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ST7 - 04


Geologia dos depósitos fosfáticos do Grupo BambuÍ
na Serra da Saudade,
Cedro do Abaeté, minas gerais

 

Lima, O.N.B.1; Uhlein, A.2; Britto, W.3

 

  1. otavionlima@yahoo.com.br
  2. Universidade Federal de Minas Gerais, Instituto de Geociências, Departamento de Geologia,
    Av. Antonio Carlos, 6627, Pampulha, 31270-901, Belo Horizonte
    - MG - auhlein@uai.com.br
  3. britow@cdtn.br

 

Abstract

This work focuses on the Serra da Saudade Formation including lithostratigraphical unit description, geological mapping, and cross section drawing. The lithofacies of the Serra da Saudade Formation include: (1) pelitic rhythmite with fine sandstone; (2) sandstone with hummochy cross estratification; (3) green glauconitic rhythmite; (4) phosphatic rhythmite; (5) reworked carbonates (calcirudite and calcarenite).The pelitic-sandy sediments of Serra da Saudade Formation were deposited on a platform lying at a mean water depth, periodically influenced by storm currents. The carbonates represent a regressive cycle, indicating a shallow platform or coastal sedimentation. The phosphatic rhythmite (phosphoarenite) is situated near the Cedro do Abaeté city. It consists of phosphate intraclasts in a microcrystalline matrix (micritic) fibrous or prismatic fluorapatite, in addition to detrital quartz, and other minerals.The phosphatization is a syn-diagenetic phase, but with important development of wavellite by supergene alteration.

Palavras-chave: estratigrafia, Grupo Bambuí, Formação Serra da Saudade, sedimentologia, fosfato sedimentar.

INTRODUÇÃO

A Serra da Saudade representa o domínio elevado de cristas interplanálticas que acompanham os interflúvios das bacias hidrográficas do Alto Rio São Francisco e do Rio Indaiá, avançando na direção norte até o lago da Represa de Três Marias. As principais cidades da região são Abaeté, Paineiras, Biquinhas e Cedro do Abaeté.  O Rio Indaiá é o seu principal eixo de drenagem.Na literatura geológica a Serra da Saudade ganhou notoriedade por ser a seção tipo da formação homônima (unidade estratigráfica definida originalmente por Costa & Branco (1961). A Formação Serra da Saudade é caracterizada por seus depósitos pelíticos de cor verde, tradicionalmente conhecidos como verdetes, e depósitos fosfáticos, existentes, principalmente, entre as cidades de Cedro do Abaeté e Quartel São João, em Minas Gerais.

Estratigrafia da Serra da Saudade

As unidades neoproterozóicas que compõem o Grupo Bambuí nos arredores da Serra da Saudade estão, localmente encobertas pelas seqüências fanerozóicas da Bacia Sanfranciscana, que repousam em discordância angular e erosiva sobre os estratos neoproterozóicos, e por depósitos de idade cenozóica. Doze litofácies  foram reconhecidas em relação à sequência neoproterozóica relacionada ao Grupo Bambuí e agrupadas conforme a filiação genética (Figura1). Cinco destas litofácies são associadas à Fm. Serra de Santa Helena, cinco associadas à Fm. Serra da Saudade e duas associadas à Fm. Três Marias. As litofácies relacionadas à Formação Serra da Saudade estão concentradas, principalmente, na parte sul da área investigada, junto à serra homônima. Para o norte, cessam os depósitos associados a esta unidade. As ocorrências mais setentrionais estão limitadas pela Serra do Palmital, onde pequenas lentes de ritmitos verdes se intercalam na seqüência pelito-arenosa.

A espessura máxima desta formação, em torno de 200 m, é atingida nas proximidades de Cedro do Abaeté. As litofácies reconhecidas na Fm. Serra da Saudade são: (1) ritmito pelito-arenoso; (2) carbonatos retrabalhados; (3) ritmito pelito-arenoso verde (verdete);  (4) arenito fino com hummocky; e (5) ritmito fosfático.

O ritmito pelito-arenoso corresponde à litofácies dominante na base da Serra da Saudade, representando os cerca de 60 metros iniciais da formação homônima. Esta litofácies é formada pela repetição de leitos de arenitos médio a fino, de 0,5 a 15 cm de espessura, normalmente, centimétricos, separados por camadas silto-argilosas finamente laminadas.

Os carbonatos detríticos correspondem a um conjunto de corpos lenticulares, de alguns metros de espessura, de carbonatos detríticos, representados por calcarenitos médios e calciruditos, que se estendem por várias centenas de metros. Em função de suas características sedimentológicas (boa seleção granulométrica, baixa concentração de siliciclásticos, evidências de retrabalhamento nos grãos e a presença de laminações planas a cruzadas de baixo ângulo) um ambiente deposicional litorâneo é o mais provável. As fontes destes carbonatos podem ter sido recifes carbonáticos, associados a unidades mais antigas do Grupo Bambuí que foram detruídos e retrabalhados pela ação de ondas normais e transportados até as zonas de praia.

Os ritmitos areno-pelíticos verdes (verdetes) exibem ciclos de granodecrescência ascendente, com arenitos finos na base e sedimentos silto-argilosos no topo. Apresentam teores de K de 7 a 14% e minerais como quartzo, K-feldspato, albita, mica branca, glauconita, clorita e opacos. Com uso de microssonda eletrônica foi descoberto que a glauconita é responsável pela cor verde dos verdetes. Este mineral formou-se um microambiente levemente redutor favorável a dissolução do Fe2+, atribuído à decomposição de organismos, em um sedimento plataformal, sujeito a retrabalhamento por ondas de tempestade.

A litofácies de arenito fino com hummocky é representada por bancos arenosos acamadados ou lenticulares de arenitos finos a muito finos, relativamente comuns, em direção ao topo estratigráfico da Fm. Serra da Saudade. Algumas camadas são maciças e outras, ricas em mica branca detrítica, estratificadas paralelamente ao plano do S0. As espessuras destas camadas variam de 3 até 80 cm. A relação entre seus estratos, mostra em seção transversal a existência de superfícies de truncamento de baixo ângulo em uma morfologia característica de hummockys, com comprimentos de onda inferiores a 2 metros. Dados texturais e mineralógicos, para estes arenitos, mostram uma baixa maturidade, podendo estes ser classificados como grauvacas feldspáticas (Dott, 1964).

A litofácies de ritmito fosfático é constituída pela mistura de grãos de quartzo, K-feldspato, albita, mica branca e minerais opacos encontrados na faixa granulométrica de areia média a fina, em uma matriz predominantemente, silto-argilosa formada em grande parte por intraclastos fosfáticos. É nesta litofácies que estão inseridos os depósitos fosfáticos, enriquecidos em P2O5, da Serra da Saudade, tradicionalmente entendidos como importantes recursos minerais da área.

 Geologia dos depósitos fosfáticos da Serra da Saudade

A ocorrência dos depósitos fosfáticos da Serra da Saudade está compreendida entre as cidades de Quartel São João e Cedro do Abaeté (MG). A espessura de toda esta unidade, baseado em furos de sondagem realizados pelo Sr. Amilton nas proximidades de Cedro do Abaeté, não ultrapassa 20 metros. No entanto, é provável a existência de mais de um nível de depósitos clásticos fosfatizados.

Estudos petrográficos e sedimentológicos mostram que os minerais hospedeiros de P2O5 são minerais primários, diagenéticos e supergênicos (Lima, 2005).

Apesar de não ter sido identificado, o mineral fosfático primário (francolita), é descrito por Chaves et al. (1971), que identificaram carbo-apatitas a partir de análise roentgenográfica (método relacionado à incidência e à difração de radiação eletromagnética sobre a rede cristalina de um mineral). Minerais fosfáticos com forma detrítica identificados foram apatitas e fluorapatitas. Acredita-se que os precursores destes minerais foram detríticos, pelas formas subarredondadas, pela alta participação de siliciclásticos e pela íntima associação com outras litofácies formadas a partir de depósitos retrabalhados.  Tanto as apatitas quanto as fluorapatitas são minerais autigênicos, gerados a partir da transformação da francolita. Reações físico-químicas durante a diagênese sob condições redutoras a sub-oxidantes promoveram a abertura parcial da estrutura dos cristais de francolita e, provavelmente, a liberação de átomos de C, F e, até mesmo, Ca da rede cristalina (Dill, 2001).  Apesar de não serem de origem primária, os grãos de apatita e fluorapatita são pseudomorfos de francolita, pois preservaram a forma externa dos grãos primordiais. Existe uma possibilidade de que o material interticial existente nos ritmitos fosfáticos seja de natureza fosfática, gerados também por autigênese. Desta forma a diagênese seria responsável pela formação dos minerais fosfáticos, pseudomorfos da francolita, e por material fosfático de características amorfas na forma de cimento.

Os grãos fosfáticos detríticos são principalmente de granulometria fina (areia muito fina/silte a argila), estando portanto concentrados na matriz dos ritmitos fosfáticos. Ao microscópio, estes diminutos grãos fosfáticos, sob forma de colofana, são dificilmente individualizados. A colofana corresponde a uma massa micro a criptocristalina, de cor amarelada a marrom, de finíssimos grãos de apatita e/ou fluorapatita.

Parte dos grãos de apatita e fluorapatitas exibem indicações de que foram retrabalhados. Desta forma, uma gênese sinsedimentar para os precursores destes minerais é inferida. No entanto, o locus de formação do fosfato primário não deve ser coincidente com o sítio de deposição final dos ritmitos fosfáticos, uma vez que estes sedimentos são de natureza alóctone, como pode-se perceber pelas inúmeras feições de retrabalhamento nestes depósitos. Desta forma a ocorrência de níveis de sedimento enriquecidos em fosfatos detríticos deveu-se, principalmente, a processos físicos de concentração. Com base na proposta de classificação de fosforitos, conforme Follmi (1996), estes depósitos fosfáticos, ou parte deles, podem ser classificados como fosforitos do tipo alóctone.

Além dos fosfatos detríticos autigênicos, existem fosfatos secundários, como a wavellita, formados a partir de supergênese e encontrados, geralmente, como precipitados preenchendo fraturas e porosidade secundária da rocha hospedeira. Altas concentrações de wavellita em parte das amostras de ritmitos fosfáticos se devem ao grau de alteração intempérica e à intensidade de fraturamento na rocha.

O ritmito fosfático possui uma posição estratigrafica bem definida, pois se encontra interdigitado entre as litofácies de carbonato retrabalhado e a litofácies de ritmito pelito-arenoso verde. Isto constitui outro importante argumento a favor da gênese sinsedimentar para os fosfatos da Serra da Saudade.

A litofácies de ritmito fosfático corresponde aos depósitos de mais alta energia desta associação tempestítica, uma vez que, para ocorrer a concentração e o retrabalhamento dos grãos fosfáticos, seria necessário um aumento da energia ambiental, em relação ao sítio de deposição dos verdetes, sob condições hidrodinâmimas muito especificas. No entanto, a alta participação de partículas não fosfatizadas, principalmente siliciclásticos, não permite o enquadramento desta litofácies em ambientes de antepraia (foreshore) e sim a sítios deposicionais relacionados a shoreface e até mesmo offshore. A gênese dos grãos primordial de fosfato (francolita) deve estar relacionada à saturação da água do mar por moléculas de P2O5 em regiões de baixo aporte sedimentar e à sucessiva infiltração destas soluções e ao enriquecimento de águas conatas, responsáveis pela preciptação interticial de francolita nos sedimentos pré-existentes. O enriquecimento destas águas marinhas deveu-se presumivelmente a correntes de ressurgência, que são mais densas, mais frias e mais saturadas em P2O5. Vale ressaltar que o sítio de precipitação da francolita não coincide com o sítio deposicional dos ritmitos fosfáticos, que mostram várias feições de retrabalhamento, sendo portanto de natureza alóctone. Para se definir quais foram as fontes de P2O5 seria necessário um estudo mais especifico, uma vez que as correntes de ressurgência podem ter transportado as moléculas de fosfato de regiões muito afastadas.

Desta forma, a mineralização do ritmito fosfático pode ser sumarizada em quatro diferentes estágios ou fases (Tabela 1), conforme Lima (2005). A Fase 1 representa a preciptação de francolita em ambiente de baixa energia. A Fase 2 é responsável pela erosão dos sítios de deposição primária, retrabalhamento das partículas fosfáticas e formação dos depósitos alóctones. A Fase 3, essencialmente  diagenética, é responsável pela formação de apatitas e fluorapatitas a partir de francolitas. A Fase 4 corresponde à fase final, intempérica, responsável pela formação de wavellitas supergênicas a partir da transformação de mineriais fosfáticos pré-existente

Tabela 1. Síntese sobre as quatro fases de mineralização dos depósitos fosfáticos da Serra da Saudade, na região de Cedro do Abaeté  (MG). Extraído de Lima (2005).

FASE 1

GERAÇÃO DO FOSFATO PRIMÁRIO

Precipitação de francolita, segundo Chaves et al. (1971), em ambiente de baixa energia e, preferencialmente, oxidante.

FASE2

FORMAÇÃO DE DEPÓSITOS ALÓCTONES DE RITMITO FOSFÁTICO

Erosão dos sítios de deposição primária, transporte, retrabalhamento e acumulação dos grãos de francolita no sítio de deposição final de mais alta energia, por processos físicos, principalmente, ondas e episódios de tempestade.

FASE 3

GERAÇÃO DE FOSFATOS AUTIGÊNICOS

Transformação da francolita em pseudomorfos (apatita e fluorapatita) durante a diagênese.

FASE 4

GERAÇÃO DE FOSFATO SUPERGÊNICO

Transformação dos minerais autigênicos e primários em wavellita por processos de alteração intempérica e concentração destes minerais em descontinuidades físicas das rochas.


Referências

Chaves, A.G., Heineck, C.A., Tavares, W.P. 1971. Projeto Cedro do Abaeté. Belo Horizonte. Convênio DNPM/CPRM, 1971, 2v  (Rel. Final).

Costa, M.T. & Branco, J. J.R. 1961. Roteiro para a excursão Belo Horizonte-Brasília. 14º Congresso Brasileiro de Geologia. UFMG, Inst. Pesq. Radioat., Publ. 15, 25p., Belo Horizonte.

Da Rocha Araujo, P.R., Flicoteaux, R., Parron, C., Trompette, R. 1992. Phosphorites of the Rocinha Mine – Patos de Minas (Minas Gerais, Brazil): Genesis and Evolution of the a Middle Proterozoic Deposit Tectonized by the Brasiliano Orogeny. Economic Geology, v. 87:332-351.

Dill, H.G. 2001. The geology of aluminium phosphates and sulphates of the alunite group minerals: a review. Earth-Science Reviews, v. 53: 35-93.

  

Dott, J.R. 1964. Wake, graywacke and matriz: What approach to immature sandstone classification. Jour. Sedimentary.Petrol, v. 34:625-632.

Föllmi, K.B. 1996. The phosphorus cycle, phosphogenesis and marine phosphate-rich deposits. Earth-Science Reviews, v. 40:55-124.

Hiatt, E.E. & Budd, D. A. 2001. Sedimentary phosphate formation in warm shallow waters: new insights into the paleooceanography of the Permian Phosphoria Sea from analysis of phosphate oxygen isotopes. Sedimentary Geology, v.  14:119-133.

Lima, O.N.B., 2005. Grupo Bambuí: Estratigrafia regional no Alto Rio São Francisco e geologia dos depósitos fosfáticos da Serra Saudade-MG. Dissertação de Mestrado, UFMG, Belo Horizonte., 142