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ST4 - 04


GEOLOGIA E GEOCRONOLOGIA DOS ORTOGNAISSES PALEOPROTEOZÓICOS DA BORDA MERIDIONAL DO CRÁTON DO SÃO FRANCISCO, ENTRE AS CIDADES DE NAZARENO E LAVRAS, SUL DE MINAS GERAIS.

 

 

Cherman, A.F.1 & Valença, J.G.2

 1. Museu Nacional, NM/UFRJ, Brasil angelica@geologia.ufrj.br

2. UFRJ, Brasil joel@geologia.ufrj.br

 

 

ABSTRACT

                                                                       

At the southernmost region of the São Francisco Craton, between the cities of Itumirim and Nazareno, a number of Paleoproterozoic bodies of felsic orthogneisses have been studied in detail. These are intrusive in rocks of the Barbacena Greenstone Belt (Neoarchean age). In this work, the results of the study of these orthogneisses are concerned with their field relationships, their geochonologic (Pb-evaporation zircon ages) and isotopic (Nd and Sr) features. The orthogneisses are referred to as two separate groups (it’s based on their field relationship): Old Orthogneisses (2,255 to 2,177 Ga) and Young Orthogneisses (2,116 to 2,100 Ga). The Old Orthogneisses are mostly granodiorites to tonalites, εNdT values between – 0,15 and – 8.10, TDM values between 2.49 and 3.03 Ga and geochemical signatures characteristic of pre-collisional granitoids. Whereas the Young Orthogneisses, are mainly, sienogranites and monzogranites, εNdT values between -.73 and – 6.90, TDM values between 2.44 and 2.87 Ga and are, geochemical, more akin to syn- to late- collisional granitoids. Overall, in that part of São Francisco Craton, where these investigation has been conducted, the petrogenesis and emplacement of the studied Paleoproterozoic felsic bodies of orthogneisses, together with other bodies of similar rocks, as well as on the spatially and temporally associated metagabbroic and metadioritic intrusives (ages 2.224 – 2.222 Ma and 2.131 Ma), are here interpreted as part of the Paleoproterozoic evolutionary history of what was named as the Mineiro Belt, of which some features of its development have been discussed in the plate tectonic context.

 

Palavras-chaves: geologia, geocronologia, ortognaisses, paleoproterozóicos

 

 

 


INTRODUÇÃO

      Na região entre as cidades de Itumirim e Nazareno (sul de Minas Gerais), corpos de metagranitóides (ortognaisses) félsicos, paleoproterozóicos e intrusivos em rochas vulcano-sedimentares do Greenstone Belt Barbacena (GBB, Pires, 1978, de idade neoarqueano), foram estudados, detalhadamente. Os estudos consistiram de trabalhos detalhados de campo e da investigação petrológica, geocronológica (evaporação de Pb em zircão) e isotópica (Nd e Sr). Sugere-se, para essa região, a separação desses ortognaisses, que variam de sieno-/monzogranitos a granodioritos/tonalitos, em dois grupos distintos: Ortognaisses Velhos e Ortognaisses Novos. Essa subdivisão se fundamenta nas relações de campo e, confirmados pelos dados geocronológicos.

      Antes de Cherman (2004), apenas 2 (duas) idades de corpos rochosos ortognáissicos intrusivos em rochas do GBB foram obtidas na área e/ou suas vizinhanças. Uma delas, relativa á intrusão Lavras, é de 1.982 Ma, obtida através do método Rb-Sr (Heilbron et al., 1989); e a outra, referente à intrusão Itutinga é inferida em 1.900 Ma (Noce et al., 2000). Desta maneira, em face à escassez de dados geocronológicos e isotópicos para as rochas desssa região, pode-se reconhecer o quão importante se torna o conhecimento mais amplo das idades de cristalização dessas e de outras rochas intrusivas no Greenstone Belt Barbacena.

 

GEOLOGIA DA ÁREA

 

Aspectos de Campo

      O trabalho baseou-se no detalhamento da vasta massa de ortognaisses associados, espacialmente, a rochas vulcano-sedimentares do GBB, localizada entre as cidades de Itumirim e Nazareno. Inicialmente de aparência de campo estruturalmente uniforme e homogênea formada de rochas gnáissicas, essencialmente félsicas, e de pegmatitos, representantes de um corpo rochoso único e indiviso, essa mesma massa de rocha, após detalhado mapeamento de campo (Mapa Geológico, Fig. 1), usando-se os critérios estruturais e relativos à presença ou não de relações de corta-corta entre os


 


 

Figura 1.  Mapa geológico da região entre as cidades de Lavras e Nazareno. Modificado de Cherman (2004). (1) rochas metamáficas, metaultramáficas e metasedimentares da Faixa Greenstone Barbacena, (2) Ortognaisses

Velhos, (3) rochas dioríticas (Diorito Rio Grande), (4) Ortognaisses Novos, e (5) rochas metassedimentares

da Bacia Andrelândia (neoproterozóica). Locais amostrados com dados geocronológicos e isotópicos:

Ortognaisses Velhos: (A) Itumirim; (B) Macuco de Minas; (C) Itutinga; (D) Nazareno, e

Ortognaisses Novos: (a) Pedreira de Itumirim; (b) Itimirim; (c) Macuco de Minas.



litótipos, veio a revelar ser constituída por, pelo menos, quatro gerações de metagranitóide. Essas gerações são reunidas e expressas pelos Ortognaisses Velhos (primeira, segunda e terceira gerações) e Ortognaisses Novos (quarta geração). Os dados estruturais observados nesses litótipos mostram a presença de uma foliação (Dn-1), posteriormente dobrada em Dn, igual à foliação encontrada nas rochas anfibolíticas e ultramáficas pertencentes ao GBB, e segue o trend estrutural NE-SW principal da área. Posteriormente, dados geocronológicos (evaporação de Pb em zircão) e isotópicos confirmaram a presença de dois grandes conjuntos de magmatismo félsico na região. 

 

Geocronologia

      O estudo geocronológico foi baseado na metodologia 207Pb/206Pb por evaporação de monocristal de zircão, no Laboratório ParaIso (UFPa). Para isso, foram selecionadas 10 (dez) amostras com o intuito de obter as idades mínimas de cristalização desses ortognaisses e, caracterizar e avaliar, cronologicamente, os dois grupos de rochas, propostos inicialmente, com base nas relações de campo. Desse total, 4 (quatro) amostras dos Ortognaisses Velhos estão representadas, e que forneceram as seguintes idades mínimas de cristalização (Tabela 1, Modificado de Cherman, 2004): 2.177 ± 4 Ma (Itumirim); ~ 2.200 Ma (Macuco de Minas); 2.202 ± 5 Ma (Itutinga), e 2.255 ± 6 (Nazareno).

      As amostras analisadas pertencentes aos Ortognaisses Novos foram, na sua grande maioria, coletadas próximas à cidade de Itumirim. No total, foram analisadas 6 (seis) amostras desse grupo: 4 (quatro) amostras, da Pedreira de Itumirim (a última é de um pegmatito); 1 (uma) amostra coletada próxima à entrada para a cidade de Itumirim e 1 (uma) amostra do metagranitóide porfirítico intrusivo no Ortognaisse Velho, localizado próximo a Macuco Minas. As idades mínimas (Tabela 1) obtidas foram (Cherman, 2004): 2.101 ± 8 Ma, 2.112 ± 7 Ma, ~ 2.110 Ma e ~ 2.100 Ma (Pedreira de Itumirim); ~ 2.110 Ma (Itumirim) e 2.116 ± 9 Ma ( Macuco de Minas). 

 

Geoquímica isotópica

      Os dados isotópicos (Nd e Sr) dos ortognaisses foram obtidos no Laboratório de Geocronologia da UnB, enquanto que os dados de Rb e Sr (em ppm) foram obtidos no Laboratório Acme Ltda. Os litótipos escolhidos para as  análises foram os mesmos coletados para a geocronologia, ou seja 4 (quatro) amostras referentes aos Ortognaisses Velhos e 6 (seis), referentes aos Ortognaisses Novos (Tabela 1).

Os resultados apontam a existência de uma diferença muito grande entre os valores de eNdt dos Ortognaisses Velhos. Esses valores variam de – 0,15 (Itumirim-A); -1,14 (Itutinga-C); -3,06 (Nazareno-D) e – 8,10 (Macuco de Minas-B) e essa diferença é


 


Amostra

Localização

Idade (Ma)*1

147Sm/144Nd

143Nd/144Nd (± 1s)

eNd (0)

εND(T)

TDM (Ga)

87Sr/86Sr

87Sr/86Sr(T) *2

Ortognaisses Velhos

A: Itumirim

 

2.177 ± 4

 

0.1257

 

0.511612+/-16

 

-20.02

 

-0.15

 

2.19

 

0.76055+/-7

 

-

B: Macuco de Minas

 

~ 2.200*3

 

0,1025

 

0,510860+/-19

 

-34,67

 

-8.10

 

2.86

 

0,73926+/-4

 

-

C: Itutinga

 

2.202 ± 5

 

0,1135

 

0,511373+/-16

 

-24,67

 

-1.14

 

2.31

 

0,70894+/-6

 

0.70164

D: Nazareno

 

2.255 ± 6

 

0,0954

 

0,510977+/-28

 

-32,41

 

-3.06

 

2.49

 

0,71418+/-7

 

0.70189

Ortognaisses Novos

a: Itumirim

2.101 ± 8

0.0902

0.510931+/-13

-33.30

-4.58

2.43

0.74518+/-13

0.70362

2.112 ± 7

0.0938

0.511060+/-6

-30.79

-2.88

2.33

0.72867+/-4

0.70212

~ 2.110*3

0.0870

0.511027+/-14

-31.43

-1.73

2.23

0.73191+/-9

0.70268

~ 2.100*3

0.0970

0.511133+/-20

-29.36

-2.48

2.29

0.74056+/-8

-

b: Itumirim

 

~ 2.110*3

 

0,1050

 

0,511016+/-23

 

-31,64

 

-6.90

 

2.68

0,87444+/-7

 

-

c: Macuco de Minas

 

2.116 ± 9

 

0,0913

 

0,510857+/-19

 

-34,73

 

-6.12

 

2.56

 

0,72671+/-13

 

0.70194

 

Tabela1.  Dados geocronológicos e isotópicos dos ortognaisses da região entre Itumirim e Nazareno. *1: Dados (207Pb/206Pb) geocronológicos obtidos no Laboratório Paraíso (UFPA); *2: Dados isotópicos obtidos no Laboratório de

Geocronologia da UnB; *3: Idades estimadas e usadas para recálculos isotópicos.

 

 

 

 

Figura 2. Diagramas de evolução dos Ortognaisses Velhos e Novos para a região entre Itumirim e Nazareno: (A) εNd  x T (Ga) e (B) εNd  x 87Sr/86Sr (i). DM – curva de crescimento do manto empobrecido segundo De Paolo (1981).

CHUR – Chondritic Uniform Reservoir



coerente e acompanha as idades de TDM, sendo o litótipo com características mais crustais, aquele com as idades mais antigas (ponto B). Com exceção desse último litótipo, as idades TDM dos Ortognaisses Velhos são muito parecidas com aquelas obtidas nos Ortognaisses Novos (Tabela 1 e Fig. 2a e 2b). O valor eNdt da amostra A é o mais baixo e se aproxima do valor de CHUR (Tabela 1), indicando fontes, quase que, mantélicas. Os demais litótipos apresentam valores de eNdt baixo a moderado negativo.

Os valores de eNdt são negativos para todos os litótipos pertencentes aos Ortognaisses Novos (Tabela 1). Contudo, a partir de uma análise mais detalhada dos valores de eNdt e do TDM obtidos para essas rochas, pode-se subdividir esse grupo em dois conjuntos distintos. O primeiro conjunto é composto pelas amostras da Pedreira de Itumirim (a), cujos valores de eNdt variam de –1,73 a –4,58, com idades modelos para as fontes (TDM) variando de 2.437 Ma a 2.624 Ma, respectivamente. O segundo conjunto possui valores mais negativos de eNdt: -6,12 (Macuco de Minas-c) e –6,90 (Itumirim-b); e idades mais antigas de TDM, 2.744 Ma e 2.871 Ma, respectivamente. Assim, existe uma coerência entre os valores de eNdt e de TDM, indicando um tempo de residência maior para os magmas, analisados nesses dois últimos litótipos. Em todas as amostras analisadas, assim como acontecem com os Ortognaisses Velhos, os valores negativos de eNdt indicam fontes crustais para todos esses magmas.

As razões iniciais de 87Sr/86Sr referentes aos litótipos estudados na área mostram valores muito baixos, em se tratar de rochas félsicas com altos teores de SiO2. As razões iniciais de 87Sr/86Sr dos Ortognaisses Velhos são mais baixos que àqueles encontrados nos Ortognaisses Novos (Tabela 1), apresentando valores variando entre 0,70164 a 0,70189 e 0,70194 a 0,70362, respectivamente para os dois conjuntos (Fig. 2b).

 

CONCLUSÕES

      O mapeamento geológico, em escala 1:50.000, na área entre as cidades de Lavras e Nazareno (Cherman, 1999 e Cherman, 2004), permitiu o reconhecimento de dois grandes eventos termo-tectônicos em diversos litótipos, de idades paleoproterozóicos. Com este estudo detalhado e a reunião dos dados pode reconhecer e distinguir, em uma vasta massa de granitóides, inicialmente indivisa, quatro gerações de magmatismo félsico aqui reunidos em dois conjuntos sob o nome de Ortognaisses Velhos e Ortognaisses Novos.

      Os Ortognaisses Velhos foram, logo, subdivididos por apresentarem uma foliação Dn-1 dobrada em Dn, enquanto que os Ortognaisses Novos apresentam, apenas, impressões da última fase de deformação (Dn).

      Dados petrológicos, geoquímicos (de rocha total e isotópicos) e geocronológicos trouxeram à luz a que esses dois conjuntos de ortognaisses têm composições graníticas a granodioríticas e, subordinadamente, tonatítica. O primeiro conjunto tem afinidade com granitos pré-colisionais e têm idades no intervalo de 2.255 a 2.177 Ma, enquanto que o segundo é sin-tarde tectônico e possuem idades em torno de 2.100 Ma. Ambos os conjuntos apresentam valores de εNdT negativos, indicando fontes crustais e valores muito baixos para as razões iniciais de 87Sr/86Sr. Todos esses litótipos de idades paléoproterozóicas estão relacionados ao Evento Termo-Tectônico Transamazônico e à evolução do Cinturão Mineiro (Teixeira, 1991).

 

AGRADECIMENTOS

      Aos professores Joel Valença (UFRJ), Ciro A. Ávila (MN/RJ) e Candido Moura (UFPa), pelo apoio nas atividades de campo e pelas discussões sobre a região; aos amigos geólogos Fabiano Couto, Aracy Senra e Rodrigo Peternel, pelo incentivo para o desenvolvimento desse trabalho. A FAPERJ e ao CNPq pelo apoio financeiro.

 

REFERÊNCIAS

Cherman, A.F. 1999. Geologia e Petrografia de áreas dos Greenstone Belts Rio Capivari – Rio das Mortes e Itumirim – Tiradentes e rochas granitóides associadas, entre Nazareno e Lavras (estado de Minas Gerais). Rio de Janeiro. 162p. Dissertação de Mestrado, Instituto de Geociências, UFRJ.

Cherman, A.F., 2004. Geologia, Petrologia e Geocronologia de Ortognaisses Paleoproterozóicos da borda meridional do Cráton do São Francisco, na região entre Itumirim e Nazareno, Minas Gerais. Rio de Janeiro. 259 p. Tese de Doutorado, Instituto de Geociências, UFRJ.

Heilbron, M.; Gonçalves, M.L.; Teixeira, W.; Trouw, R.J.A.; Padilha, A.V. & Kawashita, K. (1989) Geocronologia da área entre Lavras, São João del Rei, Lima Duarte e Caxambu, MG. Anais da Acad. Brasil. Ciênc. 61 (2): 177-199.
  

Noce, C.M.; Teixeira, W.; Quémenéur, J.J.G.; Martins, V.T.S.; Bolzachini, E. 2000. Isotopic signatures of Paleoproterozoic granitoids from the southern São Francisco Craton and implications for the evolution of the Transamazonian Orogeny. Journal of South American Earth Sciences, 13, 225-239.

Pires, F.R.M. 1978. The Archean Barbacena greenstone Belt in its typical development and the itabirite distribution at the Lafaiete District. Anais da Academia Brasileira de Ciências v.50: 599-600.

Teixeira, W. & Figueiredo, M.C.H. 1991. An outline of early proterozoic crustal evolution in the São Francisco Craton, Brazil: a review. Precambrian Research, 53:1-22.