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ST4 - 03


O GRUPO ANDRELÂNDIA NO SISTEMA DE NAPPES ANDRELÂNDIA ORIENTAL

 Campos Neto, M.C.; Basei, M.A.S.; Janasi, V.A.; Siga Jr., O.; Cordani, U.G.
Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, Brasil. camposnt@usp.br, baseimas@usp.br,
vajanasi @usp.br, osigajr @usp.br, ucordani@usp.br

ABSTRACT

Four lithostratigraphic units constitute the Andrelândia Group in the Eastern Andrelândia Nappe System, southern border of the São Francisco craton. The lower psammitic-pelitic sequences (Pacote-Moreiras Schist-Quartzite, Rio Capivari Schist) correspond to a transgressive depositional system with maximum depositional age of 670 Ma, as revealed by U-PbSHRIMP dating of a retroeclogitic metabasalt of MORB-type affinity. The upper two units (Santo Antonio Schist and Serra do Turvo Schist) correspond to a younger regressive system deposited in a flysch basin at ~630-610 Ma. The chemical and Sr-Nd isotope signature of the Santo Antonio Schist is indicative of weakly weathered young volcanic arc sources, with minor, if any, contribution from the São Francisco continent.

 Palavras-chaves: Andrelândia, estratigrafia, subducção-colisão, nappes, metamorfismo.

 

INTRODUÇÃO

     A extensão meridional do Sistema Orogênico Tocantins, na borda sul do Cráton do São Francisco, é caracterizada por um sistema de nappes, oriundo da colisão neoproterozóica entre a placa Sanfranciscana (margem passiva) e a placa Paranapanema (margem ativa). Os diferentes ambientes tectônicos desta pilha alóctone (Fig. 1) organizam-se, dos domínios internos (S.SW) aos externos (N.NE), nas estruturas: 1-espessa lasca (~15km) de crosta continental profunda representada por unidades granulito-granito-migmatíticas oriundas da raiz de arco magmático (Nappe Socorro-Guaxupé, 670-625 Ma); 2-domínio continental subductado representado pelas nappes granulíticas  e  metapelíticas do sistema de nappes Andrelândia (SNA); 3-domínio de provável margem continental passiva constituido pelo sistema de nappes Carrancas e Nappe Lima Duarte (Campos Neto, 2000; Campos Neto et al., 2004).

     As nappes são estruturas dúcteis sin-metamórficas, com colocação rúptil pós-metamórfica, onde o deslocamento agregado mínimo foi de 300 km. A cinemática sin-metamórfica define uma trajetória contínua e em arco anti-horário, com o topo transportado para E-NE no domínio interno, à N-NW no externo. Apesar de um padrão metamórfico geral invertido, esse sistema caracteriza-se por alóctones com distintos campos de gradientes metamórficos, delimitados nos contatos rúpteis de empurrão ou nas rampas

 

 


Figura 1.
Mapa do Sistema Orogênico Tocantins Meridional.

 

laterais, o que resulta em segmentos alóctones de distintas paleogeografias e  de distintos ambientes tectônicos sin-colisionais.

     A origem e constituição do sistema de nappes Andrelândia, setor oriental, são os objetivos deste trabalho.

 

TRAJETÓRIA CRUSTAL E IDADE DO METAMORFISMO

     São três os alóctones maiores que conformam o setor oriental do sistema de nappes Andrelândia (Fig.2): a Nappe Pouso Alto, superior (e klippen Aiuruoca, Carvalhos e Serra da Natureza), a Nappe Liberdade e a Nappe Andrelândia, inferior (Campos Neto, 2000; Trouw et al., 2000). A Nappe Pouso


 


 

Figura 2. Mapa Geológico Simplificado do Sistema de Nappes Andrelãndia Oriental.



Alto, mais interna, expõe rochas metapelíticas fácies granulito de alta-pressão (PT~830±35ºC, 15±0.7 kbar), associadas a  leuco-granito gnaisses. São rutilo-cianita-granada-mesopertita gnaisses cinza claros, com sillimanita dominando no topo da estrutura, que intercalam granada-aluminossilicato quartzitos, gnaisses calciossilicáticos e enstatita-dipsídio-granada-hornblenda gnaisses. A Nappe Liberdade constitui-se de uma seqüência dominantemente metapelítica, fácies anfibolito de alta-pressão (660±23ºC, 9,5±1,2 kbar), com restos de metabásicas retroeclogíticas (Omp-Grt-Qtz, PT~ 680ºC, 18 kbar), associadas a metaultramáficas. Ortognaisses migmatíticos constituem a infraestrutura paleoproterozóica (2,08-2,15Ga) desta nappe e predominam na sua retaguarda, em domínio de intensa anatexia neoproterozóica (Migmatitos Alagoa) e de intrusões de turmalina leucogranitos a duas micas (±granada). Seqüências metapsamíticas, entre metapelitos e metagrauvacas, constituem a Nappe Andrelândia, com pico metamórfico sob condições fácies anfibolito de alta-pressão (Santos et al., 2004; 660ºC/10,8 kbar na retaguarda, e 575ºC/11 kbar no front da estrutura).

     A idade de colocação desta pilha de nappes, registrada pela recristalização metamórfica estática da foliação-S2 sob fácies anfibolito de média-pressão, foi diacrônica e de crescimento frontal. Para a nappe granulítica a 612-615Ma, para os micaxistos e retro-eclogito da Nappe Liberdade a 600-610 Ma, enquanto que para granada-biotita xisto da Nappe Andrelândia a 591±12 Ma (dados Sm-NdGrt-RT, U-Th-PbMnz, U-PbMnz,U-PbZr-SHRIMP; Trouw & Pankhurst, 1993; Vlach et al.,1997; Janasi, 1999; Campos Neto et al., 2004). Idades Ar-ArBt são também diacrônicas: respectivamente 555±1,5Ma, 540-545Ma e 490-510Ma.


PILHA METASSEDIMENTAR E IDADE DA DEPOSIÇÃO

     Associações metassedimentares, regionalmente coerentes, mas distintas nas diferentes nappes deste sistema, configuram, aparentemente, diferentes zonas paleogeográficas de um sistema deposicional.

     Na Nappe Andrelândia, quatro unidades litoestratigráficas foram mapeadas e empilhadas em uma coluna com espessura aparente (ao longo da foliação metamórfica-S2) de até 2600m (Fig.3).

      A unidade basal é o Xisto-Quartzito Pacote-Moreiras (~ 450m) com base desconhecida. Consiste de uma alternância entre Grt-Ms-Qtz xisto e Mag-Ms quartzito (100-250m) sobre Ky-Grt-Ms-Bt-Qtz xisto com lentes de ortoquartzito. Os níveis psamíticos dominam a norte. O Xisto Rio Capivari (~400m), é a unidade metapelítica (Rt-Pl-Als-Grt-Ms-Bt xisto, com níveis mais ou menos quartzosos) que contém esparssas intercalações de lentes métricas de quarzito. O Xisto Santo Antonio (Trouw et al., 1983) é um pacote de Rt-Grt-Bt-Pl-Qtz xisto, com Als, cor cinza e estrutura homogênea, espesso entre 300 e 1000m. Possue intercalações de quartzito no topo e de raros gnaisses calciossilicáticos e Hbl-Bt gnaisses bandados. São rochas de afinidades químicas com wackes imaturos, oriundos de uma área-fonte jovem (Sm-NdT(DM) 1,2-1,6 Ga) e  submetidos a fraco intemperismo químico quando da deposição. A unidade superior, Xisto Serra do Turvo, atinge espessuras aparentes de 900m (topo desconhecido) e constitui-se de mica-quartzo xistos com rutilo, aluminossilicato e granada, espessos leitos locais (a norte) de Ms quartzito a Ms-Qtz xisto e com frequentes intercalações lenticulares de quartzitos (até 100 m).


 


 

Figura 3. Litoestratigrafia do Grupo Andrelândia e unidades correlatas.

 

 

 Os metassedimentos da Nappe Liberdade são dominantemente pelíticos (Rt-Pl-Als-Grt-Ms-Bt Xisto, mais ou menos rico em quartzo), onde são frequentes intercalações de: gnaisses calciossilicáticos (Tt-Ep-Grt-Cpx-Hbl-Pl gnaisses) alternados com Tit-Pl-Bt gnaisse, metabásicas e mármores impuros submétricos; Grt-Cpx-Qtz anfibolitos retroeclogíticos (espessos na dezena de metros), com quimismo de uma série basalto-toleítica tipo-MORB; rochas metaultramáficas; grafita xistos; quartzitos e Ms-quartzitos, além de níveis restritos de gonditos e de seqüência ferrífera (granada-grunerita fels). Lentes de Grt-Bt xisto (tipo-Santo Antônio) ocorrem localmente  com espessuras de poucos metros.

     Os metassedimentos da Nappe Pouso Alto e klippen relacionadas, correspondem, quimicamente, aos pelitos e  wackes das nappes subjacentes.

     Análise U-PbSHRIMP em cristais detríticos de zircão do Xisto Santo Antônio evidencia populações entre 950 e 630 Ma, com concentração a 700 Ma, similar ao resultado U-PbZr(convencional) de 675 Ma. São análises realizadas em xisto com Sm-NdTDM de 1,2 Ga e sob condições PT de 690ºC/11,8 kbar. Metabásica retro-eclogítica da Nappe Liberdade exibe um resultado U-PbSHRIMP concordante e bi-modal: 670 Ma e 500 Ma (o valor mais jovem provavelvemete resulta de ação hidrotermal).

     As rochas tipo-wackes (Xisto Santo Antonio) possuem áreas fontes identificadas com arcos magmáticos no Toniano (quebra continental?) e no Criogeniano/Neoproterozóico III (margem ativa da placa Paranapanema). Representam depósitos orogênicos tipo-flysch, sin-colisionais, com idade de sedimentação entre 630 e 610 Ma. A pilha pelítica da Nappe Liberdade, provável equivalente das unidades basais da Nappe Andrelândia, contém metabasaltos (670 Ma) provavelmente contemporâneos a sedimentação.

 

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES    

     O sistema de nappes Andrelândia estudado permite uma redefinição do Grupo Andrelândia em uma seqüência de 4 unidades litoestratigráficas com status de formação. Configura, inicialmente, um sistema deposicional transgressivo, de provável idade Fim-Criogeniana, representado pelo Xisto-Quartzito Pacote-Moreiras, pelo Xisto Rio Capivari (Nappe Andrelândia) e pelos pelitos (com as seqüências ferríferas e manganesíferas e magmatismo e ultrabásico) da Nappe Liberdade. Estes ultimos representariam seqüências distais em relação à margem Sanfranciscana e foram carreados a profundidades mantélicas (~ 65 km) por subdcção continental. Os wackes e pelitos da Nappe Pouso Alto deveriam, nestes estágios profundos de interação entre as placas Sanfranciscana e Paranapanema, estar sob a placa quente da margem ativa, atingindo as condições de fácies granulito de alta-pressão.

     A passagem dos metapelitos (criogenianos?) aos wackes mais jovens, representa o registro de uma drástica mudança à condições de sedimentação tectonicamente controlada pela acresção e avanço da borda da placa Paranapanema (orógeno interno) sobre a placa Sanfranciscana em subducção. Além destas mudanças de área-fonte e de condições de sedimentação, o Xisto Santo Antonio registra também um hiato temporal com a unidade basal. Sugere que a instalação da bacia flysch do Neoproterozóico III foi discordante sobre o antigo trato transgressivo e, com o avanço da colisão, tenha sido preenchida em um sistema deposicional regressivo (Xisto Santo Antonio e Xisto Serra do Turvo).      A rápida expulsão das nappes internas da zona de subducção, atestada pelas trajetórias metamórficas  de descompresão isotérmica, foi acompanhada pelo avanço da nappe frontal, permitindo que a estabilização diacrônica (de 615 a 590 Ma) do cisalhamento dúctil tenha se dado a profundidades de cerca de 30 km na crosta, já sob uma típica geoterma continental (~635ºC-7,5 kbar).

     As idades Ar-ArBt são compatíveis com o metamorfismo xisto verde baixo das unidades terrígenas, rudáceas e psamítico-imaturas (ca. 570 Ma, Teixeira, 2000) da bacia sucessora, instalada no interior do orógeno (Fms. Eleutério, Pouso Alegre e Pico do Itapeva). São unidades que resultam do retrabalhamento de rochas profundas, já exumadas, das diferentes nappes. Essas idades Ar-Ar não registram, portanto, o resfriamento do orógeno e sim a migração (de 555 a 500 Ma), em direção ao Cráton do São Francisco, de uma orogênese superimposta (a colisão da Faixa Ribeira do sistema orogênico Mantiqueira).

 

REFERÊNCIAS

Bittar, S.M.B., 1989. Mapeamento geológico-estrutural da Folha Caxambu e parte sul da Folha Luminárias. Dissertação(inédita), IGEO-UFRJ. Rio de Janeiro, pp. 226

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Trouw, R.A.J., Heilbron, M., Ribeiro, A., Paciullo, F., Valeriano, C.M., Almeida, J.C.H., Tupinambá, M. & Andreis, R.R., 2000. The central segment of Ribeira Belt. Tectonic Evolution of Sout America, Rio de Janeiro, 2000: 287-310.

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