QUIMIOESTRATIGRAFIA DA FORMAÇÃO SETE
LAGOAS,
GRUPO BAMBUÍ, MINAS GERAIS
Vieira, L.C.1; Trindade, R.I.F.1; Nogueira, A.C.R.2
1. Instituto de Geofísica, Astronomia e Ciências Atmosféricas
da Universidade de São Paulo (IAG-USP), Rua do Matão,
1226, Cidade Universitária, São Paulo-SP, 05508-090
? lucieth@iag.usp.br, rtrindad@iag.usp.br
2. Departamento de Geociências, Universidade Federal do Amazonas,
Avenida General Rodrigo Ramos, 3000, Manaus-AM, 69077-000 ? anogueira@ufam.edu.br
ABSTRACT
Sedimentological and C-O isotopic studies have been carried out
in six sections of the Sete Lagoas Formation at its classical outcropping
area, in the southern tip of the São Francisco Craton, central
Brazil. At the study area, the Neoproterozoic Sete Lagoas Formation
comprises two more than 200 m thick shallowing-upward megacycles
and four facies associations. The first megacycle presents deep-platform
deposits with abundance of crystal fans (aragonite-pseudomorph).
These deposits are characterized by negative C isotope values (?4.5).
They grade upward into storm-wave and tidal influenced layers with
?13C values around 0. In the second megacycle a new transgression
has drowned the platform, depositing a thick, mixed sub-storm wave
base succession. This megacycle comprises deposits of lime mudstone-pelite
rythmite, which grade into crystalline limestone rich in organic
matter, both with positive ?13C values. Considering that regional
correlation of the Sete Lagoas deposits indicates they rest atop
glaciomarine rocks of the Macaúbas Group, and that basal
strata show seafloor precipitates with negative ?13C values, it
is allowed to characterize the Sete Lagoas carbonate as a cap carbonate.
Geochronological data suggest this unit correlates better with post-Sturtian
sequences.
Palavras-chave: isótopos de carbono, Neoproterozóico,
cap carbonate, Sturtian
Uma assinatura negativa de isótopo de ?13C tem sido observada
em seqüências carbonáticas Neoproterozóicas
em vários lugares do mundo, incluindo Austrália, Namíbia,
China, Canadá, Estados Unidos e Brasil (McKirdy et al., 2001;
James et al.,2001; Lorentz et al., 2004; Nogueira et al., em revisão).
Este dado é usado como um importante elemento para a caracterização
e correlação de deposições carbonáticas,
ocorridas imediatamente após o término de extensos
períodos glaciais. Essas ocorrências constituem os
depósitos denominados de cap carbonates.
No sul do Cráton do São Francisco, a Fm. Sete Lagoas,
base do Grupo Bambuí, tem sido considerada por alguns autores,
como um exemplo de cap carbonate, possivelmente relacionada ao evento
glacial Sturtian, devido às assinaturas isotópicas
negativas de ?13C. Entretanto, estes dados foram obtidos em afloramentos
isolados, com contexto estratigráfico mal definido. Neste
trabalho efetuamos um estudo faciológico e estratigráfico
detalhado, complementado por descrições petrográficas
de amostras representativas, em seis seções que correspondem
a pedreiras localizadas próximo à cidade de Sete Lagoas,
e o afloramento de corte de estrada do Carrancas localizado 15 km
ao sul, próximo à cidade de Vespasiano (Figura 1).
Todas as seções foram medidas e amostradas para análise
de isótopos de C e O. Uma seção completa desta
unidade é apresentada com as implicações para
sua correlação com a sedimentação pós-glacial
do Neoproterozóico.
Figura 1. Mapa geológico
com a localização das seções estudadas:
CR-Carrancas, CA-Pedreira Canaã, SA-Pedreira Sambra, TA-Pedreira
Tatiana, MG-Pedreira Mata Grande, PR-Polícia Rodoviária.
O Grupo Bambuí recobre as seqüências
glaciais do Macaúbas, Jequitaí e Carrancas por extensas
áreas
dentro do Cráton do São Francisco. Esse grupo está
subdividido, da base para o topo, nas Formações Sete
Lagoas, composta por dolomitos, calcários, siltitos e pelitos;
Serra de Santa Helena, constituída por folhelhos e siltitos;
Lagoa do Jacaré que consiste de siltitos, margas e calcários
pretos; Serra da Saudade, constituída por folhelhos verdes,
pelitos, siltitos e lentes de calcário; finalmente a Fm.
Três Marias recobre toda a seqüência com siltitos
verdes e arcósios.
Os dados obtidos permitiram a indivualização de quatro
associações de fácies para a Fm. Sete Lagoas,
na área em estudo, as quais correspondem a dois megaciclos
de shallowing-upward com mais de 200 m de espessura. A associação
de fácies 1 (AF1) é composta por depósitos
de plataforma profunda supersaturada em CaCO3, representados por
fácies de calcilutito com crostas fibrosas e leques de cristais
(pseudomorfos de aragonita), intercaladas com calcilutito com laminação
plano-paralela, que gradam para fácies de calcário
cristalino com laminações cruzada cavalgante supercrítica
e quase planar. A associação de fácies 2 (AF2)
se caracteriza por deposição em ambiente de plataforma
influenciada por tempestade e maré, cujas fácies consistem
em calcários cristalinos com estratificações
cruzadas do tipo swaley e hummocky, marcas de onda com padrão
de interferência, acamamento de mega-marca ondulada, acamamento
heterolítico, marcas de onda assimétricas, laminação
plano-paralela, laminação de baixo ângulo, gutter
cast e geometria de canal. A associação de fácies
3 (AF3) é composta por depósitos de plataforma profunda-mista
com fácies que correspondem a ritmitos de lama, calcilutito
e pelitos dispostos em camadas tabulares, além de calcários
cristalinos com laminação planar, ricos em matéria
orgânica. A última associação de fácies
(AF4) caracteriza deposição em plataforma rasa (subtidal),
cujas fácies correspondem a calcário cristalino preto
com laminação truncada por onda, convoluta e planar,
além de microbialito (microbial boundstone).
As análises de isótopos de C e O foram realizadas
em 89 amostras de calcário de granulometria fina das seções
CR, SA, TA, CA, MG e PR. Para esta análise foram selecionadas
frações homogêneas de rocha, evitando-se os
preenchimentos de fratura e zonas intemperizadas. Foram analisadas
amostras frescas sem traços de deformação ou
metamorfismo, isto é, que não apresentavam intenso
neomorfismo com obliteração das estruturas primárias
nem assembléia mineralógica metamórfica. Em
seção delgada, a textura original é preservada,
embora modificações causadas por neomorfismo ocorram
localmente, tais como os tufos de calcita considerados como pseudomorfos
de aragonita encontrados na AF1 e recristalização
encontrada na AF3 e AF4.
As análises foram realizadas no Laboratório de Isótopos
Estáveis do Centro Geocronológico de Pesquisa da Universidade
de São Paulo (CPGEO/USP). O gás CO2 foi extraído
das amostras pulverizadas de carbonato por meio da reação
com ácido fosfórico a 100% (d>1.92 g/cm3) sob vácuo
após 24 horas de reação. O CO2 foi purificado
em uma linha de extração e analisado no espectrômetro
de massa GEO 20-20, EUROPA, utilizando-se padrões internacionais
da IAEA além de um padrão secundário. Os resultados
são expressos em notação convencional de permil
() relativa ao padrão PDB (Pee Dee Belemnite). O erro analítico
é de 0,2 tanto para o carbono quanto para o oxigênio.
|
As razões de isótopo de carbono (?13C) mostram uma
forte variação ao longo dos perfís estudados,
de ?5.1 a +11.6. A maioria das amostras apresentam razões
de isótopo de oxigênio (?18O) muito empobrecidas em
?18O, variando de 13.5 a 4.5. Este forte empobrecimento foi descrito
como modificação diagenética relacionada a
fluidos meteóricos (e.g., Jacobsen & Kaufman, 1999).
Na verdade, considerando as possíveis características
anômalas do Oceano Neoproterozóico após as glaciações,
esses valores podem representar o registro original da composição
química do oceano naquele período (Corsetti &
Kaufman, 2003; Halverson et al., in press). De fato, não
foram verificadas intensas alterações diagenéticas
nas seções delgadas, bem como não foram observados
trends diagenéticos no diagrama de ?13C contra ?18O, quer
para perfís individuais ou para associações
de fácies (Figura 2). Além disso, outras evidências
de alteração diagenética, tais como razões
Mn/Sr, obtidas previamente em alguns dos perfís estudados
indicam assinatura isotópica primária (Peryt et al.,
1990; Santos et al., 2000)
Figura 2. Diagrama de
?13C contra ?18O para as fácies da sucessão carbonática
Sete Lagoas e diamictito Carrancas individualizados por associação
de fácies (AF1, AF2, AF3 e AF4). Os valores isotópicos
estão expressos em .
Os registros de C e O mostraram mudanças
coerentes e em fases que correspondem à variação
estratigráfica (Figura 3). O diagrama de C contra O da Figura
2 mostra claramente grupos distintos de amostras para cada associação
de fácies, com aumento de ?13C em direção ao
topo da sucessão. Uma anomalia negativa de carbono foi identificada
nas associações de fácies basais. A matriz
carbonática do diamictito Carrancas apresenta os valores
mais empobrecidos em ?13C, variando de variando de 5.1 a 3.3
e também em ?18O variando de 13.5 a 12.0.O calcilutito
com pseudomorfos de aragonita da AF1 apresenta ?13C variando de
4.5 a +0.8. As porções mais inferiores das seções
CR, SA e TA apresentam valores em torno de ?4.0, que coincide com
os
Figura 3. Perfil estratigráfico
composto, perfil de ?13C e ?18O da Fm. Sete Lagoas e diamictito
Carrancas. As linhas pontilhadas marcam os limites de seqüência.
valores encontrados em outros cap carbonates, sendo considerada
a assinatura típica destes depósitos do Neoproterozóico
(Hoffman & Schrag, 2002). Na porção superior da
seção SA, a transição da AF1 para a
AF2 é caracterizada por um aumento abrupto nos valores de
?13C, que passam de 2.2 para 0.7. Em contraste, os valores de
?13C na seção TA apresentam um aumento progressivo
para valores em torno de 0 próximo ao contato com a AF2.
A ocorrência de rochas da AF1 com valores em torno de 0 é
responsável pela superposição de valores isotópicos
entre a AF1 e AF2 na Figura 2. Os valores de ?18O nas rochas da
AF1 apresentam uma grande variação, de 13.5 até
7.3. Observa-se uma clara correlação entre as seções
amostradas e as razões de isótopos de oxigênio;
nas seções CR e TA os valores são muito empobrecidos,
enquanto na seção SA ocorrem os valores menos empobrecidos.
Os valores de ?13C para as amostras da AF2 são limitados
a uma pequena faixa de variação em torno de 0. Os
valores de ?18O para essa associação de fácies
vai de 8 a 4.5, e portanto, não é muito ampla.
A AF3 é caracterizada por valores positivos de ?13C, com
valores em torno de +2, no ritmito de calcilutito com pelito, até
valores acima de +8 nos calcários pretos superiores. Os
valores de ?18O nesta associação de fácies
varia entre 9.8 e 6.1. Os maiores valores de ?13C são
encontrados no microbialito da AF4 variando de +10.5 até
+11.2, enquanto o ?18O varia entre 12.0 e 9.5.
As anomalias negativas de ?13C encontradas na Fm. Sete Lagoas estão
estratigraficamente relacionadas às fácies da AF1,
mais especificamente, aos níveis com cristais (pseudomorfos
de aragonita). Contrariamente ao que tem sido dito, esses níveis
com cristais estão bem representados no registro geológico
da área estudada com distribuição perfeitamente
mapeável na bacia, não se tratando de uma ocorrência
isolada. Considerando que a correlação regional indica
que os depósitos Sete Lagoas se sobrepõem a rochas
glaciomarinhas do Grupo Macaúbas, e que a base da sucessão
apresenta precipitados de fundo marinho com valores negativos de
?13C, é possível caracterizar o carbonato Sete Lagoas
como um cap carbonate. Uma idade Pb-Pb de 740 Ma (Babinski &
Kaufman, 2003) obtida na base desta unidade associada à ausência
de anomalia Trezona (Halverson et al., no prelo) e de fósseis
mais jovens, sustentam uma deposição relacionada ao
evento glacial Sturtian. Contudo, a correlação estratigráfica
da Fm. Sete Lagoas com outros cap carbonates consideradas pós-Sturtian
ainda guarda algumas questões a serem esclarecidas.
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