INTRODUÇÃO
O alcance do objetivo
estratégico de implementar a gestão descentralizada dos recursos hídricos
em áreas de domínios aqüíferos cársticos em regiões semi-áridas, pressupõe
a ação regional sistêmica dos Órgãos Gestores dos recursos hídricos
e a participação regular e ativa da sociedade, através dos Comitês
de bacias, associações e/ou consórcios de usuários.
Essa ação por sua vez,
depende diretamente da disponibilidade de informações técnicas relacionadas
aos aspectos quali-quantitativos das águas subterrâneas. Deste modo,
é importante o entendimento das características espaciais dos sistemas
cársticos, principalmente através da demarcação de rotas de fluxo
da água subterrânea, conectando áreas de recarga e descarga, a definição
das reservas permanentes e reguladoras, o zoneamento das vazões explotáveis
e a caracterização hidroquímica das águas em função dos usos múltiplos.
O entendimento das especificidades
do comportamento hidrodinâmico dos sistemas cársticos é igualmente
importante, porque estes aqüíferos se caracterizam por apresentar
heterogeneidade organizada, tendo ao mesmo tempo uma função transmissora
que governa o fluxo e uma função capacitiva que governa o armazenamento
das reservas, diferenciando-o claramente de outros tipos de sistemas.
Assim, em nenhum outro terreno, é mais evidente a relação das águas
superficiais e subterrâneas, relação que é variável no tempo e no
espaço. São essas especificidades que se refletem na gestão, atual
e futura, bem como na proteção dos recursos hídricos em regiões cársticas.
O uso dos recursos hídricos
subterrâneos nas regiões de domínios cársticos do Estado da Bahia
tem sofrido grande expansão. Apenas na região de Irecê, o número de
poços tubulares passou de cerca de 1.500 para mais de 5.000 nos últimos
20 anos (Bastos Leal et al., 2004). Este aumento da demanda por água
subterrânea nos domínios cársticos está diretamente relacionado à
expansão das áreas de agricultura irrigada nestas regiões, que geralmente
dispõe de excelentes solos, e ao aumento da densidade populacional
em regiões fora do alcance dos sistemas de abastecimento público estadual
e/ou municipais. Também contribui para o uso das águas subterrâneas,
o seu menor custo relativo em comparação com as águas superficiais.
Este trabalho tem por
objetivos apresentar o estado da arte do conhecimento hidrogeológico
dos aqüíferos cársticos do Estado da Bahia, na bacia do rio São Francisco,
ilustrando também os principais problemas relacionados à exploração
e uso de suas águas, tendo em vista contribuir para a definição de
critérios para a gestão integrada das águas nos sistemas cársticos
do Estados da Bahia (Fig. 1).
Figura 1. Áreas de afloramento dos sistemas cársticos
no Estado da Bahia
Ressalta-se também neste trabalho
a importância do conhecimento hidrogeológico destes domínios, tendo
em vista a necessidade de se conciliar a preservação de áreas da paisagem
cárstica, compatibilizando o aproveitamento econômico destas áreas,
através de atividades agrícolas, minerarias, turísticas, na implantação
de reservatórios e estradas.
SISTEMA AQÜÍFERO CÁRSTICO
CENTRAL
Os principais sistemas
cársticos presentes na região central do Estado da Bahia são representados
pelos domínios aqüíferos das regiões de Irecê e Salitre.
O aqüífero cárstico da
região de Irecê apresenta um quadro evolutivo de um sistema cárstico
de natureza fissural/cárstica com aumento gradativo do processo de
carstificação no sentido sul e borda oriental da bacia, estando a
evolução do processo de carstificação associada a uma combinação entre
a ação dos ácidos sulfúrico e carbônico, aliada à maior intensidade
de precipitação nestas áreas onde a carstificação é mais desenvolvida
(Guerra, 1986; Valle, 2004).
O tratamento dos dados
do aqüífero, a partir de cerca de 5.000 poços tubulares, perfurados
entre os anos de 1962 e 2003, revela que, na região, 50% apresentam
vazões inferiores a 5 m3/h, 20% possuem vazões entre 6
e 10 m3/h, enquanto apenas 5% dos poços revelam vazões
acima de 30 m3/h. Também foi observado que a vazão média
para os poços da região situa-se em torno de 11 m3/h ao
logos dos últimos 35 anos. Já a profundidade dos poços apresenta uma
tendência de aumento ao longo do tempo de cerca de 1,2 m por ano,
enquanto o nível freático teve um rebaixamento de cerca de
20 m nos últimos 20 anos, configurando
um quadro de superexploração do aqüífero (Silva, 2005; Ramos, 2005).
Este panorama de superexploração é igualmente configurado quando analisamos
a densidade de poços em alguns municípios da região, com destaque
para a cidade de Lapão, na porção central do aqüífero, que apresenta
cerca de 1.250 poços em seu território.
Do ponto de vista qualitativo,
a avaliação dos dados disponíveis, realizada durante esta pesquisa,
revelou que as águas subterrâneas no aqüífero de Irecê apresentam
altas concentrações de cloreto e nitrato, com valores máximos de até
4.400 mg/L e 80 mg/L respectivamente, particularmente na porção central
do aqüífero, vinculadas possivelmente ao aumento das atividades agrícolas
e também ao crescimento das cidades, com conseqüente ampliação da
disposição de resíduos sólidos urbanos e lançamento de esgoto sem
tratamento no solo.
Já a carstificação observada
na região do rio Salitre apresenta formas pouco evoluídas, onde o
processo de carstificação atuou de forma muito heterogênea, resultando
em um aqüífero muito heterogêneo e anisotrópico, onde as características
hidrogeológicas variam muito, tanto local como regionalmente. Tais
características geraram um padrão de carstificação com poucas formas
cársticas aflorantes, geralmente rasas, e muito localizadas, principalmente
ao longo da calha do rio Salitre e seus tributários. São raras as
dolinas, cavernas, úvalas e outras formas cársticas que podem refletir,
em superfície, os canais de circulação das águas subterrâneas. Tais
características tornam o processo de identificação de áreas com maior
favorabilidade para ocorrência de águas subterrâneas dependente do
uso de técnicas especiais, como os levantamentos geofísicos.
Em função do panorama
dos processos de carstificação, o aqüífero cárstico da região do rio
Salitre apresenta moderada a baixa capacidade de armazenamento de
águas subterrâneas, tendo os poços perfurados apresentado vazões médias
em torno de 8,5 m3/h, podendo ocorrer vazões elevadas (até
44 m3/h) em locais com melhores condições de armazenamento
e de circulação das águas subterrâneas, particularmente na região
do alto Salitre (região da cidade de Várzea Nova até a localidade
de São Tomé no centro da bacia).
Do ponto de vista qualitativo,
as águas subterrâneas no carste da região do Salitre apresentam espectro
composicional variando entre cloretadas cálcicas e bicarbonatadas
cálcicas, ocorrendo ainda águas mistas e sulfatadas. Os altos valores
de ions dissolvidos (eg. Cl- e SO-24>
250 mg/l, dureza> 500 mg/L e STD> 500 mg/L) indicam seu caráter
inapropriado para o consumo humano sem tratamento prévio.
SISTEMA AQÜÍFERO CÁRSTICO
OESTE
O aqüífero cárstico da região oeste do estado apresenta uma capacidade
de armazenamento regular, com vazões médias em torno de 11 m3/h,
tendo como base os poços perfurados na região. Existem poços com vazões
mais elevadas, em torno de 40 m3/h, principalmente nas
proximidades das calhas dos rios.
Do ponto de vista qualitativo, as águas desta região apresentam, em
média, baixos teores de cloretos, STD e Dureza (<500 mg/l) e nitratos
(<10 mg/l), alguns poços apresentam valores elevados para STD e
Dureza (500 mg/l). A pequena quantidade de dados e a falta de estudos
mais detalhados não permitem maiores considerações acerca das condições
desse sistema aqüífero na região.
CONCLUSÕES
Os sistemas aqüíferos
cársticos do Estado da Bahia representam uma importante fonte de suprimento
de água para o estado, notadamente para as atividades agrícolas e
abastecimento humano.
Os aqüíferos do domínio
central apresentam disponibilidade hídrica limitada, enquanto que
o segmento oeste possui melhores características de armazenamento
e características climáticas regionais que favorecem a recarga.
Em que pese a ocorrência
de zonas com alto potencial para exploração de águas subterrâneas
nestes sistemas cársticos, o inadequado uso e a ocupação do solo desordenada
tem provocado rebaixamento excessivos em algumas regiões, bem como
a contaminação do sistema cárstico.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq
(processo no 475655-03-6), a Superintendência de Recursos
hídricos do Estado da Bahia (SRH) e a Companhia Baiana de Pesquisa
Mineral, pelo apoio financeiro concedido para desenvolvimento dos
trabalhos de pesquisa nas regiões cársticas do Estado da Bahia.
BIBLIOGRAFIA
Bastos
Leal, L.R.; Lima, O.A.L.; Silva, A.B.; Luz, J.A.G.; Ribeiro, S.H.S. 2004. Caracterização hidrogeológica da bacia do rio
Salitre, região centro-norte do Estado da Bahia. In: I Encontro Brasileiro
de Estudos do Carste, Caderno de resumos, p.60.
Guerra,
A.M. 1986. Processos de carstificação
e hidrogeologia do Grupo Bambuí na região de Irecê, Bahia. Tese de
doutorado, Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, 148p.
Silva,
H.M. 2005. Sistema de informações
geográficas do aqüífero cárstico da micro-região de Irecê, Bahia:
Subsídio para a gestão integrada dos recursos hídricos das bacias
dos rios Verde e Jacaré. Dissertação de Mestrado, Instituto de Geociências,
Universidade Federal da Bahia, 145p.
Ramos,
S.O. 2005. Variações sazonais
dos níveis hidrostáticos do aqüífero cárstico da região de Irecê,
Bahia: Implicações para a estimativa da recarga. Dissertação de Mestrado,
Instituto de Geociências, Universidade Federal da Bahia, 156p.
Valle,
M.A. 2004. Hidroquímica do Grupo
Una (Bacias de Irecê e Salitre): Um exemplo da ação de ácido sulfúrico
no sistema cárstico. Tese de doutorado, Instituto de Geociências,
Universidade de São Paulo, 122p.