Uhlein, A.¹; Trompette, R.R.²; Boudzoumou, F.³
Abstract Palavras-chave: sedimentação glacial, bacias rifte neoproterozóicas, diamictitos. Introdução Pode-se subdividir as glaciações neopro-terozóicas do Gondwana Ocidental em dois intervalos de idade (Trompette, 1994): uma mais antiga (~850 Ma), cujos registros são identificados no Cráton São Francisco-Congo; uma mais nova (~600 Ma), cujos registros são encontrados na Faixa Paraguai, na margem sudeste do Cráton Amazônico e nas Bacias Taodeni e Volta, relacionadas ao Cráton W-Africano. Diversas litologias ou estruturas permitem reconhecer registros glaciais antigos, especialmente seqüências de diamictitos com pequena espessura, às vezes intercalados com sedimentos pelíticos e arenosos, os quais podem apresentar clastos caídos ou pingados. Os clastos podem mostrar evidências de abrasão glacial, assim como o substrato pode conter estrias e caneluras indicando a ação pretérita do gelo. Seqüências sedimentares gravitacionais são comuns em bacias rifte neoproterozóicas e mostram diamictitos espessos intercalados ou interdigitados com arenitos e pelitos de origem turbidítica, metamorfizados e dobrados. Estas seqüências ocorrem, frequentemente, constituindo cinturões ou faixas dobradas neoproterozóicas definindo os limites com as áreas cratônicas adjacentes. O objetivo deste trabalho é descrever as rochas glaciogênicas neoproterozóicas do Cráton São Francisco-Congo e relacioná-las, quando possível, a processos gravitacionais de sedimentação, que ocorrem nas faixas dobradas adjacentes.
O Cráton São Francisco-Congo Ocorre no centro do Gondwana Ocidental, sendo envolvido por várias faixas dobradas neoproterozóicas Brasilianas-Pan-Africanas. Durante a abertura do Oceano Atlântico, o Cráton São Francisco-Congo foi dividido em duas partes: o bloco cratônico do São Francisco, situado no Brasil, e o bloco cratônico Congo-Zaire, situado no continente africano (Figura 1). O Cráton São Francisco-Congo é constituído por crosta arqueana-paleoproterozóica, apresentando extensas coberturas neoproterozóicas, às vezes com registros glaciais.
Figura 1. Esboço do Cráton do São Francisco-Congo e suas faixas marginais, com indicação de rochas glaciogênicas e gravitacionais neoproterozóicas. Faixas dobradas: Rar – Ribeira-Araçuaí; Br – Brasília; SO – Sergipana/Oubanguides; M – Moçambique; K – Katanga; D – Damara; WC – Oeste do Congo.
Na parte norte destaca-se a bacia Lindien, que aflora no Zaire. Próximo da costa Atlântica, entre o Gabão e Angola, aflora a bacia Oeste-Congo, ao lado da faixa dobrada de mesmo nome. Ambas as unidades mostram rochas glaciogênicas neoproterozóicas, provavelmente sincrônicas. A bacia ou Supergrupo Lindien é uma sequência de cobertura subhorizontal a fracamente deformada, constituída por três grupos. Na base ocorre o Grupo Ituri, com 150 m de espessura, composto por arenitos, folhelhos e calcários. O Grupo Lokoma, com 500 metros de espessura, inicia com diamictitos estratificados (0-40m), de origem glacial, e é sucedido por arenitos, folhelhos e calcários. Os diamictitos são denominados de tilitos Akwokwo e mostram seixos e matacões de arenitos, chert, calcários, xistos e granitóides, alguns deles estriados (Trompette, 1994). Para o topo, aflora o Grupo Aruwimi, com espessura de 1500 m de arenitos arcosianos e folhelhos. A bacia ou Supergrupo Oeste-Congo é constituída por um grupo basal, representado por diamictitos e arenitos, um grupo intermediário (“schisto-calcaire”, semelhante ao Grupo Bambuí) constituído por pelitos e calcários e uma unidade de topo (“schisto-greseux”, semelhante à Fm. Três Marias) com arenitos e pelitos. O Grupo inferior possui dois níveis de diamictitos, separados por arenitos e folhelhos. O nível inferior, com espessura de várias centenas de metros, é de origem controvertida, provavelmente relacionado a sedimentação gravitacional, a partir de erosão do Supergrupo Mayombe. O nível superior, consiste de um diamictito marinho, glaciogênico, com espessura que varia de 0 a 100 metros, e que foi estudado em detalhe por Boudzoumou (1986). Este nível é bem caracterizado no flanco leste da bacia do Supergrupo Oeste-Congo. No Brasil, ocorre uma importante cobertura neoproterozóica, o Supergrupo São Francisco, constituída, na base, por seqüências de diamictitos glacio-marinhos (Formações Jequitaí e Bebedouro) e, no topo, pelo Grupo Bambuí, com sedimentos siliciclásticos marinhos e carbonatos. A Formação Jequitaí aflora ao redor da Serra do Cabral, com espessura de 0 a 100 metros, constituída por diamictitos maciços e estratificados (Karfunkel & Hoppe, 1988; Uhlein et al., 2004). Aflora também na região de Cristalina, sul de Goiás, com cerca de 150 metros de espessura e intercalações de diamictitos e pelitos, estes contendo clastos pingados. A Formação Bebedouro aflora na região da Chapada Diamantina (BA), apresentando diamictitos, arenitos e pelitos, com espessura de 0 a 150 metros (Guimarães, 1996). Reconstituições paleogeográficas têm mostrado diferentes calotas de gelo neoproterozóico que recobriram o paleocontinente São Francisco e deslocaram-se para bacias marginais (Uhlein et al., 2004).
Faixas neoproterozóicas com sedimentação gravitacional Estas estruturas são cinturões de dobras e empurrões derivados da inversão de várias bacias tipo rifte e preenchidas por sedimentos gravitacionais influenciados ou não pela glaciação neoproterozóica. Ao norte do Cráton São Francisco-Congo ocorre a faixa Sergipana-Oubanguides, a leste destaca-se a faixa Moçambique, ao sul as faixas Damara e Katanga, a sudoeste a faixa Araçuaí-Ribeira no Brasil e a faixa Oeste-Congo na África e, a oeste do Cráton São Francisco-Congo, a Faixa Brasília (Figura 1). As Faixas Ribeira-Araçuaí (Rar) e Oeste do Congo (WC) constituem um cinturão orogênico de dupla vergência, que foi dividido em dois pela abertura do Oceano Atlântico. A Faixa Araçuaí é constituída pelo Supergrupo Espinhaço (Paleo-Mesoproterozóico) e pelo Grupo Macaúbas (Neoproterozóico). Este último é constituído por metadiamictitos e metassedimentos turbidíticos, com vários quilômetros de espessura, deformados e vergentes para oeste. Granitóides leucocráticos e gnaisses kinzigíticos predominam na costa Atlântica. A Faixa Oeste do Congo (WC) é constituída pelo embasamento policíclico, o Supergrupo Mayombe (Paleo a Mesoproterozóico) e o Supergrupo Oeste do Congo, deformados com vergência para leste (Boudzoumou & Trompette, 1988). Este mega-orógeno mostra rochas glaciogênicas nas bordas cratônicas (Fm. Jequitaí no Brasil e diamictito superior na Bacia Oeste do Congo), com desenvolvimento de espessas seqüências gravitacionais no interior da faixa dobrada (Trompette, 1994). Na Faixa Damara (D) destaca-se a Formação Chuos, constituída por metadiamictitos com clastos de quartzitos, xistos, calcários e metabásicas interpretados como fluxos gravitacionais e interdigitados com metaturbiditos. Para o topo, ocorrem rochas carbonáticas estromatolíticas, micaxistos e quartzitos com vários quilômetros de espessura relacionados a Fm. Khomas (Porada, 1989). A faixa dobrada Katanga, em forma de arco (Lufilian Arc), mostra nappes em direção ao norte. Na base, aflora o Grupo Roan (Mesoproterozóico), constitutído por quartzitos e metapelitos mineralizados em cobre. Em discordância ocorre o Grupo Kundelungu (Neoproterozóico), constituído por dois níveis de conglomerados (grand et petit conglomerads), com espessura aproximada de 1000 m, interpretados como depósitos gravitacionais (fluxos de detritos). Clastos facetados e estriados, além de ritmitos com clastos isolados, indicam possível influência glacial. Para o topo, afloram sedimentos areno-pelíticos com níveis carbonáticos, com cerca de 3000 m de espessura (Unrug, 1983; Trompette, 1994). As faixas Sergipana-Oubanguides (SO) constituem o limite norte do Cráton São Francisco-Congo. Na faixa Sergipana (Silva Filho et al., 1979) ocorrem os Grupos Miaba (provavelmente Mesoproterozóico) e Vaza-Barris (Neoprotero-zóico). Este último compreende a Fm. Capitão- Palestina, constituída por metadiamictitos, com seixos e matacões de quartzitos, granitóides e carbonatos, sucedidos pela Formação Olhos d’Água (carbonatos), parcialmente interdigitadas com sedimentos metapelíticos e paragnaisses do Grupo Macururé, ao norte. A Faixa Oubanguide posui 300 km de largura, sendo constituída por metassedimentos de baixo a médio grau metamórfico, com intercalações tectônicas do embasamento policíclico. Na base aflora a Série Nola (quartzitos e xistos), provavelmente equivalente do Sg. Mayombe. Em discordância, ocorrem conglomerados e diamictitos de Badja, com seixos de quartzitos, xistos e calcários. Para o topo afloram metassedimentos areno-pelíticos e carbonáticos com cerca de 5000 m de espessura (Grupo Bakouma), conforme Poidevin (1985) e Trompette (1994). A faixa Brasília (Br) constitui o limite oeste do cráton. Afloram metassedimentos glaciogênicos da Form. Jequitaí na região de Cristalina, sul de Goiás. Mais para oeste aflora o Grupo Ibiá, com metadiamictitos na base e metaritmitos areno-pelíticos para o topo. Sedimentação gravitacional com influência glacial a leste e influência de um arco magmático a oeste, caracterizam o Grupo Ibiá (Dardenne, 2000).
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