A BACIA DO SÃO FRANCISCO: ARCABOUÇOS ESTRATIGRÁFICO 
            E ESTRUTURAL COM BASE NA INTEGRAÇÃO DE DADOS DE SUPERFÍCIE 
            E SUBSUPERFÍCIE
          
            Martins-Neto, M.A.1,2
          1- Departamento de Geologia, Escola de Minas, Universidade Federal 
            de Ouro Preto
            2- NUPETRO – Núcleo de Geologia do Petróleo, Fundação 
            Gorceix
            Caixa Postal 173, 35400-000, Ouro Preto ? MG ? marcelo@nupetro.com.br
          ABSTRACT
          The stratigraphic and structural frameworks of the 
            Neoproterozoic São Francisco basin are presented here, based 
            on the integration of surface geology with subsurface information, 
            mostly seismic mapping. One stratigraphic unit has been recognized 
            in the basement of the Neoproterozoic section of the basin (Espinhaço 
            Sequence), whereas three first-order stratigraphic units have been 
            mapped in the Neoproterozoic succession: Canastra/Paranoá, 
            Macaúbas, and Bambuí sequences. The data also allowed 
            the characterization of three different tectonic regimes: rift, strike-slip 
            and compressional. Rift tectonics is recognized through normal faults 
            related to the early stage of the Canastra/Paranoá Sequence 
            to the west and the Macaúbas Sequence to the east. Flower-structures 
            characterize the structural style of the strike-slip tectonics, which 
            affects the Canastra/Paranoá and Macaúbas sequences. 
            The structural framework of the compressional tectonics suggests an 
            evolution in two deformation stages: one thin-skinned, characterized 
            by imbricate fans over a detachment surface on the base of the Bambuí 
            Sequence and a later stage, basement involved, whose faults deform 
            the detachment surface of the previous stage.
          Palavras-chave: Bacia do São Francisco, Proterozóico, 
            tectônica, estratigrafia.
            
            INTRODUÇÃO
            A integração de dados de superfície e subsuperfície 
            na Bacia do São Francisco (Figura 1) levou à caracterização 
            dos estilos estruturais dos domínios transicionais da Faixa 
            Brasília e Cráton do São Francisco, deste com 
            a Faixa Araçuaí, bem como à caracterização 
            em subsuperfície das unidades componentes do preenchimento 
            da bacia.
            Das unidades estratigráficas descritas na literatura com base 
            em geologia de superfície, o mapeamento sísmico identificou, 
            acompanhado da amarração das principais unidades com 
            a geologia de superfície e com os dados do poço 1-RF-1-MG, 
            as seguintes unidades: Embasamento (pré 1,8 Ga), Seqüência 
            Espinhaço, além das sucessões meso-neoproterozóicas 
            de primeira ordem que compõem a Bacia do São Francisco 
            sensu strictu: Seqüência Canastra/Paranoá, Seqüência 
            Macaúbas e Seqüência Bambuí (Figura 2). Estas 
            correspondem ao registro de três ciclos de embaciamento superpostos 
            no espaço e sucessores no tempo: dois ciclos rifte-margem passiva, 
            representados pelos depósitos da Seqüência Canastra/Paranoá 
            (Meso-Neoproterozóico, Faixa Brasília) e Seqüência 
            Macaúbas (Neoproterozóico, Faixa Araçuaí), 
            bem como um ciclo de antepaís (foreland), representado pela 
            Seqüência Bambuí (Neoproterozóico).
          
            De maneira geral, as unidades meso-neoproterozóicas que compõem 
            a Bacia do São Francisco mostram uma geometria em forma de 
            cunha, com maiores espessuras a oeste, junto à Faixa Brasília 
            (ca. 8000 m), e menores espessuras a leste, junto à Faixa Araçuaí, 
            onde possuem algumas centenas de metros (Figura 2).
          ARCABOUÇO ESTRATIGRÁFICO
          Seqüência Espinhaço
            A Seqüência Espinhaço ocorre no extremo leste da 
            área, no domínio transicional do Cráton do São 
            Francisco com a Faixa Araçuaí (Figura 2), aflorando 
            no flanco oeste da Serra da Água Fria. A unidade acunha para 
            oeste, mostrando a leste espessuras máximas da ordem de 1500 
            m. 
          Seqüência Canastra/Paranoá
            O mapeamento sísmico mostra que a Seqüência Canastra/Paranoá 
            possui uma geometria geral na forma de cunha, com espessuras máximas 
            na porção oeste da área estudada da bacia, já 
            nos domínios da Faixa Brasília, onde atinge ca. 5000 
            m. O pinchout da unidade se dá bem próximo ao extremo 
            leste do Cráton do São Francisco, já nos domínios 
            da sua transição com a Faixa Araçuaí (Figura 
            2).
            
            A Seqüência Canastra/Paranoá pôde ser dividida 
            em subsuperfície em quatro sub-unidades (Rifte, Margem Passiva 
            Inferior, Margem Passiva Intermediária e Margem Passiva Superior, 
            Figura 2). Depósitos da fase rifte da bacia de margem passiva 
            Canastra/Paranoá ocorrem no oeste da bacia, em depocentros 
            controlados por falhas normais. A sucessão Canastra/Paranoá 
            Margem Passiva Inferior ocorre nas porções oeste, com 
            espessuras variando entre 1000 e 1500 m, e central da área, 
            onde acunha e desaparece a oeste do poço 1-RF-1-MG. 
            
          
          
            
              |  Figura 1. 
                  Localização da porção estudada da 
                  Bacia do São Francisco (linha cinza grossa) em relação 
                  ao Cráton do São Francisco e faixas Brasília 
                  e Araçuaí. | 
          
          
            Figura 1. Localização da porção estudada 
            da Bacia do São Francisco (linha cinza grossa) em relação 
            ao Cráton do São Francisco e faixas Brasília 
            e Araçuaí. 
          A sucessão margem passiva intermediária 
            da Seqüência Canastra/Paranoá mostra ampla distribuição 
            sobre a bacia (Figura 2), sugerindo ser o registro da máxima 
            expansão do mar Canastra/Paranoá, com espessuras máximas 
            variando em torno dos 2000 m a oeste, no domínio transicional 
            do Cráton do São Francisco com a Faixa Brasília. 
            
            A sucessão margem passiva superior da Seqüência 
            Canastra/Paranoá aflora nos arredores da cidade de Cristalina, 
            Estado de Goiás. Tratam-se de depósitos plataformais 
            siliciclásticos, variando de pelitos/ritmitos de plataforma 
            mais profunda, influenciados por ondas, a quartzo-arenitos de plataforma 
            mais rasa, influenciados por ondas e marés. Em sísmica, 
            a distribuição desta unidade se restringe às 
            porções oeste e central da bacia, embora eventos tectônicos 
            podem ter causado a erosão das suas porções mais 
            externas a leste. Os dados sugerem espessuras máximas em torno 
            dos 1000 m. A sismofácies bem estratificada mostra que os depósitos 
            marinho-plataformais aflorantes em Cristalina/GO perfazem a totalidade 
            da unidade em subsuperfície.
          Seqüência Macaúbas
            A Seqüência Macaúbas ocorre no extremo leste da 
            área estudada da bacia, na zona de transição 
            do Cráton do São Francisco com a Faixa Araçuaí, 
            onde a sísmica pode ser amarrada com a geologia de superfície 
            na Serra da Água Fria.
            O mapeamento sísmico integrado com dados de afloramentos permitiu 
            o reconhecimento de duas sub-unidades na Seqüência Macaúbas: 
            Macaúbas Rifte e Macaúbas Flexural.
            Um pequeno graben pode ser reconhecido junto à borda oeste 
            da Serra da Água Fria, mostrando espessuras de depósitos 
            sinrifte (glaciogênicos cf. geologia de superfície) da 
            ordem de 800 m. Depósitos flexurais (marinhos plataformais 
            rasos) ocorrem com espessuras de apenas umas poucas centenas de metros, 
            acunhando e desaparecendo na região do poço 1-RF-1-MG, 
            que ainda penetra nesta unidade.
          Seqüência Bambuí
            A Seqüência Bambuí também exibe uma geometria 
            de cunha, com depocentro na porção oeste da área 
            na zona de transição entre o Cráton do São 
            Francisco e a Faixa Brasília (Figura 2), onde atinge espessuras 
            da ordem de 3000 m. Cabe ressaltar que a Seqüência Bambuí 
            encontra-se alóctone neste domínio, envolvida em um 
            leque imbricado de falhas reversas. Neste sentido, a espessura acima 
            mencionada refere-se à espessura sísmica da unidade 
            e não à espessura estratigráfica.
            No domínio autóctone da unidade, observam-se espessuras 
            máximas da ordem de 2000 m. O poço 1-RF-1-MG encontra-se 
            neste domínio, muito próximo da zona de espessura máxima 
            e mostra a Seqüência Bambuí com 1780 m de espessura. 
            Na zona externa da cunha, a leste, na zona de transição 
            entre o Cráton do São Francisco e a Faixa Araçuaí, 
            a Seqüência Bambuí mostra espessuras de poucas centenas 
            de metros. A interpretação sísmica amarrada com 
            o poço 1-RF-1-MG e a geologia de superfície permitiram 
            o reconhecimento e mapeamento, no domínio autóctone 
            da Seqüência Bambuí, das formações 
            Sete Lagoas, Serra de Santa Helena e La-
           
             Figura 2. Seção 
            geológica (escala vertical em TWT) ao longo da sísmica 
            do domo de Cristalina (GO) à Serra da Água Fria (MG), 
            mostrando as unidades estratigráficas reconhecidas, bem como 
            a influência da tectônica vergente para o interior cratônico 
            das faixas Brasília a oeste e Araçuaí a leste.
          
            
            goa do Jacaré, além de uma unidade sismoes-tratigráfica 
            superior agregando as formações Serra da Saudade e Três 
            Marias. 
            A análise sismofaciológica associada a observações 
            de campo mostra que as unidades carbonáticas (formações 
            Sete Lagoas e Lagoa do Jacaré) são bem caracterizadas 
            na sísmica (Figura 3a) e que estas rochas, abundantes nos domínios 
            rasos externos da bacia, tendem a diminuir na direção 
            oeste nos domínios mais profundos da bacia. Nesta última 
            região, já na zona de leques imbricados alóctones, 
            predominam depósitos pelíticos associados a depósitos 
            arenosos gravitacionais de leques submarinos (incluindo turbiditos, 
            Figura 3b). A integração regional sugere que estes depósitos 
            pertencem à Seqüência Bambuí. Calcilutitos 
            delgados intercalados nesta sucessão podem representar seções 
            condensadas da plataforma carbonática desenvolvida a leste, 
            em domínios mais rasos da bacia.
          
            Figura 3. Exemplos 
            de amarração de aforamentos com a sísmica (estrela 
            na sísmica mostra posição do afloramento). Em 
            (a) carbonatos da Fm. Sete Lagoas próximos a Jequitaí 
            e em (b) turbiditos da seção alóctone, próximos 
            a Unaí. Notar padrão de dobramentos em b.
          
            ARCABOUÇO ESTRUTURAL
            Podem ser reconhecidos na Bacia do São Francisco elementos 
            estruturais relativos a uma tectônica rifte, uma tectônica 
            transcorrente e uma tectônica compressiva. O arcabouço 
            estrutural da tectônica compressiva reflete uma evolução 
            em duas fases de deformação: uma fase thin-skinned, 
            caracterizada por leques imbricados sobre um detachment descolado 
            na base da Seqüência Bambuí, e uma fase mais tardia 
            de embasamento-envolvido, cujas falhas deformam o detachment da fase 
            anterior, rompendo na superfície, sobretudo na porção 
            mais a sul da bacia (p. ex., na região de Paracatu/MG), onde 
            faz aflorar depósitos da Seqüência Canastra/Paranoá.
          Tectônica rifte
            Falhas normais constituem o principal elemento estrutural da tectônica 
            rifte passível de mapeamento com os dados sísmicos disponíveis. 
            Tendo em vista a dimensão e espessura estratigráfica 
            dos depósitos sinrifte, pertencentes à Seqüência 
            Canastra/Paranoá, bem como a geologia regional da Faixa Brasília, 
            sugere-se que estas estruturas representem grabens situados nas porções 
            mais externas do rifte, tendo sido os principais depocentros envolvidos 
            por completo na orogênese da Faixa Brasília.
            Merece menção o mapeamento de uma falha normal junto 
            à borda oeste da Serra da Água Fria, que representa, 
            na área estudada, o único registro da tectônica 
            rifte da abertura da Bacia Macaúbas, cuja maior expressão 
            encontra-se nos domínios da Faixa Araçuaí.
          Tectônica transcorrente
            Estruturas em flor (Figura 4) caracterizam o estilo estrutural deste 
            evento tectônico. Os dados sísmicos sugerem que esta 
            tectônica, de caráter transcorrente e com trend estrutural 
            SW-NE, permaneceu ativa por um período significativo de tempo, 
            uma vez que critérios sismoestratigráficos sugerem um 
            controle na sedimentação desde a sucessão margem 
            passiva intermediária da Seqüência Canastra/Paranoá 
            até a Seqüência Macaúbas. Os dados sugerem 
            ainda que a tectônica cisalhante não estava ativa mais 
            no início da deposição da Seqüência 
            Bambuí. Apenas algumas reativações posteriores 
            afetaram esta seqüência.
           
          
             Figura 4. Exemplo sísmico 
            de estrutura em flor. Ver também Figura 2.
          Tectônica de cavalgamento thin-skinned
            O compartimento oeste da Bacia do São Francisco pode ser caracterizado 
            como um cinturão de dobramentos e cavalgamentos thin-skinned, 
            cujo estilo estrutural básico é o de leques imbricados. 
            O descolamento basal se dá na discordância entre as seqüências 
            Canastra/Paranoá e Bambuí. Desta forma, a Seqüência 
            Canastra/Paranoá, sotoposta, mostra baixas magnitudes de deformação, 
            enquanto a Seqüência Bambuí, sobreposta ao descolamento 
            e afetada por esta tectônica, mostra-se intensamente deformada.
            O sistema de falhas reversas, cujo front se denomina “Falha de São 
            Domingos” na literatura, mostra um trend NNW-SSE com vergência 
            para E. A leste da Falha de São Domingos, já nos domínios 
            do compartimento central da Bacia do São Francisco, os depósitos 
            da Seqüência Bambuí mostram apenas dobramentos antiformais 
            suaves e vez por outra algum falhamento de baixíssimo rejeito.
          Tectônica de cavalgamento com embasamento envolvido
            Ambos os cinturões de cavalgamentos relativos às faixas 
            Brasília e Araçuaí mostram falhas reversas envolvendo 
            o embasamento. As falhas reversas no compartimento oeste (Faixa Brasília) 
            se nuclearam, em parte, como reativação de falhas normais 
            da fase rifte da Bacia Canastra/Paranoá. A linha sísmica 
            próxima à cidade de Paracatu (MG), mostra o rompimento 
            na superfície de duas destas falhas. Estas mesmas falhas, como 
            a maioria das mapeadas na sísmica relativas a esta tectônica, 
            aparecem como falhas cegas (blind thrusts) a norte, na região 
            de Unaí, não rompendo na superfície, caracterizando 
            o alto da cidade de Cristalina (GO) como uma grande dobra de propagação 
            de falha (fault-propagation fold, Figura 2).
            A tectônica de cavalgamentos thin-skinned foi, conforme esperado, 
            anterior aos falhamentos da fase de embasamento envolvido, a julgar 
            por critérios sísmicos que mostram estes últimos 
            deformando ou mesmo rompendo o descolamento basal da tectônica 
            thin-skinned (Figura 5).
           
          
             Figura 5. Exemplo sísmico 
            de falhas da fase embasamento envolvido deformando detachment da fase 
            thin-skinned.
          Na zona de influência da Faixa Araçuaí 
            nos domínios leste da Bacia do São Francisco, a maioria 
            das falhas reversas de embasamento são também cegas, 
            gerando dobras de propagação de falha na Seqüência 
            Bambuí (Figura 2), embora para sul, a partir da região 
            da Serra da Onça, estas mesmas falhas já atingem a superfície, 
            cortando a Seqüência Bambuí.
          AGRADECIMENTOS 
            Ao CNPq por concessão de Bolsa de Produtividade em Pesquisa 
            vinculada ao projeto. À ANP pela cessão dos dados para 
            fins acadêmicos. À Landmark pela cessão do pacote 
            de softwares para fins acadêmicos. À Secretaria de Desenvolvimento 
            Econômico do estado de Minas Gerais, à Brain Tecnologia 
            Ltda. e, mais uma vez, à ANP, por parceria em projeto na Bacia 
            do São Francisco.