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ST8 - 03


CARACTERIZAÇÃO GEOLÓGICA E GEOFÍSICA DOS AQÜÍFEROS NA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SALITRE, BAHIA

 

 

Lima, O.A.L., Bastos Leal, L.R. ; Luz, J.A.G.

 

CPGG e IG, UFBA, Campos Universitário de Ondina, 40210-340, Salvador - BA, Brasil.

olivar@cpgg.ufba.br, lrogerio@ufba.br, jgluz@ufba.br

 

ABSTRACT

 

The Salitre river basin is located in the northern portion of the Chapada Diamantina geological domain, covering an area of about 14,500 km2. This semi-arid land is annually faced with the severe problem of water scarcity. Two main aquifer systems are under exploration to supply the water needs of the population and its incipient agro-industrial development: (a) a fractured-karstic system developed over carbonate rocks of the Una Group; and (b) a clastic-fractured system installed within metaquartzite units of the Chapada Diamantina Group. In the present study we summarize the results of the geological and geophysical works performed in this area to evaluate its groundwater resources. The goals were to obtain a regional hydrological, three-dimensional characterization of the two main aquifer systems of the area. A regional geological mapping and a geophysical survey by means of 45 Schlumberger electrical soundings were combined with well data to define the geometrical and hydraulic characteristics of these aquifers. Chemical results of water samples collected in wells were used to define a water quality zoning within the basin. These results are very important to define an optimum exploration regime for the groundwater available in the basin.

 

Palavras-chave: Hidrogeologia, geofísica, aqüíferos cársticos

 

INTRODUÇÃO

A bacia hidrográfica do rio Salitre é uma sub-bacia da margem direita do rio São Francisco, localizada no setor centro-norte do Estado da Bahia, cobrindo uma extensão superficial de cerca de 14.500 km2 (Fig. 1). Suas correntes superficiais drenam terrenos metamórficos e metassedimentares do domínio geológico Chapada Diamantina. Em função de condicionamentos geológicos-estruturais peculiares são reconhecidos três principais sistemas aqüíferos nessa área: (i) um sistema fissurado puro, instalado sobre as rochas metamórficas de alto grau, que compõem o substrato do Cráton São Franciscano; (ii) um sistema clástico-fissurado, basicamente associado aos depósitos metaquartzosos do Grupo Chapada Diamantina; e (iii) um sistema fissurado-cárstico, desenvolvido sobre depósitos carbonáticos do Grupo Una.

Por causa de um clima semi-árido severo, as disponibilidades hídricas superficiais nessa região são escassas, na maior parte do ano. Em função disso, ela enfrenta sérios problemas de suprimento hídrico, não só para atender as necessidades básicas das populações mas, principalmente, para atender a vocação de seu desenvolvimento agro-industrial, centrada na exploração do mármore Bege-Bahia (CBPM, 2004). As principais fontes hídricas de

 


Figura 1.
Sistemas aqüíferos da bacia hidrográfica

do rio Salitre

 

potência, que podem ser usadas para tanto, são os sistemas aqüíferos cársticos e fissurais que cobrem, quase equivalentemente, a área da bacia. Todavia, as características de armazenamento, de circulação e de interação hidráulica entre esses sistemas não foram ainda precisamente avaliadas, mesmo numa escala regional (CEI, 1986; Brito, 2003; Lima, 2003).

Neste trabalho são sintetizados os resultados dos estudos geológicos, geofísicos e hidroquímicos executados para definir, regionalmente, as principais características geométrico-estruturais e hidráulicas desses aqüíferos, assim como para definição da qualidade das águas subterrâneas em toda a bacia do Salitre. Além de uma análise geológica baseada em imagens de satélite, fotos aéreas e visitas de campo, foram analisados e cadastrados mais de uma centena de poços de exploração, perfurados tanto nas rochas carbonáticas quanto nos pacotes quartzíticos. Foram executadas 45 sondagens elétricas verticais de IP-resistividade, expandidas para explorar até 500 m de profundidade. Também são utilizados nessa integração, dados obtidos em 30 análises físico-químicas de amostras de águas coletadas em poços que penetram tanto o Grupo Chapada Diamantina quanto o Grupo Una. Esses resultados serão úteis para dimensionar as reservas hídricas, a qualidade e as intertrocas de águas que podem ocorrer durante a exploração dos aqüíferos ora caracterizados.

 

DADOS GEOLÓGICOS

As unidades geológicas que constituem a bacia do rio Salitre são representadas por rochas formadas desde o Arqueano até o Neoproterozóico. As rochas arqueanas e paleoproterozóicas dos terrenos graníticos-greenstones estão posicionadas na extremidade norte da bacia e integram o embasamento cristalino do Cráton do São Francisco (Barbosa & Dominguez, 1996).

Sobre o embasamento cristalino repousam os metassedimentos terrígenos das coberturas de idades mesoproterozóicas, que constituem o Grupo Chapada Diamantina. Da base para o topo, distinguem-se as formações Tombador (conglomerados e arenitos conglomeráticos), Caboclo (rochas argilosas pelíticas com intercalações arenosas) e Morro do Chapéu (arenitos com estratos cruzados de grande porte).

A seqüência litoestratigráfica pré-cambriana é finalizada com a deposição dos sedimentos neoproterozóicos do Grupo Una, recobrindo as rochas do embasamento cristalino e do Grupo Chapada Diamantina. O Grupo Una inclui as formações Bebedouro e Salitre. A primeira ocorre de forma restrita e muito localizada, não apresentando potencial hidrogeológico de interesse (conglomerados polimíticos, siltitos e arenitos arcósicos). Por outro lado, a Formação Salitre, é constituída por metassedimentos carbonáticos com intercalações de rochas terrígenas, ocupando quase metade da área da bacia.

As unidades descritas foram submetidas a um metamorfismo regional de fácies xisto-verde e a eventos tectônico, que originaram dobramentos superpostos com orientações axiais quase ortogonais. Além disso, foram intensamente seccionadas por sistemas de falhamentos e fraturamentos quebradiços, também em vários episódios superpostos. Suas porosidade e permeabilidade primárias foram, portanto, praticamente obliteradas, sendo suas propriedades hidráulicas, hoje, completamente dominadas por fraturas e falhas em várias escalas.

Ocorrem ainda na região, unidades geológicas que compõem coberturas tércio-quaternárias, representadas por seqüências detrítico-lateríticas, rochas pleistocênicas da Formação Caatinga e depósitos aluvionares do Quaternário, as quais também não apresentam maior valor hidrogeológico.

 

DADOS GEOFÍSICOS

Foram executadas na área 45 sondagens elétricas verticais usando arranjos Schlumberger expandidos até espaçamentos de eletrodos de corrente AB/2 de 1.000 m. Seus centros foram selecionados de modo a cobrir, de forma mais ou menos uniforme, a área de afloramento das rochas carbonáticas. Algumas sondagens foram especialmente levantadas para caracterizar o comportamento fissurado das unidades quartzíticas.

A Figura 2 contém curvas de sondagens representativas, centradas sobre zonas de afloramento de rochas carbonatadas. Dois padrões de variação da resistividade com a profundidade foram reconhecidos nessas áreas. Um, mais simples, representado pela curva 1 da Figura 2, mostra apenas um intervalo aqüífero condutor, sobreposto a um substrato elétrico infinitamente resistivo (ramo terminal ascendente com ângulo próximo de 45o). Tal padrão revela a presença de um sistema aqüífero livre, caracterizando a parte superior da seqüência carbonática. O substrato resistivo é interpretado como rochas carbonáticas quase isentas de poro-permeabilidade.

No segundo padrão (curva 2) são reconhecidos dois intervalos aqüíferos sobrepostos. O primeiro mais raso, deve corresponder ao aqüífero livre desenvolvido no topo da seqüência carbonática, que, em geral, possui baixa resistividade. O segundo, mais espesso e profundo, deve corresponder a um sistema confinado desenvolvido como um reservatório abaixo de carbonatos fechados. Pode tanto representar um segundo nível de carstificação mais profunda quanto um nível mecanicamente resistente e mais fraturado de um substrato de quartzitos.

 

 

Figura 2. Exemplos de curvas de sondagens elétricas representativas da área.

 

Desse modo, os dados geofísicos permitem distinguir dois comportamentos aqüíferos na área. Um superior, de sistema livre e melhor condutor elétrico, associado à parte mais carstificada da seqüência carbonática. Outro inferior, confinado e mais resistivo, representando os depósitos clásticos localmente fissurados. Mapas de iso-espessuras desses dois sistemas foram construídos utilizando o pacote Surfer 8.0.

 

CARACTERÍSTICAS HIDROLÓGICAS

Do ponto de vista hidrogeológico as unidades aqüíferas mais importantes da bacia do rio Salitre são associadas aos carbonatos do Grupo Una e aos metassedimentos do Grupo Chapada Diamantina.

As rochas migmatíticas arqueanas compõem apenas um domínio aqüífero local do tipo fissurado (Fig. 1). Poços tubulares perfurados neste domínio apresentam vazões variando entre 3m3/h - 26m3/h, com média em torno de 8,5 m3/h.

Os terrenos do Grupo Chapada Diamantina têm, também, comportamento hidráulico típico de aqüífero fissurado. Nos flancos e charneiras de sinclinais esses depósitos se comportam como aqüíferos confinados. Poços perfurados nesta unidade apresentam vazões variando entre 1m3/h e 32 m3/h, com valor médio de 10m3/h.

As rochas do Grupo Una contêm os aqüíferos cársticos livres da região, onde podem ser encontradas importantes reservas de água subterrânea. Em vários locais, em conseqüência das melhores condições de armazenamento e de circulação, os poços podem ter altas vazões. Em particular, boas condições são apontadas no trecho do alto Salitre (regiões de Várzea Nova até a localidade de São Tomé no centro da bacia). Estatisticamente, todavia, poços perfurados no domínio cárstico mostram resultados hidráulicos médios similares aos do domínio fissurado. Os valores de vazão variam entre 1m3/h e 44 m3/h, com média em torno de 8,5 m3/h.

Embora não haja distinção geológica clara nas fácies hidroquímicas das águas subterrâneas na bacia, as águas do domínio cárstico tendem a apresentar maior salinidade (1,02 mg/l), maior dureza (788,04 mg/l) e maior condutividade elétrica (15,20 mS/cm), além da predominância dos íons cloreto, sódio, cálcio e magnésio. Em geral, de acordo com normas do Ministério da Saúde, são águas não apropriadas para consumo humano.

No domínio do Grupo Chapada Diamantina, as águas apresentam menor salinidade (0,58 mg/l), menor dureza (441,69 mg/l) e menor condutividade elétrica (1,20 mS/cm) e são próprias para consumo humano. Contudo, por seu posicionamento estra-tigráfico sob os carbonatos essas águas podem sofrer alterações de qualidade tanto por intercâmbio em zonas densamente fraturadas, quanto na produção por meio de bombeio de poços.

Os dados hidroquímicos das 30 amostras de águas coletadas em poços foram tratados e classificados com o software QualiGraf, na forma de um diagrama triangular de Piper (Walton, 1970). Um mapa de domínios ou fácies hidroquímicas foi confeccionado utilizando o pacote ArcGis 8.3. As águas subterrâneas da bacia apresentam variações composicionais desde águas cloretadas cálcicas, bicarbonatadas cálcicas e mistas. Apenas uma amostra coletada a leste de Ourolândia, foi classificada como sulfatada-cálcica (Fig.3).

 

CONCLUSÕES

 

As informações geológicas e geofísicas obtidas para os sistemas aqüíferos da bacia do rio Salitre revelam que: (i) o domínio fissurado-cárstico do sistema livre superior possui pequena espessura e capacidade de armazenamento limitado, embora

 


Figura 3.
Classificação das águas subterrânea

da bacia do rio Salitre.

 

apresente, localmente, áreas de maior potencial, tal como no alto Salitre e em Lagoas, município de Campo Formoso. Além disso, suas águas não são adequadas para consumo humano; (ii) o domínio clástico-fissurado compõe um sistema confinado de maior possança (maiores espessuras) e com águas de melhor qualidade química. A maior dificuldade em sua exploração diz respeito aos critérios que devem ser utilizados nos trabalhos de locação de poços de produção. Certamente a execução de sondagens geoelétricas constitui elemento básico nesses trabalhos de avaliação.

Do ponto de vista hidroquímico, as águas subterrâneas mostram grande variação na quantidade de sais dissolvidos, com teores mais elevados no domínio das rochas carbonáticas, em função de efeitos climáticos e da solubilidade das rochas. Portanto, há restrições para o uso doméstico dessas águas, mas não para os usos agrícola e industrial.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq,  pelo apoio financeiro ao projeto (processo nº 475655-03-6) e pelas bolsas concedidas a Lima, O.AL. e Luz, J.A.G. À Companhia Baiana de Pesquisa Mineral – CBPM, pelo apoio logístico no desenvolvimento dos trabalhos de campo e na execução das análises hidroquímicas.

 

BIBLIOGRAFIA

Barbosa, J.S.F. & Dominguez, J.M.L. 1996. Geologia da Bahia: Texto Explicativo para o mapa geológico ao milionésimo. Secretaria de Industria e Comércio/SGM, Salvador 382p.

Brito, L.T.L. 2003. Avaliação de impactos das atividades antrópicas sobre os recursos hídricos da bacia hidrográfica do rio Salitre-Bahia e classificação das fontes hídricas. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, 186p.

CEI. 1986. Avaliação dos recursos hídricos das bacias hidrográficas do estado da Bahia – bacia do rio Salitre. Centro de Estatística e Informações Salvador, Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia, Salvador, 101 p.

CBPM. 2004. Estudo e definição do modelo hidrogeológico da bacia do rio Salitre, onde ocorrem os depósitos do “Mármore Beje-Bahia”. Companhia Baiana de Pesquisa Mineral, Salvador, 63 p.

Lima, O.A.L. 2003. Geossistemas e recursos hídricos do Estado da Bahia. Rev. Bahia Dados e Debates, 3,  34-54.

Walton, W.C. 1970. Groundwater Resource Evaluation. McGraw-Hill Inc. New York.