INDEX
ST7 - 03

 

AGALMATOLITO DO QUADRILÁTERO FERRÍFERO, MINAS GERAIS

 

Jordt-Evangelista, H. ; Delgado, C.E.R.

 

Departamento de Geologia/Escola de Minas, UFOP - hanna@degeo.ufop.br., delgado@degeo.ufop.br.

 

Abstract

Agalmatolite is a peraluminous rock type of industrial use, composed essentially of pyrophyllite. Agalmatolite occurrences and mines are distributed over an area of about 350 km2 to the northwest of the Quadrilátero Ferrífero mineral province, Minas Gerais,. There are several rock types that are commercially named agalmatolite, and which are made of variable amounts of other minerals besides pyrophyllite, such as muscovite, quartz, diaspore, kaolinite, kyanite, andalusite, corundum, rutile/leucoxene, zircon and tourmaline. The agalmatolite was formed by hydrothermal alteration along shear zones cutting rocks belonging to the Archean Rio das Velhas greenstone belt. In the largest mine of the province, located in Pará de Minas, the country rocks are metavolcanic and metasedimentary rocks. The metavolcanic rocks are composed of relict phenocrysts of alkali-feldspar and a metamorphic matrix of chlorite, muscovite, epidote and quartz. The metasedimentary rocks are schists with variable amounts of quartz, muscovite, kyanite, andalusite, corundum, garnet, staurolite, chloritoid, chlorite, tourmaline and rutile/leucoxene. Meter scale layers of banded iron formations are also found. The association of staurolite and chloritoid and the intergrowth of kyanite-andalusite enabled to establish the PT conditions of the regional Archean metamorphic event, which formed the country rocks, at T ~500-550oC and P~3 kbar. The syn-tectonic pyrophyllitization along shear zones of possible Transamazonian age, which acted as sinks for H2O-rich fluids, occurred at T ~350oC, and P = 2 kbar.

 

Palavras-chave: agalmatolito, Minas Gerais, metamorfismo, metassomatismo.

 

INTRODUÇÃO

O agalmatolito constitui uma rocha peraluminosa composta essencialmente por pirofilita, largamente empregada nas indústrias de tinta, cerâmica, borracha e celulose. Em Minas Gerais, diversas ocorrências e minas de agalmatolito concentram-se em um lineamento morfo-estrutural de direção NW-SE, que abrange parte dos municípios de Mateus Leme, Onça do Pitangui e Pará de Minas (Figura 1). Nessa região o agalmatolito ocorre associado a rochas quartzíticas, com intercalações de metavulcânicas ácidas a intermediárias atribuídas ao Supergrupo Rio das Velhas (Romano, 1989). Os depósitos são lenticulares, com centenas de metros de comprimento e espessura variando de 20 a 120 m (Luz et al., 2001). Várias dessas ocorrências foram objeto de estudos durante a primeira metade do século XX (Leinz, 1938; Morais, 1938), sendo a mineralogia e as propriedades físicas desse minério descritas por Nogueira & Barzaghi (1972).

Embora agalmatolito seja, por definição, uma rocha essencialmente constituída pelo filossilicato pirofilita, comercialmente aceitam-se tipos litológicos que contenham também muscovita, quartzo e, às vezes, cianita e andaluzita. Este trabalho apresenta os resultados da caracterização petrográfica e da interpretação petrogenética de diversos tipos de agalmatolito, bem como de suas rochas encaixantes.

 


Figura 1. Mapa geológico e de localização das principais ocorrências de agalmatolito (Lara Filho,1997)

 

PETROGRAFIA DAS ROCHAS ENCAIXAN-TES

As rochas encaixantes mais comuns do agalmatolito estão descritas a seguir.

 

Meta-latito/meta-riolito

As rochas meta-ígneas observadas na região de Pará de Minas têm cor esverdeada, foliação incipiente e portam fenocristais centimétricos de microclina rosada. Plagioclásio só encontra-se preservado em raras amostras. A matriz metamórfica contém epidoto, sericita, clorita, carbonato e pequena quantidade de quartzo. Os fenocristais são euédricos (Figura 2), podendo estar deformados e parcialmente recristalizados. A preservação de cristais com hábito magmático mostra tratar-se de uma rocha de origem vulcânica. Os minerais acessórios mais comuns são apatita, zircão, allanita e minerais opacos. A rocha vulcânica original poderia corresponder a um latito

 

Quartzito e quartzo-muscovita xisto

Rochas ricas em quartzo são encontrados por toda a região. O xisto é, às vezes, explotado como agalmatolito e, por isso, será descrito adiante, no sub-ítem que trata do agalmatolito.

 

Cloritóide-granada-estaurolita-muscovita xisto

Apresenta muscovita, estaurolita e granada como principais minerais (Figura 2). Essas rochas podem ainda conter quartzo, cloritóide, biotita, clorita, minerais opacos, zircão, turmalina, rutilo e apatita em quantidades subordinadas.

 

Cianita-andaluzita xisto

Os xistos a cianita e andaluzita (Figura 3) podem conter pirofilita, às vezes como principal mineral e, por isso, esse tipo litológico será tratado a seguir, no sub-ítem correspondente ao agalmatolito.

 

Formação ferrífera

Por vezes observam-se camadas métricas de formações ferríferas, com teores variáveis de quartzo e óxidos de ferro associadas às encaixantes da mineralização de agalmatolito.

 

 

 

Figura 2. Fotomicrografias de encaixantes do agalmatolito. À esquerda: metavulcânica com fenocristal relíctico de feldspato (feld) e matriz com pirofilita (pir) e muscovita (mus); LPX, altura da foto = 3mm. À direita: xisto com estaurolita (est) envolvida por cloritóide (cl) e inclusa em granada (gr); LPP, altura da foto = 3 mm.

 

 

PETROGRAFIA DO AGALMATOLITO

As rochas comercialmente explotadas como agalmatolito estão descritas a seguir.

 

Pirofilita fels

O minério de maior pureza constitui-se de uma massa finíssima de pirofilita, podendo ainda conter palhetas maiores de muscovita (Figura 4) e traços de zircão, turmalina, rutilo/leucoxênio e diásporo. Algumas variedades possuem pequena quantidade de quartzo. Essa rocha não costuma apresentar foliação e constitui um tipo relativamente raro.

 

Quartzo-muscovita xisto ± pirofilitizado

Xistos com quartzo normalmente têm palhetas orientadas de muscovita e grãos (ou agregados) lenticulares de quartzo com tamanho milimétrico. Os minerais acessórios são rutilo/leucoxênio e zircão e às vezes também turmalinas e minerais opacos. Essa rocha é bastante comum em toda a região, observando-se freqüentemente a sua gradação para tipos ricos em quartzo e tipos ricos em muscovita. O quartzito pode exibir clastos policristalinos de quartzo, cuja forma arredondada sugere uma origem detrítica. A deformação interna desses clastos atesta a recristalização dinâmica parcial ocorrida durante o metamorfismo. As variedades onde o quartzo é subordinado são classificadas como muscovita xisto. Os xistos podem ter teores variáveis de pirofilita, de granulação finíssima e sem orientação preferencial.

 

Cianita-andaluzita xisto ± pirofilitizado

É constituído de cianita, andaluzita, quartzo e muscovita, como minerais principais, cujos teores variam de amostra para amostra. Pirofilita pode ocorrer em maior ou menor quantidade como produto de alteração dos citados minerais (Figura 3). Em quantidade subordinada aparecem diásporo, caulinita, coríndon, rutilo/leucoxênio, zircão, turmalina, minerais opacos e, às vezes, cloritóide. A andaluzita constitui cristais maiores (de até vários centímetros) formados às custas da cianita, conforme indicam as texturas de substituição e os relictos de cianita preservados dentro da andaluzita (Figura 3). Andaluzita e cianita foram submetidas a forte deformação, com geração de fraturas, kink bands e recristalização em agregados de grãos menores. Ao longo de fraturas e kink bands houve alteração, inicialmente em muscovita. Posteriormente, andaluzita, cianita e muscovita foram alteradas em pirofilita e/ou diásporo.

 

 

 

Figura 3. Fotomicrografias de cianita-andaluzita xisto. À esquerda: andaluzita (and) com relictos de cianita (cia), quartzo (qtz) e alteração em pirofilita (pir); LPP; altura da foto = 3mm. À direita: pirofilita (pir) e diásporo (dia) formados por reação entre andaluzita (and) e quartzo (qtz); LPX, altura da foto = 3mm

 

Distinção entre pirofilita e muscovita

A muscovita foi encontrada mesmo nas rochas com elevados teores de pirofilita. Como a distinção de pirofilita e muscovita em lâminas delgadas é dificultada pela grande semelhança de suas propriedades ópticas, foram realizadas análises de MEV/SED para verificar se os dois minerais poderiam ser distinguidos pelo hábito. Os resultados analíticos de muscovita, pirofilita e diásporo constam da Tabela 1 que, aliados às imagens de elétrons retroespalhados (Figura 4) permitem a distinção desses três minerais. Verifica-se que os grãos de porte maior são sempre muscovita, enquanto que os finos podem ser pirofilita ou muscovita. No entanto, sempre que o filossilicato fino apresenta orientação preferencial, trata-se de muscovita, sendo que pirofilita constitui agregados decussados.

Como essas feições texturais também são visíveis na microscopia óptica convencional, habilita-se, assim, o seu emprego como importante ferramenta para a caracterização dos diversos tipos de agalmatolito, com a vantagem de se conseguir uma boa estimativa da proporção de pirofilita e muscovita, aliada aos menores custos das análises empregadas.

 

Tabela 1. Composição química (% peso) de minerais do agalmatolito e encaixantes obtida por MEV

 

Mineral

SiO2

Al2O3

Fe2O3*

K2O

Na2O

Total

1

Pir

69,08

30,77

0,00

0,15

0,00

100

Mus

50,35

39,10

0,00

9,04

1,51

100

Dia

2,82

97,02

0,00

0,16

0,00

100

2

Pir

68,86

30,69

0,00

0,45

0,00

100

Mos

49,19

40,24

0,00

10,57

0,00

100

3

Pir

70,46

29,54

0,00

0,00

0,00

100

4

Mos**

53,30

30,74

4,85

11,11

0,00

100

*Fe como Fe2O3; **Filossilicato  fino  com  forte orienta-ção; 1-Pirofilita fels, 2-Muscovita-quartzo-pirofilita xisto, 3-Cianita-andaluzita fels, 4-Metavulcânica; Pir=pirofilita, Mus=muscovita, Dia=diásporo

 

 

 

Figura 4. Imagens de MEV/SED de agalmatolito mostrando as diferenças texturais entre muscovita (mosc), pirofilita (pir) e diásporo (dia)

 

 

Petrogênese

Metamorfismo regional

O cloritóide e a estaurolita, encontrados nas encaixantes do agalmatolito, são bons indicadores de grau metamórfico, sendo o primeiro típico de fácies xisto verde e a segunda, de fácies anfibolito, embora possam formar-se conjuntamente entre 500 e 550oC.

Em algumas amostras os dois minerais parecem constituir uma paragênese estável, mas em outras as relações texturais apontam o contrário, pois estaurolita constitui relictos envolvidos pelo cloritóide (Figura 2). Isso pode significar que reações retrometamórficas incompletas operaram durante o resfriamento da fácies anfibolito inferior até a xisto verde superior e só então as associações minerais passaram a ficar preservadas.

A transformação de cianita em andaluzita (Figura 3), observada com freqüência em amostras da região de Onça do Pitangui e Pará de Minas, pode ser o resultado de um processo de despressurização associado às zonas de cisalhamento. Uma alternativa seria um aquecimento isobárico, semelhante ao descrito na Serra do Curral próximo a Ibirité, em que as rochas do Grupo Sabará junto ao embasamento (Complexo Granito-Gnáissico Belo Horizonte) foram aquecidas, sob pressão constante, em torno de 3 kbar, de cerca de 450ºC até cerca de 650ºC, em virtude do uplift do embasamento quente, decorrente da extensão crustal transamazônica (Marshak et al., 1992; Jordt-Evangelista et al., 1992).

 

Geração da pirofilita

A pirofilitização se deu em evento posterior ao metamorfismo regional de fácies anfibolito inferior, em conseqüência da instalação das zonas de cisalhamento supostamente transamazônicas (Heineck, 1997), nas quais houve infiltração metassomática de fluidos hidrotermais. A pirofilitização ocorreu em temperaturas da fácies xisto verde inferior, entre cerca de 300 e 400oC, que é a faixa de estabilidade da pirofilita. Reações retrometamórficas de formação de pirofilita e de diásporo para T~350ºC e P= 2 kbar são descritas (Haas & Holdaway, 1973):

 

 

Evidências dessas reações podem ser vistas na Figura 3, sendo que os fluidos, provavelmente de natureza predominantemente aquosa, causaram não apenas a formação de pirofilita e diásporo, mas também transformações químicas, com lixiviação de elementos mais móveis e concentração residual do alumínio, que é um elemento de mobilidade muito reduzida. Conclui-se que a geração da pirofilita e, conseqüentemente, o aumento relativo do teor de Al, decorreu da infiltração de fluidos metassomáticos em zonas de cisalhamento que recortaram as rochas originais, de natureza vulcanossedimentar.

 

Agradecimentos

Ao Prof. Dagoberto B. Santos (DEMET/UFMG) pelas análises de MEV; à Lamil Lage Minérios pelas amostras de Pará de Minas, ao Geólogo Paulo Tomedi pelas amostras de Onça do Pitangui e Azurita.

 

REFERÊNCIAS

Haas, H. & Holdaway, M.J. 1973 Equilibria in the system Al2O3-SiO2-H2O involving the stability limits of pyrophyllite. Am. J. Sci., v. 273, 449-464.

Heineck, C.A. 1997. Geologia e mineralizações do Greenstone Belt Rio das Velhas na região de Mateus Leme, Minas Gerais. Dissertação de Mestrado, UFMG, Belo Horizonte.

Jordt-Evangelista, H., Alkmim, F.F., Marshak, S. 1992. Metamorfismo progressivo e a ocorrência dos três polimorfos de Al2SiO5 (cianita, andaluzita e sillimanita) na Formação Sabará em Ibirité, Quadrilátero Ferrífero, MG. REM: Revista Escola de Minas, Ouro Preto, v. 45: 157-160.

Lara Filho, J. 1997. Geologia do Talco e Pirofilita. In: Schobbenhaus, C. et al. (eds). Principais Depósitos Minerais do Brasil. v. 4, Minerais Industriais, Parte C. Brasília, DNPM/CPRM. Cap. 47:592-543.

Leinz, V. 1938. Petrografia e gênese dos agalmatolitos de Minas Gerais. In: MORAES, L.J. et al. Estudo do agalmatolito. Avulso 32.  Rio de Janeiro, DNPM. Serv. Fom. Prod. Mineral. P. 17-22.

Luz, A.B; Andrade, M.C.; Gaspar, O.M.; Tomedi, P.; Lares, C.A.R. 2001. Agalmatolito Lamil. In: Sampaio, J.A. et al. (Eds). Usinas de Beneficiamento de Minérios do Brasil. Rio de Janeiro: CETEM/MCT: 201-210.

Marshak, S., Alkmim, F.F., Jordt-Evangelista, H. 1992. Proterozoic crustal extension and the generation of dome-and-keel structure in an Archean granite-greenstone terrene. Nature,  v. 357, 491-493.

Moraes L.J. de. 1938. Jazidas de agalmatolito em Minas Gerais. Mineração e Metalurgia,  v. 3:89-96.

Nogueira, H., Barzaghi, L. 1972 Composição mineralógica do agalmatolito de Pará de Minas. Cerâmica, v. 18:371-380.

Romano, A.W. 1989. Evolution tectonique de la region Nord-Ouest du Quadrilatere Ferrifere – Minas Gerais – Bresil. Tese de Doutoramento, Universidade de Nancy, França, 259 p.