INDEX
ST6 - 06


GLACIAÇÃO NEOPROTEROZÓICA NO CRÁTON SÃO FRANCISCO-CONGO

Uhlein, A.¹; Trompette, R.R.²; Boudzoumou, F.³

1. UFMG, Belo Horizonte - auhlein@uai.com.br
2. Paris, França  -  Professor aposentado.
3. MME, Brazaville, Congo.

 

Abstract

 
The São Francisco-Congo craton is surrounded by severals neoproterozoic Brasiliano-Pan-African orogens. Distinct glaciogenic diamictite-bearing units crop out within the São Francisco-Congo craton, Jequitaí and Bebedouro Formations in Brazil and West-Congo, and Lindien basins in Africa. These units appear to be synchronous because the similar stratigraphic position of the diamictite sequence. A glacial center or ice-caps once covered the São Francisco-Congo craton and advanced towards the marginal marine basins. Thin glaciomarine facies developed on the border of the craton and were reworked by subaqueous gravity flows and graded, laterally, into thick debris-flow (metadiamictites) and turbidites deposits (quartzites, metarhythmites, schists) in marginal rift basins (fold belts).

Palavras-chave: sedimentação glacial, bacias rifte neoproterozóicas, diamictitos.

Introdução

Pode-se subdividir as glaciações neopro-terozóicas do Gondwana Ocidental em dois intervalos de idade  (Trompette, 1994): uma mais antiga (~850 Ma), cujos registros são identificados no Cráton São Francisco-Congo; uma mais nova (~600 Ma), cujos registros são encontrados na Faixa Paraguai, na margem sudeste do Cráton Amazônico e nas Bacias Taodeni e Volta, relacionadas ao Cráton W-Africano. 

Diversas litologias ou estruturas permitem reconhecer registros glaciais antigos, especialmente seqüências de diamictitos com pequena espessura, às vezes intercalados com sedimentos pelíticos e arenosos, os quais podem apresentar  clastos caídos ou pingados. Os clastos podem mostrar evidências de abrasão glacial, assim como o substrato pode conter estrias e caneluras indicando a ação pretérita do gelo.

Seqüências sedimentares gravitacionais são comuns em bacias rifte neoproterozóicas e mostram diamictitos espessos intercalados ou interdigitados com arenitos e pelitos de origem turbidítica, metamorfizados e dobrados. Estas seqüências ocorrem, frequentemente, constituindo cinturões ou faixas dobradas neoproterozóicas definindo os limites com as áreas cratônicas adjacentes.

O objetivo deste trabalho é descrever as rochas glaciogênicas neoproterozóicas do Cráton São Francisco-Congo e relacioná-las, quando possível, a processos gravitacionais de sedimentação, que ocorrem nas faixas dobradas adjacentes.

 

O Cráton São Francisco-Congo

Ocorre no centro do Gondwana Ocidental, sendo envolvido por várias faixas dobradas neoproterozóicas Brasilianas-Pan-Africanas. Durante a abertura do Oceano Atlântico, o Cráton São Francisco-Congo foi dividido em duas partes: o bloco cratônico do São Francisco, situado no Brasil, e o bloco cratônico Congo-Zaire, situado no continente africano (Figura 1).

O Cráton São Francisco-Congo é constituído por crosta arqueana-paleoproterozóica, apresentando extensas coberturas neoproterozóicas, às vezes com registros glaciais.


 

Figura 1. Esboço do Cráton do São Francisco-Congo e suas faixas marginais, com indicação de rochas glaciogênicas e gravitacionais neoproterozóicas. Faixas dobradas: Rar – Ribeira-Araçuaí; Br – Brasília; SO – Sergipana/Oubanguides; M – Moçambique; K – Katanga; D – Damara; WC – Oeste do Congo.


 


Na parte norte destaca-se a bacia Lindien, que aflora no Zaire. Próximo da costa Atlântica, entre o Gabão e Angola, aflora a bacia Oeste-Congo, ao lado da faixa dobrada de mesmo nome. Ambas as unidades mostram rochas glaciogênicas neoproterozóicas, provavelmente sincrônicas. A bacia ou Supergrupo Lindien é uma sequência de cobertura subhorizontal a fracamente deformada, constituída por três grupos. Na base ocorre o Grupo Ituri, com 150 m de espessura, composto por arenitos, folhelhos e calcários.  O Grupo Lokoma, com 500 metros de espessura, inicia com diamictitos estratificados (0-40m), de origem glacial, e é sucedido por arenitos, folhelhos e calcários. Os diamictitos são denominados de tilitos Akwokwo e mostram seixos e  matacões de arenitos, chert, calcários, xistos e granitóides, alguns deles estriados (Trompette, 1994). Para o topo, aflora o Grupo Aruwimi, com espessura de 1500 m de arenitos arcosianos e folhelhos.

A bacia ou Supergrupo Oeste-Congo é constituída por um grupo basal,  representado por diamictitos e arenitos, um grupo intermediário (“schisto-calcaire”, semelhante ao Grupo Bambuí) constituído por pelitos e calcários e uma unidade de topo (“schisto-greseux”, semelhante à Fm. Três Marias) com arenitos e pelitos. O Grupo inferior possui dois níveis de diamictitos, separados por arenitos e folhelhos. O nível inferior, com espessura de várias centenas de metros, é de origem controvertida, provavelmente relacionado a sedimentação gravitacional, a partir de erosão do Supergrupo Mayombe. O nível superior, consiste de um diamictito marinho, glaciogênico, com espessura que varia de 0 a 100 metros, e que foi estudado em detalhe por Boudzoumou (1986). Este nível é bem caracterizado no flanco leste da bacia do Supergrupo Oeste-Congo.

No Brasil, ocorre uma importante cobertura neoproterozóica, o Supergrupo São Francisco, constituída, na base, por seqüências de diamictitos glacio-marinhos (Formações Jequitaí e Bebedouro) e, no topo, pelo Grupo Bambuí, com sedimentos siliciclásticos marinhos e carbonatos. A Formação Jequitaí aflora ao redor da Serra do Cabral, com espessura de 0 a 100 metros, constituída por diamictitos maciços e estratificados (Karfunkel & Hoppe, 1988; Uhlein et al., 2004).  Aflora também na região de Cristalina, sul de Goiás, com cerca de 150 metros de espessura e intercalações de diamictitos e pelitos, estes contendo clastos pingados. A Formação Bebedouro aflora na região da Chapada Diamantina (BA), apresentando diamictitos, arenitos e pelitos, com espessura de 0 a 150 metros (Guimarães, 1996). Reconstituições paleogeográficas têm mostrado diferentes calotas de gelo neoproterozóico que recobriram o paleocontinente São Francisco e deslocaram-se para bacias marginais (Uhlein et al., 2004)

 

Faixas neoproterozóicas com sedimentação gravitacional

Estas estruturas são cinturões de dobras e empurrões derivados da inversão de várias bacias tipo rifte e preenchidas por sedimentos gravitacionais influenciados ou não pela glaciação neoproterozóica. Ao norte do Cráton São Francisco-Congo ocorre a faixa Sergipana-Oubanguides, a leste destaca-se a faixa Moçambique, ao sul as faixas Damara e Katanga, a sudoeste a faixa Araçuaí-Ribeira no Brasil e a faixa Oeste-Congo na África e, a oeste do Cráton São Francisco-Congo, a Faixa Brasília (Figura 1).

As Faixas Ribeira-Araçuaí (Rar) e Oeste do Congo (WC) constituem um cinturão orogênico de dupla vergência, que foi dividido em dois pela abertura do Oceano Atlântico. A Faixa Araçuaí é constituída pelo Supergrupo Espinhaço (Paleo-Mesoproterozóico) e pelo Grupo Macaúbas (Neoproterozóico). Este último é constituído por metadiamictitos e metassedimentos turbidíticos, com vários quilômetros de espessura, deformados e vergentes para oeste. Granitóides leucocráticos e gnaisses kinzigíticos predominam na costa Atlântica. A Faixa Oeste do Congo (WC) é constituída pelo embasamento policíclico, o Supergrupo Mayombe (Paleo a Mesoproterozóico) e o Supergrupo Oeste do Congo, deformados com vergência para leste (Boudzoumou & Trompette, 1988). Este mega-orógeno mostra rochas glaciogênicas nas bordas cratônicas (Fm. Jequitaí no Brasil e diamictito superior na Bacia Oeste do Congo), com desenvolvimento de espessas seqüências gravitacionais no interior da faixa dobrada (Trompette, 1994).

Na Faixa Damara (D) destaca-se a Formação Chuos, constituída por metadiamictitos com clastos de quartzitos, xistos, calcários e metabásicas interpretados como fluxos gravitacionais e interdigitados com metaturbiditos. Para o topo, ocorrem rochas carbonáticas estromatolíticas, micaxistos e quartzitos com vários quilômetros de espessura relacionados a Fm. Khomas (Porada, 1989).

A faixa dobrada Katanga, em forma de arco (Lufilian Arc), mostra nappes em direção ao norte. Na base, aflora o Grupo Roan (Mesoproterozóico), constitutído por quartzitos e metapelitos mineralizados em cobre. Em discordância ocorre o Grupo Kundelungu (Neoproterozóico), constituído por dois níveis de conglomerados (grand et petit conglomerads), com espessura aproximada de 1000 m, interpretados como depósitos gravitacionais (fluxos de detritos). Clastos facetados e estriados, além de ritmitos com clastos isolados, indicam possível influência glacial. Para o topo, afloram sedimentos areno-pelíticos com níveis carbonáticos, com cerca de 3000 m de espessura (Unrug, 1983; Trompette, 1994).

As faixas Sergipana-Oubanguides (SO) constituem o limite norte do Cráton São Francisco-Congo. Na faixa Sergipana (Silva Filho et al., 1979) ocorrem os Grupos Miaba (provavelmente Mesoproterozóico) e Vaza-Barris (Neoprotero-zóico). Este último compreende a Fm. Capitão- Palestina, constituída por metadiamictitos, com seixos e matacões de quartzitos, granitóides e carbonatos, sucedidos pela Formação Olhos d’Água (carbonatos), parcialmente interdigitadas com sedimentos metapelíticos e paragnaisses do Grupo Macururé, ao norte. A Faixa Oubanguide posui 300 km de largura, sendo constituída por metassedimentos de baixo a médio grau metamórfico, com intercalações tectônicas do embasamento policíclico. Na base aflora a Série Nola (quartzitos e xistos), provavelmente equivalente do Sg. Mayombe. Em discordância, ocorrem conglomerados e diamictitos de Badja, com seixos de quartzitos, xistos e calcários. Para o topo afloram metassedimentos areno-pelíticos e carbonáticos com cerca de 5000 m de espessura (Grupo Bakouma), conforme Poidevin (1985) e Trompette (1994).

A faixa Brasília (Br) constitui o limite oeste do cráton. Afloram metassedimentos glaciogênicos da Form. Jequitaí na região de Cristalina, sul de Goiás. Mais para oeste aflora o Grupo Ibiá, com metadiamictitos na base e metaritmitos areno-pelíticos para o topo. Sedimentação gravitacional com influência glacial a leste e influência de um arco magmático a oeste, caracterizam o Grupo Ibiá (Dardenne, 2000).

 

Referências

Boudzoumou, F. 1986. La chaîne panafricaine ouest-congolienne et son avant-pays au Congo (Afrique). Tese 3o ciclo, Univ. Aix-Marseille III, 220 p. França.

Boudzoumou, F. & Trompette, R. 1988. La chaîne panafricaine ouest-congolienne au Congo: un socle polycyclique charrié sur un domaine subautochtone formé par l’aulacogène du Mayombe ey le bassin de l’Ouest Congo. Bull. Soc. Geol. France, v. 8: 889-896.

Dardenne, M.A. 2000 The Brasília Fold Belt. In:  Cordani, U.G., Milani, E.J., Thomaz Filho, A., Campos, D.A. (Eds.) Tectonic Evolution of South America.:231-264.

Guimarães, J.T. 1996. A Formação Bebedouro no Estado da Bahia: faciologia, estratigrafia e ambientes de sedimentação. Diss. de Mestrado. UFBA, 155 p.

Karfunkel, J. & Hoppe, A. 1988  Late Proterozoic glaciation in central eastern Brazil: synthesis and model. Palaeogeogr., Palaeoclimatol., Palaeoecol., v. 65:1-21.

Poidevin, J.L. 1985. Le Proterozoïque supérieur de la Republique Centrafricaine. Anais Musee Roy. Afr. Centr, Tervuren, Belgica, Sér.8, Sci.Géol., v. 91, 75 p.

Porada, H. 1989. Pan-African rifting and orogenesis in southern to equatorial Africa and eastern Brazil. Precambrian Research, v. 44: 103-136.

Silva Filho, M.A. et al., 1979. Geologia da Geossinclinal Sergipana e do seu embasamento. Projeto Baixo São Francisco/Vaza-Barris. MME-DNPM,  131 p.

Trompette, R. 1994. Geology of Western Gondwana (2000-500 Ma). Balkema, 350 p.

Uhlein, A et al. 2004  Glaciação neoproterozóica sobre o Cráton do São Francisco e faixas dobradas adjacentes. In: Mantesso-Neto, V., Bartorelli, A., Carneiro, C.D.R., Brito-Neves, B.B. (Orgs.) Geologia do Continente Sul-American.:539-553 .

Unrug, R. 1983. The Lufilian arc: a microplate in the Pan-African collision zone of the Congo and the Kalahari cratons. Precambrian Research, v. 21:181-196.