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ST2 - 05


CARACTERIZAÇÃO DAS ASSINATURAS MAGNÉTICAS E GAMAESPECTROMÉTRICAS DE TERRENOS CRUSTAIS EM REGIÕES TROPICAIS: O EXEMPLO DO CINTURÃO MINEIRO, MINAS GERAIS.

 

 

Uchôa, J.C.F.1; Silva, A.M.1 , Toledo,C.L.B2

 

1 Universidade Estadual de Campinas, Campinas – SP.
juliane@ige.unicamp.br
, adalene@ige.unicamp.br
2 cattoledo@terra.com.br 

 

ABSTRACT

The Mineiro Belt in the southern portion of the São Francisco Craton, Minas Gerais, Brazil, is an important Paleoproterozoic segment. Shows plutonic, volcanic and sedimentary rocks of Archean to Mesoproterozoic age, reworked by later thermo-tectonic events. However, the lack of rock exposures and connections among rock formations at surface poses problems for regional geologic mapping and interpretation. In this paper, geophysical data were successfully used to define the relationships between the principal geological units, as well as their internal structures and boundaries. Enhancement of gamma-ray spectrometry data showed their usefulness in mapping subtle compositional variations in the area, which concur with and complement the available geological data. The main product is a new geological map at 1:100.000 scale that was ground-checked for lithological, structural and stratigraphic relationships. The new geological map based on geophysical data enable a better definition of geological units and contributes directly to a more effective and efficient geological mapping.

 

Palavras-chave: Aerogeofísica, SIG, Cinturão Mineiro, porção sul do Cráton São Francisco

 

 

O Cinturão Mineiro (CM), tal como descrito por Texeira et al. (2000), é uma pequena faixa de corpos palaeoproterozóicos de direção NE-SW, situada na borda sul do cráton São Francisco. Ele é composto por uma série de plútons de natureza félsica a básica, que sinalizam o retrabalhamento crustal no ciclo transamazônico. Várias contribuições anteriores trataram da origem e distribuição desses corpos (Luiz et al., 2004; Cherman, 2004; Toledo 2002; Noce et al., 2000; Ávila, 2000, entre outros), porém muitas questões permanecem em aberto. A escassez de afloramentos aliada ao espesso manto de intemperismo constituem fatores limitantes para a cartografia geológica e, logo, para o melhor entendimento do contexto regional.

O cenário geológico da região compreende as seguintes unidades: terrenos granito-gnáissicos, distribuídos nos complexos Campo Belo, Bonfim, Belo Horizonte, Caeté e Bação com idades arqueanas, variando entre 3,3 Ga e 2,6 Ga (Machado et al. 1992; Machado & Carneiro 1992; Teixeira et al., 2000); seqüências metavulcanossedimentares arqueanas, interpretadas como greenstone belts, denominados de Greenstone Belt Rio das Velhas e Barbacena com idade mínima de deposição de 2776 Ma. (Machado & Schrank, 1996); corpos paleoproterozóicos com idades compreendidas entre de 2.220 ± 3 Ma e 2.121 ± 7 Ma (Ávila, 2000); supracrustais paleo a mesoproterozóicas, relacionadas ao Supergrupo Minas, e metassedimentos incluindo as bacias São João Del Rei, Carandaí e Andrelândia, geradas nos intervalos de 1,8-1,3 Ga, 1,3-1,0 Ga e 1,0-0,6 Ga, respectivamente (Ribeiro et al., 1995). Por fim, cortando algumas seqüências pretéritas da região de Lavras-Bom Sucesso, um magmatismo fissural básico, atribuído ao processo de cratonização arqueano do Complexo Campo Belo (idade Sm/Nd de 2.658 ± Ma, Pinese et al., 1995).

O levantamento aerogeofísico Ipatinga – São João Del Rey, efetuado pela CODEMIG e SEME (Secretaria de Minas e Energia do Estado de Minas Gerais) recobre a área de estudo e revela informações importantes sobre o arranjo destes corpos na região em apreço. Uma série de produtos derivados de dados aeromagnéticos e gamaespectrométricos bem como dados geológicos disponíveis na literatura foram integrados e interpretados em plataforma SIG (ESRI-ArcView™ 3.2, ArcGIS 9.0 (ESRI). Mapas litogeofísicos contendo assinaturas magnéticas e gamaespectométricas foram validados por perfis regionais de campo e, posteriormente, integrados com dados geológicos pré-existentes. O resultado final desta integração é um mapa geológico, na escala 1:100.000, bem como a extensão de unidades fora das áreas já mapeadas na escala 1:50.000.

 

INTERPRETAÇÃO DOS DADOS GEOFÍSICOS E GERAÇÃO DO MAPA LITOGEOFÍSICO EM AMBIENTE SIG

Os dados aerogeofísicos foram adquiridos em linhas de vôo espaçadas de 250 m, em dois blocos perpendiculares às estruturas regionais. Estes dados foram processados pela empresa responsável pelo levantamento (Lasa, 2001), reprocessados por Silva et al. (2003) e, posteriormente, foram “mascarados” para a área de trabalho.

Na extração dos domínios magnéticos foram utilizados produtos derivados do campo magnético anômalo, tais como amplitude do sinal analítico de ordem zero; primeira derivada vertical e gradiente horizontal total.

A interpretação qualitativa conjunta de todas as imagens gamaespectrométricas foi efetuada em ambiente SIG (Sistema de Informações Geográficas), utilizando-se a extensão habitat digitizer do ESRI-ArcView™ 3.2 e ArcGIS 9.0 (ESRI). A extensão habitat digitizer (de domínio público) foi criada com o objetivo de classificar hierarquicamente polígonos delineados pela interpretação visual de imagens georreferenciadas. Esta extensão permite criar esquemas de classificação eficientes e delinear rapidamente as características dos polígonos/áreas de interesse (Silva et al., 2003). Baseado nesta premissa desenvolveu-se um esquema de classificação hierárquica para a interpretação visual de imagens gamaespectrométricas levando em conta a variação dos teores de K, eTh e eU, dividida em três categorias: baixo, médio e alto.

O sistema banco de dados georreferenciado (SBDG) elaborado engloba todos os produtos derivados dos dados aerogeofísicos, mapas geológicos (litotipos e estruturas mapeadas), modelos digitais de terreno e dados geocronológicos disponíveis na literatura.

O mapa de lineamentos e domínios magnéticos (Fig. 1) é composto de seis grupos de lineamentos e um de unidades magnéticas, descritos abaixo:.

1) o primeiro grupo, é composto por lineamentos curvilíneos (Sn-1), interpretados como dobras apertadas com planos axiais aproximadamente E-W, ora sem raiz ou com flancos rompidos. Essas estruturas foram identificadas nas porções sudeste, noroeste, nordeste e centro-sul da área. São caracterizados por apresentar na Amplitude do Sinal Analítico (ASA) intercalações de unidades magnéticas de alta a baixa amplitude. Nas derivadas verticais caracterizam-se por cristas magnéticas bem realçadas. No extremo sudeste da área, foi mapeada uma estrutura elíptica de alta amplitude no sinal analítico que não aflora em superfície, situada abaixo da Serra de São José;

2) o segundo grupo de estruturas restringe-se à porção centro-sul da área. Refere-se às orientações NE-SW dos Greenstone Belts. Essas rochas apresentam, na ASA, uma baixa amplitude magnética e são circundadas por rochas altamente magnéticas. Nas derivadas, exibem traços sinuosos bem marcados.;

3) este grupo forma lineamentos descontínuos, apresentando orientação NE-SW (Sn) dispostos principalmente na porção sul e noroeste da área. Na ASA, esses lineamentos são pouco visíveis. Por vezes, apresentam certa expressão de alto gradiente e alta freqüência. Os melhores resultados podem ser visualizados nas imagens de derivada vertical e do gradiente horizontal total.

4) estes segmentos localizam-se na porção centro-norte da área, associados a feições rúpteis-dúcteis, de direção preferencial NW. Tanto na amplitude do sinal analítico quanto nas derivadas, eles apresentam contrastes e texturas mais suaves. Estas feições foram interpretadas e mapeadas neste trabalho como diques básicos, orientados na direção supracitada;

5) estas estruturas ocorrem esparsamente distribuídas na área, cortando todas as feições pretéritas, com direção persistente NNW. São reconhecidos na amplitude do sinal analítico, por apresentar picos magnéticos e texturas ressaltadas nas derivada vertical e do gradiente horizontal total.

6) o último grupo de feições é mais restrito na área. Formam lineamentos descontínuos de direção principal NNE e NE, distinguidos por apresentar altos magnéticos na ASA e cristas magnéticas nas derivadas verticais;


Figura 1.
Mapa de lineamentos e unidades magnéticas de alta amplitude do sinal analítico de ordem zero. Neste mapa, optou-se por não se destacar domínios com

baixa e média amplitude do sinal analítico.

Unidades Magnéticas

Referem-se aos domínios do magmatismo fissural de direção predominantemente NW e NNW e os domínios de alta amplitude no ASA. Optou-se por não se destacar domínios com baixa e média amplitude do sinal analítico de ordem zero. O objetivo foi destacar o magmatismo fissural e rochas com mesmas as propriedades físicas. Na direção NE, observa-se o lineamento com alta amplitude do sinal analítico, bem marcado devido à presença de formações ferríferas paleoproterozóicas atribuídas ao Supergrupo Minas (Serra de Bonsucesso).

Correlacionando-se os domínios geofísicos com as unidades litoestratigráficas regionais pode-se constatar importantes similaridades com os dados da literatura até então descritos para a área estudada. Embora as relações espaciais de muitos corpos sejam divergentes de mapas geológicos pré-existentes, é necessário ressaltar que os contatos aqui estabelecidos foram traçados a partir das assinaturas gamaespectométricas e aeromagnéticas, e validados em perfis regionais de campo, o que permitiu a extrapolação para as regiões pouco mapeadas ou com muita escassez de afloramentos.

As unidades litogeofísicas foram agrupadas em dois domínios principais, caracterizados por associações litológicas, estruturais, assinaturas magnéticas e gamaespectométricas distintas (Fig. 2).

O primeiro domínio reúne rochas correlacionáveis aos terrenos arqueanos graníticos-gnáissicos compreendidos entre as cidades Ijaci, Bom Sucesso e Santo Antônio do Amparo. Este compartimento inclui: (i) as estruturações dúcteis, expressas em dobramentos de direção axial aproximadamente E-W, associadas a rochas que se alternam entre assinaturas moderadamente ricas em K, eTh e eU e rochas ricas em K; (ii) corpos graníticos de assinatura alto K e alto eTh, interpretados como Granito Bonsucesso; (iii) rochas metassedimentares da Serra de Bom Sucesso, relacionadas ao Supergrupo Minas, de direção NNE, apresentando alto gradiente magnético na ASA, e médio K e alto eTh na gamaespectometria. As assinaturas de alto K e alto eTh na porção sul deste domínio, relacionam-se aos sedimentos proterozóicos da Bacia Ijaci.

O segundo domínio está relacionado ao Cinturão Mineiro, regido por uma forte estruturação regional de orientação NE-SW, associada a rochas com assinaturas gamaespectométricas variadas. A deformação (Sn) que afeta os litotipos do CM é caracterizada por uma foliação penetrativa, de direção variando de N30E/90oNW a N30W/90oSW, e por falhas direcionais dextrais, como, por exemplo, a Falha Nazareno. Além dos lineamentos, pode-se ressaltar: (i) litologias com baixas razões K, eTh e eU, correlacionadas às seqüências do tipo greenstone belt (GB); (ii) corpos félsicos ricos em K, eTh e eU; (iii) grupo de granitóides intermediários, com assinaturas variando de alto K, alto eTh e médio eU a alto K, médio eTh e médio eU. Os corpos plutônicos de natureza máfica a

 

 

Figura 2. Mapa geológico integrado da área de estudo, gerado a partir de dados geofísicos e geológicos.

(Toledo, 2002; Ávila, 2000; Queméneur et al., 2002; Ribeiro et al., 2002)

 

ultramáfica apresentam baixas razões radiométricas (baixo K, baixo eTh e baixo eU).

Cortando todas as unidades geológicas da região, identificou-se uma série de diques máficos, mapeados principalmente nos produtos derivados da magnetometria, conforme já mencionado.

 

DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com a integração dos dados geofísicos e geológicos, pôde-se ressaltar para o Cinturão Mineiro:

1. Um grupo de granitóides félsicos, cuja idade de seus protólitos datam de 3,07-2,62 (TDM) Ga (Noce et al., 2000) e são relacionados a fontes crustais arqueanas, a saber: Ritápolis, Itutinga e Itumirim. Esses corpos apresentam assinaturas gama-espectométricas muito semelhantes (alto K, alto eTh, alto eU). A assinatura geofísica destas rochas permitiu o realce de seus limites e relações de contato;

2. Corpos tonalíticos e trondjhemíticos (Tabuões e Cassiterita), que apresentam idades (TDM) de 2,43 e 2,47 Ga, respectivamente, e são caracterizados na gamaespectrometria por assinatura semelhantes (alto K, alto eTh e alto eU). Os limites destes corpos foram redefinidos em função das assinaturas supracitadas;

3. Mapeamento dos corpos Ritápolis e São Tiago (ST), cuja extensão em área é difícil de ser identificada devido à ausência de litotipos aflorantes, bem como o mapeamento da extensão das seqüências de Greenstone Belts até as mediações de Lagoa Dourada. A individualização dessas seqüências supracrustais arqueanas, e a sua extensão para além dos limites já mencionados na literatura, se deu por sua marcante assinatura radiométrica, onde a variação dos radionuclídeos (K, eTh, eU) é expressivamente baixa. Informação esta, imprescindível para otimizar o trabalho de campo, já que estas rochas afloram, esparsamente, na forma de blocos.

Além de uma melhor delimitação espacial dos corpos paleoproterozóicos e das faixas do tipo greenstone belt, a interpretação dos dados aerogeofísicos permitiu a caracterização de diferentes domínios estruturais, contribuindo também para o refinamento da cartografia do CM e do núcleo arqueano.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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