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ST4 - 01


A idade do supergrupo são francisco: revisão e IMPLICAÇÕES NAS GLACIAÇÕES NEOPROTEROZÓICAS

 

 

Babinski, M.

 

Centro de Pesquisas Geocronológicas, Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, Rua do Lago, 562, 05508-080 São Paulo – SP, Brasil. babinski@usp.br

 

 

Abstract

Absolute age determination in rocks from the Neoproterozoic São Francisco Supergroup, São Francisco Basin, has been matter of studies for more than forty years.  The main problems on obtaining accurate ages on these sedimentary rocks are related to their clastic origin, post-depositional alterations that affected them, and the lack of volcanic rocks which could provide very precise relative ages.  In this paper we aim to present a review of the absolute ages determined on the sedimentary sequence, and available in the literature, as well as to comment some of the interpretations given to these ages.  Finally, these ages will be discussed in the Neoproterozoic Glaciations scenario.

Palavras-chave: Geocronologia, carbonatos, glaciações, Grupo Bambuí, Bacia do São Francisco.

INTRODUÇÃO

A Bacia do São Francisco (Almeida, 1977) possui uma área de mais de 300.000 km2 que recobre os estados de Minas Gerais, Goiás e Bahia, e é representada pelas rochas do Supergrupo São Francisco que contêm registros de variações climáticas ocorridas no Neoproterozóico.  Os primeiros estudos geocronológicos feitos em rochas da bacia datam da década de 1960 (Amaral & Kawashita, 1967). Trabalhos regionais foram, posteriormente, realizados entre as décadas e 70 a 90 e sempre sugeriam idades neoproterozóicas para esta bacia, contudo havia divergências quanto à sua idade de deposição.  No final século passado, em função da grande divulgação científica feita por Hoffman et al. (1998) sobre a Teoria Snowball Earth, o problema vinculado à idade de deposição do Supergrupo São Francisco foi retomado de forma intensa, já que estes dados permitiriam a sua correlação com outras seqüências mundiais.  Além de estudos geocronológicos, muitos dados isotópicos de C e Sr foram obtidos nos carbonatos com a finalidade de verificar sua variação na água do mar ao longo do tempo geológico, o que poderia subsidiar possíveis correlações globais.


Contudo, estes dados não serão discutidos aqui, já que o objetivo é a apresentação de idades absolutas obtidas nas rochas do Supergrupo São Francisco.

 

A BACIA DO SÃO FRANCISCO

     As rochas que constituem a bacia são englobadas no Supergrupo São Francisco (Dardenne, 1978) que é composto por uma unidade basal constituída, principalmente, por diamictitos, tilitos e varvitos que representam o registro de um evento glacial na bacia.  Estas rochas glaciais receberam várias denominações locais: Fm. Jequitaí, Fm. Bebedouro, Fm. Carrancas, Grupo Macaúbas, etc. 

     O Grupo Bambuí (Dardenne, 1978), que recobre os depósitos glaciais, é composto por cinco formações, da base para o topo: Sete Lagoas (carbonatos), Serra de Santa Helena (pelitos), Lagoa do Jacaré (carbonatos), Serra da Saudade (pelitos) e Três Marias (arenitos e conglomerados).  Com exceção da Fm. Três Marias que apresenta uma discordância erosiva com as Fm. Serra da Saudade, os demais contatos entre as formações são, principalmente, gradacionais.

 


GEOCRONOLOGIA DOS DEPÓSITOS GLACIAIS

     Os primeiros idades disponíveis para os depósitos glaciais foram obtidos no estado da Bahia, por Macedo (1982) e Macedo & Bonhomme (1984), em amostras rocha total e de argilas, com tamanho menor que 2mm, retiradas da matriz.  As idades Rb-Sr isocrônicas obtidas nestas amostras variaram entre 932 ± 30 Ma e 570 ± 7 Ma, sendo que estas decrescem de oeste para leste, em direção à Serra do Espinhaço. Com base em idades, Macedo e Bonhomme (1984) concluíram que as idades mais antigas representariam épocas de diagênese tardia, e que o processo de deposição dos sedimentos da Fm. Bebedouro seria mais antigo que 932 ± 30 Ma, provavelmente há 960 Ma.  As idades mais jovens obtidas pelos métodos Rb-Sr e K-Ar, em minerais de argila, representariam idades de anquimetamorfismo causado pela orogênese Brasiliana.  Com o aprimoramento dos conceitos interpretativos de idades Rb-Sr em argilo-minerais (Clauer et al., 1996), ficou evidente que as idades poderiam representar a idade da fonte dos sedimentos ou mesmo idades de mistura de argilas detríticas e de argilas neoformadas durante a diagênese (ou processos pós-deposicionais).  Contudo, estas idades foram, até a década de 1990, consideradas como a idade de deposição dos sedimentos glaciais, o que conduziu alguns pesquisadores a sugerir uma discordância de mais de 300 Ma entre a deposição dos sedimentos glaciais e os carbonatos do Grupo Bambuí (ver Babinski, 1993 e Misi & Veizer, 1998).

     Outros dados radiométricos que poderiam fornecer a idade de sedimentação dos depósitos glaciais são indiretos.  Machado et al. (1989) dataram um sill de metadiabásio porfiróide, coletado na região de Pedro Lessa, MG, de colocação anterior à deposição das rochas do Grupo Macaúbas, e obtiveram uma idade U-Pb, em zircão e badeleíta, de 906 ± 2 Ma que corresponde à idade máxima de deposição das rochas do Grupo Macaúbas. 

     Idades máximas de sedimentação de 950 Ma, obtidas em zircões detríticos do Grupo Macaúbas, também foram publicadas por Buchwaldt et al. (1999) e Pedrosa-Soares et al. (2000).  Uma idade máxima de sedimentação de 875 ± 9 Ma foi recentemente obtida por Babinski et al. (2004) em zircões detríticos provenientes


da Fm. Bebedouro. Considerando os dados geocronológicos disponíveis, a idade máxima de sedimentação dos depósitos glaciais da Bacia do São Francisco é de 875 ± 9 Ma.

 

GEOCRONOLOGIA DAS ROCHAS DO GRUPO BAMBUÍ

     Os primeiros trabalhos geocronológicos da seqüência sedimentar que recobre as rochas glaciais foram feitos por Amaral e Kawashita (1967) em rochas pelíticas da região de Poço Verde, Vazante, MG, onde obtiveram uma idade isocrônica Rb-Sr de 600 ± 50 Ma.  Pelo fato destas amostras serem provenientes da região afetada pela tectônica da Faixa Brasília, a idade representa a época do metamorfismo.

     Um estudo sobre o índice de cristalinidade de ilitas de rochas da Fm. Sete Lagoas levou Bonhomme (1976) a afirmar que grande maioria das rochas havia sido afetada por eventos pós-deposicionais relacionados ao “Ciclo Brasiliano”.  Mesmo assim, uma idade isocrônica Rb-Sr de 619 ± 17 Ma foi obtida e interpretada como idade de diagênese tardia, ou seja, representaria a idade mínima de deposição.

     Thomaz Filho & Bonhomme (1979) também obtiveram idades Rb-Sr e K-Ar em rochas pelíticas da Fm. Sete Lagoas, na região de São Francisco, MG. No diagrama Rb-Sr, dois alinhamentos foram obtidos: um definido pelas amostras de rocha total mostrou idade de 695 ± 12 Ma; o outro, formado com amostras de frações finas (argilas) forneceu uma idade de 610 ± 9 Ma.  Estes dados foram reavaliados por Thomaz Filho et al. (1998) e as idades recalculadas foram 623 ± 27 Ma (rocha total) e 597 ± 9 Ma (frações finas).  Em função destes dados e, de acordo com a sua interpretação sobre a evolução geotectônica da bacia, Thomaz Filho et al. (1998) sugeriram que as rochas do Grupo Bambuí foram depositadas no intervalo de 640 a 580 Ma.

     Um trabalho regional foi realizado por Parenti Couto et al. (1981) em siltitos das formações Paraopeba  e Pirapora (Braun, 1988; equivalentes do Grupo Bambuí), e siltitos arcoseanos da Fm. Três Marias.  As idades isocrônicas Rb-Sr, obtidas em amostras de rocha-total, foram (i) 640 ± 15 Ma para a Fm. Paraopeba; (ii) 620 ± 40 Ma para a Fm. Três Marias e, (iii) 590 ± 40 Ma para a Fm. Pirapora.  Estas idades foram interpretaram como da época de deposição das rochas (Parenti Couto et al., 1981).


     Uma idade mais antiga para a deposição das rochas carbonáticas da base do Grupo Bambuí foi proposta com base em idades isocrônicas Pb-Pb (Babinski, 1993; Babinski et al., 1999).  Nestes estudos, foi obtida uma idade de 686 ± 69 Ma em carbonatos da parte superior da Formação Sete Lagoas, a qual foi interpretada como idade mínima de deposição, já que estes carbonatos mostravam feições típicas de processos pós-deposicionais tais como estilólitos, recristalização e dissolução carbonática.  Idades isocrônicas bem mais jovens, de cerca de 520 Ma, também foram obtidas por Babinski (1993) em carbonatos indeformados.  Contudo, frente às evidências de que fluidos do embasamento percolaram estas rochas, deixando inclusive sua assinatura isotópica em algumas rochas, estas idades foram interpretadas como a idade de um evento de percolação de fluidos em grande escala que afetou a parte sul da bacia.  Este evento foi posteriormente confirmado com dados paleomagnéticos (D´Agrella Filho et al., 2000) que indicaram que estas rochas sofreram remagnetização há ca. 520 Ma. 

     O evento de percolação de fluidos, embora ainda não bem entendido, também afetou a parte norte da bacia, no estado da Bahia, onde a Bacia do São Francisco recebe a denominação de Bacia do Irecê (Misi, 1979).  As rochas carbonáticas desta bacia, representadas pela Fm. Salitre, também foram remagnetizadas e suas idades Pb-Pb se mostraram mais jovens, ca. 520 Ma (Trindade et al., 2004).  Idades Ar-Ar de ca. 520 Ma (Cunha et al., 2003) obtidas em muscovitas associadas a mineralizações de sulfetos, hospedadas em rochas carbonáticas da Formação Caboclo, podem sugerir que este evento de fluidos também tenha participação em alguns dos processos metalogenéticos ocorrentes no craton.

     Provavelmente este evento de percolação de fluidos é que seja o responsável pela dificuldade de obtenção de idades de deposição nas rochas da Bacia do São Francisco.  O fato de que todas as idades obtidas na parte norte do cráton (Bacia do Irecê) sejam ca. 520 Ma, enquanto que as rochas da parte sul da bacia, em alguns locais, indiquem idades mais antigas, pode sugerir que o processo de percolação tenha sido mais intenso na região norte.  Contudo, esta é uma hipótese e, estudos em andamento, poderão nos fornecer mais dados para melhor elaborar esta idéia. 

     Poucas regiões da bacia parecem ter escapado dos processos pós-deposicionais.  Uma delas é representada pela pedreira Sambra, próximo a Sete Lagoas, MG.  Neste local os carbonatos ocorrem horizontalizados e apresentam estruturas originais de deposição (Peryt et al, 1990).  Estes carbonatos fornecerem uma idade isocrônica Pb-Pb de 740 ± 22 Ma (Babinski & Kaufman, 2003) que, em função da sua excelente preservação, foi interpretada como a idade de deposição (diagênese sensu strictu). 

    

CONCLUSÕES

Com base nos dados geocronológicos disponíveis para as rochas glaciogênicas que constituem a base da Bacia do São Francisco, é possível concluir que estas foram depositadas após 875 ± 9 Ma, idade obtida em zircão detrítico de tilitos da Fm. Bebebouro.  Contudo, esta idade não permite definir se estes depósitos equivalem à Glaciação Sturtiana ou a outras mais jovens (Kendall et al., 2004).

Considerando-se as idades disponíveis para os carbonatos da Fm. Sete Lagoas, e admitindo que a idade obtida em carbonatos de capa, com excelente preservação, seria a melhor alternativa para definir a idade de sedimentação destas rochas, a idade isocrônica Pb-Pb de 740 ± 22 Ma corresponderia à idade de deposição das rochas da Fm. Sete Lagoas.  Além disto, tendo em vista que carbonatos de capa depositaram-se logo após o degelo, é possível sugerir que as rochas glaciais da Bacia do São Francisco foram depositadas durante a Glaciação Sturtiana.

 

REFERÊNCIAS

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