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ST8 - 02


O SISTEMA AQÜÍFERO URUCUIA

 

 

Gaspar, M.T.P. & Campos, J.E.G.

 

Instituto de Geociências, UnB, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Brasília - DF.
mgaspar@unb.br, eloi@unb.br

 

ABSTRACT

 

The Urucuia Aquifer System (UAS) represents an association of groundwater reservoirs that occur in fluvial aeolian sandstones of the Urucuia Group, fanerozoic coverage of São Francisco Craton. The area extends for 86.000 km² from the south of Piauí to the northwest of Minas Gerais, but the largest expression in area is related to the west of Bahia state. The average saturated thickness varies from 80 to 460 meters. It presents a longitudinal axis that divides the groundwater flow for west and east. To west of the divisor there is a fast fall of the potentiometric surface, characterized by the presence of deep static levels, reaching up to 180 meters in the south part of aquifer, and more than 220 meters of depth in the north portion. The available data allows the division of UAS in 4 compartments: regional unconfined aquifer, perched aquifer, confined aquifer, and deep unconfined aquifer. The hydrodynamic parameters are: specific capacity of the wells from 20 to 48 m3/h/m, transmissivity from 10-4 to 10-6 m2/s, hydraulic conductivity from 10-5 to 10-7 m/s, effective porosity between 14 to 20% and storage coefficient from 15 to 10-2 (unconfined aquifer) and of 10-4 (confined aquifer). The permanent water reserves are of the order of 33.75 x 10¹¹ m³, while the regulators reserves about 31.42 x 109 m³/year.

 

Palavras-chave: Aqüífero, Grupo Urucuia, oeste baiano, parâmetros hidrodinâmicos, reservas.

 

 


INTRODUÇÃO

O Aqüífero Urucuia tem sua denominação relacionada ao Grupo Urucuia, unidade geológica Eocretácea, composta por arenitos eólicos e fluviais, pertencentes à Bacia Sanfranciscana, cobertura fanerozóica do Cráton São Francisco. Sua área de ocorrência é distribuída principalmente no oeste do Estado da Bahia, estendendo-se desde o extremo sul do Piauí até o noroeste de Minas Gerais (Fig. 1).

É um manancial subterrâneo de grande importância estratégica frente às crescentes demandas de água para projetos de irrigação na fronteira agrícola do oeste da Bahia; assim como, pela sua função de regulador dos afluentes dos rios Corrente e Grande, que representam um importante aporte de contribuição para a regularização da vazão do rio São Francisco.

A exploração do aqüífero Urucuia no oeste do estado da Bahia se dá por meio de poços tubulares profundos, sobretudo para a utilização em pivôs centrais nas culturas irrigadas de café, algodão, arroz e frutas, e para abastecimento humano. Suas águas explotadas em poços tubulares profundos com vazões superiores a 600 m³/h são de excelente qualidade para a irrigação, abastecimento público e outros usos.

Apesar de sua importância, poucos estudos foram realizados no âmbito desse aqüífero. Estudos

 

 


Figura1.
Mapa de localização do Sistema

Aqüífero Urucuia (SAU).

 

com enfoque local foram desenvolvidos pela Superintendência de Recursos Hídricos da Bahia (SRH-BA), Universidade Federal da Bahia (UFBA) e trabalhos de consultoria técnica nas bacias dos rios das Fêmeas e dos Cachorros, afluentes do rio Grande.   Esses estudos buscaram obter informações técnicas para suprir a carência de dados que servissem de base para a concessão de outorgas de direito de uso das águas e com isso racionalizar o uso da água para irrigação na região.

Alguns trabalhos dessa parceria referente às pesquisas do aqüífero Urucuia e mananciais superficiais do oeste da Bahia foram publicados recentemente, dentre os quais: Schuster et al. (2002); Ramos & Silva (2002); Silva et al. (2002); Aquino et al. (2002); Santana et al. (2002), Amorim Junior (2003) e ainda SRH-BA (2003).

Dessa forma, este trabalho busca apresentar os resultados preliminares adquiridos de uma pesquisa de caráter regional no aqüífero Urucuia, com a caracterização dos subtipos de aqüíferos existentes no sistema, condições de fluxo, seus parâmetros hidrodinâmicos e reservas hídricas.

Os procedimentos e metodologia utilizados para a obtenção dos resultados incluíram: delimitação da área do aqüífero por meio da avaliação do mapa geológico da região; obtenção dos parâmetros hidrodinâmicos e condições de fluxo por meio da avaliação de perfis de poços tubulares profundos, ensaios de bombeamento; estimativa da espessura das rochas por meio de levantamento geofísico preliminar, e espessura saturada estimada com base nos resultados da pesquisa de Amorim Junior (2003) realizados na bacia do rio das Fêmeas; avaliação das condições da área de recarga do sistema aqüífero, em função dos diferentes usos dos solos.

 

DEFINIÇÃO DO SAU

O Sistema Aqüífero Urucuia (SAU) é aqui proposto como denominação para o conjunto de aqüíferos que ocorrem no domínio Grupo Urucuia, abrangendo a Sub-Bacia Urucuia definida por Campos & Dardenne (1997) como a parte setentrional da compartimentação da Bacia Sanfranciscana, a qual representa a parte contínua, mais espessa e representativa do Grupo Urucuia.

Esse grupo constitui-se de uma unidade geológica sedimentar, disposta na forma de um tabuleiro espesso, constituída de quartzo arenitos e arenitos feldspáticos eólicos bem selecionados, com presença de níveis silicificados, e em menor proporção níveis conglomeráticos. Em quase toda a sua extensão o SAU está sotoposto ao conjunto de rochas pelito-carbonáticas do Grupo Bambuí, que representa um excelente aqüífero de natureza cárstica, nos estados da Bahia, Goiás e Minas Gerais.

Na parte norte o SAU apresenta-se sobreposto às rochas da bacia paleozóica do Parnaíba.

O SAU estende-se por uma área de aproximadamente 86.000 km², sendo que a sua maior expressão em área e volume ocorre no oeste da Bahia, na região do chapadão do oeste baiano. Sua área neste caso corresponde a toda sua porção contínua a norte do rio Carinhanha, visto que ao sul deste rio as ocorrências das rochas do Grupo Urucuia são descontínuas e menos espessas, não compondo um sistema aqüífero individual.

Sua espessura saturada média varia de 80 a 460 m. Os valores médios das espessuras saturadas foram tomados a partir dos resultados dos levantamentos geofísicos apresentados por Amorim Junior (2003), uma vez que nenhum poço até então perfurou por completo toda a estratigrafia do Grupo Urucuia.

O SAU apresenta um eixo divisor longitudinal de fluxo na borda oeste do chapadão, que divide o sentido do fluxo do aqüífero para leste e oeste, atestado por Amorim Junior (2003) em levantamentos geofísicos com uso de sondagens elétricas verticais (SEVs) e polarização elétrica induzida (IP), assim como pela observação dos níveis estáticos dos poços em toda a extensão do aqüífero.

À oeste do divisor os níveis estáticos são mais profundos, chegando a mais de 120 metros na parte meridional do aqüífero, como atestado em poços na região de Vila Rosário. Alguns poços perfurados pela CERB na parte norte também confirmaram tal compartimentação, como um poço de 220 metros de profundidade perfurado próximo ao posto fiscal da divisa entre Barreiras e Dianópolis e outro de 185 metros de profundidade próximo da divisa entre Barreiras e Taguatinga (TO) que não chegaram a atingir o nível estático.

A recarga desse sistema aqüífero ocorre por infiltração da água das chuvas na área do chapadão do oeste baiano. Essa morfologia do relevo é de fundamental importância para a recarga do aqüífero, que corresponde aos relevos mais planos e elevados, onde ocorrem espessos latossolos de textura média e arenosa, provenientes dos próprios arenitos subjacentes.

Ensaios de infiltração nesses solos revelaram valores médios de condutividade hidráulica vertical (Kv) em torno de 10-4 m/s em superfície e 10-6 m/s em sub superfície. Valores menores de 10-7 m/s foram obtidos nos ensaios realizados em pastos, estrada não-pavimentada, área de reflorestamento e cultura de soja ou em perfil de solo com textura argilosa.

 

subtipos de aquíferos e condições de circulação

O SAU observado sob o ponto de vista geológico e regional, mostra-se como um manancial subterrâneo poroso e isotrópico. Embora o Grupo Urucuia seja uma unidade homogênea e com pouca variedade de litotipos, pequenas e restritas variações faciológicas nessa unidade conferem ao sistema aqüífero importantes mudanças hidrodinâmicas que permitem a compartimentação em subtipos de aqüíferos.

Os dados disponíveis admitem a compartimentação do SAU em 4 domínios (Fig. 2):

I -    Aqüífero livre regional: fluxo de base alimenta a rede de drenagem diretamente. O nível estático é variável;

II -   Aqüífero suspenso local: desenvolvido em função da presença de níveis silicificados rasos, com fluxo de base contribuindo para a rede de drenagem;

III - Aqüífero confinado: condição de artesianismo controlada pela presença de níveis silicificados mais profundos, alguns funcionam como aquitardes. São comuns na região próxima à sede de Luis Eduardo Magalhães (BA). O nível estático médio na região é de 20 metros;

IV - Aqüífero livre profundo: contexto que inclui o divisor da bacia hidrogeológica, com uma acentuada queda da superfície potenciométrica na direção oeste. Os poços perfurados à oeste desse divisor apresentam níveis estáticos profundos (>100m), podendo atingir mais de 200 metros.

A superfície potenciométrica na parte oeste, limite físico do chapadão, alimenta nascentes na base da chapada, e alimentam os rios da região cárstica de Goiás.

Níveis silicificados ocorrem a profundidades variáveis. Na região de Luis Eduardo Magalhães esses níveis estão situados entre 40 e 100 metros, enquanto que na bacia do rio Arrojado esses níveis descontínuos ocorrem em cerca de 100 metros de profundidade.

Os dados de parâmetros dimensionais existentes são sumariados da seguinte forma: capacidade específica dos poços variando de 20 a 48 m3/h/m, transmissividade com variação de 10-4 a 10-6 m2/s, condutividade hidráulica da ordem de 10-5 a 10-7 m/s, porosidade efetiva de cerca de 14 a 20% e coeficiente de armazenamento de 15 a 10-2 (aqüífero livre) e de 10-4 (aqüífero confinado).

 

REservas hídricas

O cálculo das reservas hídricas para o SAU neste trabalho pretende propor uma estimativa preliminar do volume de água armazenado nessas rochas, com vistas a avaliar a potencialidade desse sistema e auxiliar em seu processo de gestão. Portanto, os parâmetros como área do sistema (A), oscilação anual do nível estático (Δh), porosidade efetiva (ηe), espessura saturada do aqüífero (b) utilizados no cálculo das reservas são valores médios, obtidos de cadastros da CERB, estudos da SRH-BA, consultorias e de conhecimentos de campo. Os critérios de estimativa da área do SAU para efeito dos cálculos das reservas hídricas são: exclusão de áreas descontínuas de afloramento do Grupo Urucuia, na forma de morros isolados que ocorrem ao longo de toda a borda oeste e leste do chapadão central; exclusão das áreas de ocorrência do Grupo Urucuia ao sul do rio Carinhanha e na região das sedes dos municípios de São Desidério e Baianópolis, uma vez que a espessura dessa unidade nessas regiões é restrita, com predomínio do aqüífero cárstico representado pelas rochas do Grupo Bambuí.

A área considerada para os cálculos das reservas inclui, portanto, apenas a Sub-Bacia Urucuia, excluindo as áreas mencionadas anteriormente, o que totaliza 77.600 km².

As reservas permanentes de água (Rp) são da ordem de 337 x 1012, considerando uma espessura saturada média de 290 metros e porosidade efetiva (ηe) de 15%. A porosidade efetiva de 15% foi adotada por analogia com sedimentos eólicos similares (Araujo et al., 1995). No cálculo da reserva permanente considerou-se apenas o volume de saturação do aqüífero livre, uma

 


Figura 2
. Modelo esquemático dos subtipos de aqüíferos presentes no Sistema Aqüífero Urucuia (SAU). Perfil composto de uma seção EW e NS. Linha tracejada representa a superfície potenciométrica regional


vez que, o volume de água sob pressão no aqüífero (com conhecimento atual), é comum à região da cidade de Luis Eduardo Magalhães.As reservas reguladoras (Rr) do SAU calculadas com base numa oscilação do nível estático (Δh) da ordem de 2,7 metros e ηe = 15% foram estimadas em 314 x 1010 m³/ano, que representa o potencial renovado anualmente pela recarga direta das chuvas.

 

considerações finais

As características e potencialidades apresentadas conferem ao SAU uma fonte estratégica de água para abastecimento público e projetos de irrigação. Merece atenção especial em função de sua importância como regulador das vazões do rio São Francisco no período de recessão das precipitações.

Na região de recarga do SAU, atenção especial deve ser dada ao risco de poluição, principalmente nas áreas de uso agrícola intensivo e zona não saturada pouco profunda.

A continuidade dos trabalhos no SAU deve ser de âmbito regional, para o conhecimento das feições regionais e deve contemplar estudos isotópicos, com vistas à datação das águas; geofísicos, para definição mais precisa das espessuras totais e saturadas; e, de vulnerabilidade a contaminação, (para caracterizar o risco efetivo a poluição das águas sob os diversos tipos de uso e ocupação da região).

 

REFeRÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Amorim Junior, V. 2003. Avaliação Hidrogeológica do aqüífero Urucuia na bacia do rio das Fêmeas usando IP-Resistividade. Dissertação de Mestrado, Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 82 p.

Aquino, R.F. de; Silva, F.F. da; Schuster, H.D.M.; Batista, L.H.G.; Urasaki, F.Y.A. 2002. Aspectos Hidroquímicos e da Qualidade da Água Superficial e Subterrânea do Oeste Baiano – Sub Bacia do Rio do Cachorro – Bahia. In: ABRH, Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste, 6, maceió, CD-ROM.

Araujo, L.M.; França, A.B.; Potter, P.E. 1995. Aqüífero gigante do Mercosul no Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai: Mapas hidrogeológicos das formações Botucatu, Pirambóia, Rosário do Sul, Buena Vista, Misiones e Tacuarembó. UFPR/Petrobras. 16p.

Campos, J.E. & Dardenne, m.a. 1997. Origem e Evolução Tectônica da Bacia Sanfranciscana. Revista Brasileira de Geociências, 27 (3): 283-294.

Ramos, A.M. & Silva, F.F. da. 2002. Contribuição dos Mananciais Superficiais do Estado da Bahia para o Rio São Francisco. In: ABRH, Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste, 6, Maceió, CD-ROM.

Santana, A.G.; Cardoso, E.R.; Silva, F.F.; Pereira, j.s. 2002. Metodologia para Controle das Outorgas de Direito de Uso da Água em Bacias Hidrográficas. In: abrh, Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste, 6, Maceió, cd-rom.

Schuster, H.D.M; Silva, F.F.; Teixeira, S.L.; Batista, L.H. G.; Freitas, w.a. 2002. Estudos Hidrogeológicos do Aqüífero Urucuia no Oeste baiano para Obtenção de Parâmetros nas outorgas de mananciais Subterrâneos. In: ABAS, Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas, 12, Santa Catarina, CD-ROM.

Silva, F.F. da; Neto, A.V.L; Santana, A.G.; Ribeiro, C.A.o. 2002. Estudos de Casos na Estimativa da Vazão de Referência para Outorga do Direito de Uso da Água no Estado da Bahia. In: ABRH, Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste, 6, Maceió, CD-ROM.

sRH-BA. 2003. Subprojeto: Uso Conjunto das Águas Superficiais e Subterrâneas da Sub-Bacia do Rio das Fêmeas (BA). Projeto de Gerenciamento Integrado das Atividades Desenvolvidas em terra na Bacia do São Francisco.