressiva da trajetória P-T percorrida pela rocha na litosfera. Isso indica que mesmo apresentando série de fácies cianita-sillimanita, o gradiente do campo metamórfico do Grupo Araxá não é aquele típico de metamorfismo tipo barroviano, pois o gradiente apresenta razão P/T mais elevada (Fig. 2).

 

 

Figura 2. Grade petrogenética P-T mostrando o caminhamento metmórfico das condições de

P e T das rochas do Grupo Araxá na área de estudo.

Ky = cianita, Sill = silimanita, And = andaluzita,

 Grt = granada, Cld = cloritóide, Chl = clorita,

 Bt = biotita, AlSi = aluminosilicato, St = estaurolita

Conclusões

O Grupo Araxá na área de estudo foi submetido a metamorfismo regional associado a evento colisional. Os dados termobarométricos mostram que o pico metamórfico ocorreu a 610 ºC e 9,5 kbar (fácies anfibolito médio a superior), tendo atingido o seu ápice no campo da estabilidade da cianita, não sendo metamorfismo típico barroviano, pois apresenta razão P/T mais elevada. A trajetória P-T inferida é horária, compatível com ambiente colisional e semelhante às observadas em outras áreas da Faixa Brasília.

 

Referências

Drake Jr., A. A. 1980 Tectonic studies in the Brazilian Shield. The Serra de Caldas window, Goiás. USGS Professional Paper 1119 A/B, p. 1-11.

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Fuck, R. A.; Pimentel, M. M.; D`el Rey Silva; Luiz, J. H. 1994. Compartimentação tectônica na porção oriental da Província Tocantins. In: Congr. Bras. Geol., 38º, Camburiú. Bol. Res. Exp... Camburiú: SBG, 1: 215-216.

Luvizotto, G. L. 2003. Caracterização metamórfica das Rochas do Grupo Araxá na Região de São Sebastião do Paraíso. 192p. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio claro, São Paulo.

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