INDEX
ST4 - 11


DADOS ISOTÓPICOS (U/Pb, Pb/Pb, Sm/Nd, Rb/Sr) DO PLUTONISMO PALEOPROTEROZÓICO DO CINTURÃO MINEIRO, PORÇÃO MERIDIONAL

DO CRÁTON SÃO FRANCISCO: IMPLICAÇÕES TECTÔNICAS

 

 

Teixeira, W.1; Avila, C.A.2; Cordani, U.G.1; Martins, V.T.S.1; Valença. J.3

 

1. Inst. Geociências, USP, Rua do Lago 562, SP (05508-080). Brasil. wteixeir@usp.br

2. Depto. de Geologia e Paleontologia, Museu Nacional, UFRJ, 20940-040, São Cristóvão, RJ, Brasil. avila@mn.ufrj.br

3. Depto de Geologia, Instituto de Geociências, UFRJ, 21949-900 - Ilha do Fundão, RJ, Brasil.

 

 

 

ABSTRACT
Isotopic studies were carried out on plutonic rocks in the central part of the Mineiro Belt, Southern São Francisco Craton. Two plutons intrusive into the Rio das Mortes and Nazareno greenstone belts yield U/Pb SHRIMP crystallization ages of 2189 ± 29 Ma e 2239 ± 25 Ma respectively, whereas a coeval granophyre gives a U/Pb age of 2221 ± 70 Ma. The Caburu amphibolite yields a U/Pb SHRIMP age of 2192 ± 6 Ma, interpreted to estimate the time of the metamorphism in this part of the belt. This rock shows
εNd(2.2) = -1.5 whereas the coeval Penedo amphibole yields εNd(2.2) Chur value, implying the important role of Paleoproterozoic magmas in their genesis. Nine mafic and felsic plutons show contrasting Nd and Sr signatures: i) four plutons of the Pre-arc phase (2.24 – 2.19 Ga) located southward of the Lenheiro shear zone show low negative εNd(2.2) values (-0.5 to -1.8) and 87Sr/86Sri between 0.7000-0.7056. They derived from Paleoproterozoic sources, predominantly juvenile magmas; ii) four plutons of the Arc phase (2.19 – 2.12 Ga) occur northward of this shear zone. They show εNd(T) values between -1.3 and -3.5 and TDM up to 2.72 Ga, indicating sources contaminated by Archean crust. From the above, we envisage the following scenario for the evolution of this part of the Mineiro Belt: i) precoceous rifting of the Paleoproterozoic lithosphere followed by intraoceanic arc development; ii) oceanic closure against the Archean passive margin foreland; iii) tectonic juxtaposition of the magmatic phases by crustal shortening along the Lenheiro structure.

 

 

Palavras-chave: Paleoproterozóico, Plutonismo, idades U/Pb, Cinturão Mineiro, Geoquímica isotópica.

 


A evolução pré-cambriana do Cráton São Francisco incluiu eventos arqueanos e paleoproterozóicos (acrescionários ou não), estes últimos associados à convergência de fragmentos neoarqueanos. Parte desses cinturões colisionais vincula-se a uma importante geração de crosta juvenil durante a orogênese Transamazônica (2,1 – 1,9 Ga) - (e.g., Teixeira et al., 2000; Barbosa & Sabaté, 2004). A porção sul do Cráton em especial, registra um mosaico de terrenos arqueanos policíclicos (3,2 - 2,5 Ga), constituídos essencialmente de gnaisses TTG, migmatitos, granitóides e greenstone belts. Durante o Paleoproterozóico, ao longo da extremidade meridional desse substrato continental, desenvolveu-se o Cinturão Mineiro - CM (Teixeira et al., 2000), ilustrado por rochas plutônicas e subvulcânicas de natureza cálcio-alcalina com idades radiométricas transamazônicas (essencialmente Rb/Sr); além de intrusões alcalinas e diques máficos (e.g., Noce et al., 2000; Ávila, 2000). O cenário transamazônico também ocasionou o metamorfismo de rochas do Supergrupo Minas no Quadrilátero Ferrífero, com pico temporal entre 2065 e 2035 Ma (idades U/Pb em monazita e titanita; Machado et al., 1992), dobramentos e falhas com vergência para NW impressos nas rochas dos Supergrupos Rio das Velhas e Minas, e o desenvolvimento de estruturas tardias resultantes do colapso orogênico do CM (Alkmim & Marshak, 1998). Idades K/Ar (micas e anfibólios) entre 2,1 e 1,9 Ga no substrato arqueano, apontam o período de soerguimento regional e estabilização transamazônica (Teixeira et al. 2000).

Noce et al. (2000) subdividiram os granitóides do CM em dois conjuntos isotópicos: 1) o que exibe idades Sm/Nd TDM arqueanas (3,07-2,62 Ga), valores de εNd(2,0) entre –11,0 a –3,8 e altas razões 87Sr/86Sri (0,710-0,758); 2) e plutons com idades Sm/Nd TDM paleoproterozóicas (2,43-2,27 Ga), valores de εNd(2,0)  entre –2,8 e +1,3 e baixas razões 87Sr/86Sri (0,702-0,704). Estas características isotópicas sugerem que a


 


 

 

Figura 1. Localização dos corpos plutônicos do Cinturão Mineiro, borda sul do Craton São Francisco: 1) Quartzo-monzodiorito Glória; 2) Diorito Rio Grande; 3) Diorito Brumado; 4) Gabro Rio Grande; 5) Gabro São Sebastião da Vitória; 6) Quartzo-diorito do Brito; 7) Gabro Vitoriano Veloso; 8) Diorito Ibituruna; 9) Tonalito/trondhjemito

Cassiterita; 10) Trondhjemito Tabuões; 11) Granitóide Ritápolis; 12) Granodiorito Brumado de Baixo; 13) Granodiorito Brumado de Cima e granófíricos; 14) Granitóide Tiradentes; 15) Granito Nazareno; 16) Granitóide Itumirim; 17) Tonalito Congonhas; 18) Granito Campolide; 19) Complexo Ressaquinha; 20) Gnaisse Granítico Fé; 21) Tonalito Alto Maranhão; 22) Granitóide Mama Rosa; 23) Granitóide do Lajedo. I. Rochas do substrato arqueano parcialmente retrabalhado no Paleoproterozóico. II. Greenstones belts Rio das Velhas (A) e Nazareno (B). III. Greenstone Belt Rio das Mortes; IV. Supergrupo Minas; V. Gabros, dioritos e granitóides Paleoproterozóicos; VI. Rochas metassedimentares:

 mega-sequências São João Del Rei (Paleoproterozóica), Carandaí (Mesoproterozóica) e Andrelândia

(Neoproterozóica).  VII. Falhas e zonas de cisalhamento associadas. Lv = Lavras; Sjr = São João

del Rei; Rtp = Ritápolis; Bc = Barbacena;  Cl = Conselheiro Lafaiete.


gênese desse segundo conjunto envolveu processos de subducção de crosta oceânica e underplating de magmas máficos. Estes autores, com base no contexto geológico regional, propuseram que a evolução do CM processou-se em três estágios: i- margem continental passiva (2,42 Ga); ii- margem tipo andina (2,20 a 2,10 Ga); iii- colisão continental (2,1 a 2,0 Ga). Alkmim & Marshak (1998) postularam para o CM que o consumo da crosta oceânica transcorreu de SE para NW, com a conseqüente formação de um arco magmático oceânico e posteriormente, a colisão deste arco com o antepaís. Recentemente, Alkmim (2004) expandiu a abrangência do CM, com base nas idades radiométricas de reaquecimento regional e evidências da deformação transamazônica em rochas arqueanas da porção sul do Cráton São Francisco.

Mapeamentos geológicos na porção central do CM, entre Lavras, Ritápolis e São João Del Rei (Figura 1), apoiados por datações por evaporação de Pb em zircão e por dados geoquímicos, revelaram a presença de rochas plutônicas com diversas composições mineralógicas e com as seguintes idades (Ávila 2000; Cherman 2004): corpos plutônicos máficos (2220 - 2131 Ma) e félsicos (2255 - 2101 Ma). Em adição, pelo menos dois pulsos metamórficos foram caracterizados neste setor do CM, com base em datações radiométricas Pb/Pb (em zircão), entre 2220 - 2170 Ma e 2131 - 2101 Ma. Tais idades, por sua vez, contrastam com o pico metamórfico no Quadrilátero Ferrífero, datado entre 2065 e 2035 Ma (ver acima).

O presente trabalho avança na compreensão evolutiva do CM, a partir da modelagem isotópica de onze novas análises Sm/Nd e cinco 87Sr/86Sr realizadas em corpos plutônicos e subvulcânicos da porção central do CM, apoiadas por determinações radiométricas U/Pb (SHRIMP e diluição isotópica). Em adição, foram estudados dois anfibolitos (Caburu, Penedo) do greenstone Rio das Mortes, cujas unidades litológicas admitem associação com unidades supracrustais paleoproterozóicas do Cráton (Ávila et al., 2004). Este greenstone belt, por sua vez, é balizado por falhas e zonas de cisalhamento (e.g., Lenheiro), em relação ao greenstone belt Nazareno, e está seccionado por vários corpos plutônicos, os quais contem xenólitos de anfibolitos. Os resultados obtidos são:

1) Quartzo-Monzodiorito Glória e Granodiorito Brumado de Cima: idades de cristalização U/Pb SHRIMP de 2189 ± 29 Ma e 2239 ± 25 Ma, respectivamente. O primeiro pluton é intrusivo no greenstone Rio das Mortes, localizado geograficamente ao norte da Zona de Cisalhamento do Lenheiro, enquanto o segundo intrude o greenstone Nazareno, situado ao sul da mesma zona de cisalhamento (Figura 1). Um granófiro também intrusivo no greenstone Nazareno e geneticamente associado ao Granodiorito Brumado de Cima tem idade U/Pb (diluição isotópica) de 2221 ± 70 Ma.

2) Anfibolito Caburu: tem idade U/Pb (SHRIMP) de 2192 ± 6 Ma, interpretada como decorrente da abertura do sistema isotópico do zircão no metamorfismo de fácies anfibolito inferior, tido como o evento mais antigo do paleoproterozóico desta porção do CM. Essa idade também corrobora a interpretação de que basaltos dessa unidade, metamorfisados e transformados em anfibolitos teriam idade de cristalização anterior aos corpos plutônicos intrusivos no mesmo (Quartzo-monzodiorito Glória: 2189 ± 29 Ma; Tonalito/Trondhjemito Cassiterita: 2162 ± 10 Ma; Diorito Brumado: 2131 ± 4 Ma; Granitóide Ritápolis: 2121 ± 7 Ma). O anfibolito Caburu (encaixante dos plutons Cassiterita, Brumado e Ritápolis) tem εNd(2,2) = -1,5 e o anfibolito Penedo (encaixante do Glória e também do Ritápolis) tem εNd(2,2) = zero (valor Chur). Estes valores de εNd(T) revelam que os magmas do greenstone Rio das Mortes derivaram-se predominantemente de fontes paleoproterozóicas juvenis vinculadas à evolução do CM, não contaminados por componentes arqueanos reciclados. A propósito, Toledo (2002) advoga que esses anfibolitos teriam gênese assemelhada a dos basaltos de plateaus oceânicos, porém formados em ambiente intraplaca. Um outro anfibolito, que aflora na Ferrovia do Aço (greenstone Nazareno), tem gênese semelhante, conforme sugerido pelo seu εNd(2,2) = -1,0. Contudo, os plutons intrusivos neste greenstone belt apresentam valores de εNd(T) comparativamente mais negativos indicando derivação de fontes paleoproterozóicas contaminadas por componentes arqueanos.

3) os corpos plutônicos máficos e félsicos definem dois conjuntos isotopicamente distintos: i) os plutons Brito, Brumado de Cima, Brumado de Baixo e Lagedo, situados ao sul da Zona de Cisalhamento do Lenheiro, interpretados como da etapa evolutiva inicial do CM com idades entre 2,24 e 2,19 Ga (esta última, idade mínima de cristalização), exibem valores de εNd(2,2) pouco negativos entre -0,5 e -1,8 e baixas razões 87Sr/86Sri (0,7000-0,7056). Esses parâmetros isotópicos combinados com suas idades Sm/Nd TDM comparáveis (entre 2,52 e 2,64 Ga) sugerem forte contribuição de magmas paleoproterozóicos com pouca contaminação por materiais de curta vivência crustal; ii) quatro outros plutons distribuídos ao norte desta zona de cisalhamento, considerados da “Fase Arco” (idades radiométricas entre 2189 ± 29 Ma a 2131 ± 4 Ma), exibem valores de εNd(T) com tendência mais negativa entre -1,3 e -3,5 (Cassiterita, Brumado, Fé, Glória). Esses dados em conjunto com a variação de suas idades TDM (2,47; 2,63; 2,68 e 2,72 Ga) sugerem maior interação genética com componentes arqueanos relativamente ao outro conjunto. Este comportamento isotópico aponta para um cenário de aproximação com o substrato continental primitivo a norte. O pluton Ritápolis (2121 ± 7 Ma; Fase Colisional?) situado neste mesmo bloco tectônico à norte da falha do Lenheiro tem εNd(T) = -2,0 (TDM = 2,51 Ga), enquanto que o Granitóide Mama Rosa tem origem crustal (TDM de 3,07 Ga e εNd(2,1) = -6,0), compatível com magmatismo intraplaca. De outra parte, a modelagem de todo o conjunto plutônico estudado para T= 2,0 Ga permitiu diferenciá-los geneticamente em relação aos plutons mais jovens, anteriormente datados por Noce et al. (2000), reforçando tratar-se de pulsos magmáticos tectonicamente dissociados – muito embora o controle geocronológico destes seja essencialmente pelo método Rb/Sr.

Em conclusão, a avaliação integrada dos dados revela que a Zona de Cisalhamento do Lenheiro baliza plutons de gênese e conotação tectônica distinta, em parte precedente à orogênese Transamazônica. A evolução inicial do CM envolveria a ruptura (Fase Pré-Arco) da litosfera oceânica paleoproterozóica, seguida do desenvolvimento de um arco acrescionário (intraoceânico). Tal interpretação é coerente com a assinatura isotópica de Nd obtida para as rochas do greenstone belt Rio das Mortes, que é compatível com uma gênese em litosfera oceânica distante de contribuições de material continental. A partir do consumo da litosfera oceânica e paulatina aproximação deste arco da margem passiva do antepaís ocorreu o conseqüente incremento da contaminação crustal das fontes magmáticas, simbolizado isotopicamente por assinatura de Nd gradativamente mais negativas no plutonismo. Esta dinâmica levou à justaposição dos dois conjuntos plutônicos em associação com processos metamórficos regionais há cerca de 2220 - 2170 Ma e 2131 - 2101 Ma. Não obstante, a porção oriental do CM foi palco de novo pulso plutônico, durante o Transamazônico (e.g., Trondjemito Alto Maranhão com idade U/Pb de 2124 ± 7 e εNd(T) = +1,3. Noce et al., 2000), além de processos tectônicos associados (e.g. metamorfismo regional no Quadrilátero Ferrífero entre 2065 e 2035 Ma). Em função do exposto, propõe-se preliminarmente o termo Província Sul-Mineira para o domínio crustal paleoproterozóico envolvido pelos processos evolutivos do CM e seus reflexos tectônicos.

 


Referências

Alkmim, F.F., 2004. O que faz de um Cráton um Cráton? O Cráton São Francisco e as revelações Almeidianas ao delimitá-lo. In: Mantesso-Neto, V.; Bartorelli, A.; Carneiro, C.D.R; Brito-Neves, B.B. (orgs.). In: Geologia do Continente Sul-Americano: Evolução da obra de Fernando Flávio Marques de Almeida. SP, p. 17-35.

Alkmim, F.F. & Marshak, S., 1998. Transamazonian orogeny in the southern São Francisco Craton region, Brazil: evidence for Paleoproterozoic collision and collapse in the Quadrilátero Ferrífero. Prec. Research, 90: 29-58.

Avila, C.A., 2000. Geologia, petrografia e geocronologia de corpos plutônicos paleoproterozóicos da borda meridional do Cráton São Francisco, região de São João Del Rei, MG. RJ. 401p. (Tese Dr., UFRJ).

Ávila, C.A.; Teixeira, W.; Pereira, R.M., 2004. Geologia e petrografia do Quartzo Monzodiorito Glória, Cinturão Mineiro, porção sul do Craton São Francisco, MG. Arq. Mus. Nac. 62 (1): 83-98.

Barbosa, J.S. F. & Sabaté, P., 2004. Archean and Paleoproterozoic crust of the São Francisco Cráton, Bahia, Brazil: geodynamic features. Precambrian Research, 133: 1-27.

Cherman, A.F., 2004. Geologia, petrografia e geocronologia de ortognaisses paleoproterozóicos da borda meridional do Cráton do São Francisco, na região entre Itumirim e Nazareno, MG. RJ. 259p. (Tese Dr., UFRJ).

Machado, N.; Noce, C.M.; Ladeira, E.A.; Belo de Oliveira, O., 1992. U-Pb geocronology of Archean magmatism and proterozoic metamorphism in the Quadrilátero Ferrífero, southern São Francisco craton, Brazil. Geological Society of America Bulletin, 104(9):1221-1227.

Noce, C.M.; Teixeira, W.; Quéméneur, J.J.G.; Martins, V.T.S.; Bolzachini, E., 2000. Isotopic signatures of Paleoproterozoic granitoids from the southern São Francisco Craton and implications for the evolution of the Transamazonian Orogeny. J. South Am. Earth Sciences, 13(2):225-239.

Teixeira, W.; Sabaté, P.; Barbosa, J; Noce, C.M.; Carneiro, M.A., 2000. Archean and Paleoproterozoic Evolution of the São Francisco Craton, Brazil. In: Cordani, U. G.; Milani, E. J.; Thomaz Filho, A.; Campos, D. A. (eds.). Tectonic Evolution of South America. RJ, p. 101-137. (Intern. Geol. Congress, 31. Special Publication).