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ST2 - 02


ESTRUTURAS GEOELÉTRICAS DA LITOSFERA SOB A BORDA SW DO
CRÁTON DO SÃO FRANCISCO

 

 

Padilha, A.L.; Vitorello, I.; Bologna, M.S.; Pádua, M.B.

 

INPE, C.P. 515, 12201-970, São José dos Campos - SP, Brasil. padilha@dge.inpe.br

 

ABSTRACT

 

Magnetotelluric soundings deployed along four profiles at the SW pericratonic limits of the São Francisco craton have mapped the occurrence of very resistive keels, down to depths of 200 km, and of conductive wedges that penetrate the craton. The conductive zones coincide with regions of Cretaceous magmatism and the presence of the deep resistive zones below the craton and the adjacent Neoproterozoic fold belts has significant implications to models of suggested continental collisions.

 

Palavras-chave: Cráton do São Francisco, geofísica, sondagens MT, condutividade elétrica, litosfera

 

 


INTRODUÇÃO

Levantamentos geofísicos com o método MT (Magnetotelúrico) estão sendo realizados nos planaltos do sul-sudoeste do Cráton do São Francisco e suas faixas remobilizadas circunvizinhas. Esses levantamentos almejam coletar dados, inéditos para a região, ao longo de perfis transversais às estruturas tectônicas da área e assim fornecer imagens 2D das variações de condutividade elétrica em diferentes profundidades da litosfera (desde os primeiros quilômetros até a sua base). Pretende-se com isso avaliar o relacionamento espacial de camadas condutoras, descontinuidades e possíveis anisotropias elétricas com transições térmicas e mecânicas da crosta e manto superior, inferidas a partir de outros dados geofísicos. A integração de todos esses dados pode fornecer os vínculos necessários para a elaboração de modelos da formação e evolução geodinâmica dessa região do cráton.

Os dados disponíveis estão dispostos ao longo de quatro perfis (Fig. 1). O mais setentrional deles corta a região da Província Ígnea do Alto Paranaíba (APIP), centrado na cidade de Coromandel sobre os terrenos metamórficos da Faixa Brasília e estendendo-se para sudoeste até os sedimentos e vulcânicas da Bacia do Paraná e para nordeste até a Bacia Sanfranciscana. Os outros três perfis iniciam-se sobre exposições do embasamento Arqueano do Cráton do São Francisco Meridional e estendem-se para sul e oeste dos limites do cráton (conforme propostos por Almeida, 1977; Alkmim et al., 1993), alcançando os sistemas orogênicos Mantiqueira e Tocantins (Faixa Brasília), relacionados ao ciclo Brasiliano (Brito Neves et al., 1999). Um desses perfis estende-se também até a Bacia do Paraná, cortando o forte gradiente gravimétrico associado à sutura do antigo Cráton do Paramirim (Almeida, 1981; Lesquer et al., 1981). Uma discussão resumida dos resultados obtidos é aqui apresentada.

 

METODOLOGIA

O método MT utiliza variações temporais do campo geomagnético para obter informações das estruturas geoelétricas do interior terrestre. Para tanto, pares de eletrodos não polarizáveis e magnetômetros de alta precisão (bobinas de indução ou fluxgate) são instalados na superfície da Terra para efetuar medidas simultâneas em um amplo espectro de freqüências dos componentes Hx, Hy e Hz do campo geomagnético e das componentes horizontais ortogonais (Ex e Ey) do campo geoelétrico induzido. Ao incidir na superfície da Terra parte do campo magnético penetra em seu interior e induz correntes elétricas. A profundidade de penetração do sinal eletromagnético é função da raiz quadrada do período, mas depende também da distribuição da condutividade elétrica do meio. Tipicamente, sinais da ordem de 0,001s até cerca de 1000s investigam profundidades desde dezenas de metros até dezenas de quilômetros. Períodos mais longos (acima de 10.000s) podem penetrar desde a base da crosta até algumas centenas de quilômetros no manto superior. Uma descrição mais extensiva do método, com exemplos de aplicações atuais, pode ser encontrada em Simpson & Bahr (2005).

 

INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

Para interpretação dos dados, as estruturas geológicas que dão origem às curvas MT são determinadas mediante a comparação dos dados experimentais com dados sintéticos, calculados através de modelos (método inverso) e a partir do conhecimento da condutividade elétrica das rochas, obtida através de medidas em laboratório.

 

Resultados do perfil A

A Figura 2 mostra o resultado da inversão 2D dos dados da APIP, em um perfil SW-NE com extensão aproximada de 180 km. Uma seção transversal é apresentada com o eixo x indicando a distância ao longo do perfil, com a localização de algumas das estações MT na forma de triângulos invertidos na superfície, e o eixo y indicando a profundidade. A variação de resistividade modelada sob o perfil é exibida em diferentes tons de cinza, de acordo com a escala de resistividades presente na parte inferior da figura (tons mais claros correspondem a estruturas mais condutoras e mais escuros a estruturas mais resistivas).

Esse resultado mostra que o manto superior é bastante heterogêneo nessa região, identificando-se um bloco altamente resistivo sob a parte central do perfil, circundado por uma rápida diminuição de resistividade com a profundidade. Essas variações de resistividade estão de acordo com os dados geoquímicos disponíveis (e.g., Bizzi et al., 1995), os quais atestam a presença de kamafugitos e carbonatitos em regiões coincidentes com condutividades mais elevadas em profundidades mais rasas do manto superior e de kimberlitos e lamproitos em regiões com quilhas resistivas profundas.

A interpretação sugerida é que o bloco resistivo seria uma estrutura refratária, relacionada com a extensão para sudoeste da litosfera Arqueana do Cráton do São Francisco, sob as rochas metamórficas neoproterozóicas da Faixa Brasília (Bologna et al., 2005). Os valores de resistividade nesse bloco são típicos da presença de olivina seca nessas profundidades, com uma espessura de cerca de 200km sendo inferida para essa região a partir do contorno da resistividade de 10 ohm.m (Fig. 2). Como conseqüência desse resultado, sugere-se que o magmatismo Cretáceo tenha sido provavelmente derivado do manto litosférico.

Por outro lado, valores baixos de resistividade em profundidades mais rasas do manto superior sob a Bacia Sanfranciscana podem ser interpretados como um aumento local de condutividade dentro da litosfera ou como conseqüência de afinamento litosférico por delaminação (Read et al., 2004). Em ambos os casos, propõem-se que tenha origem não-térmica, provavelmente pela adição de pequena quantidade de fluidos a minerais anidros durante percolações metassomáticas.

 

Resultados do perfil B

A seção geoelétrica sob o perfil B (Fig. 3) indica uma crosta predominantemente resistiva, com anomalias isoladas de alta condutividade. A primeira dessas anomalias situa-se entre 100 e 150km da borda oeste do perfil e coincide com o forte gradiente gravimétrico da sutura do Cráton do Paramirim. Nesse caso, o aumento de condutividade pode ser devido à ocorrência de uma fase mineral interconectada e altamente condutora (grafita?), metamorfizada durante o processo de colisão continental. Outra anomalia aparece entre aproximadamente 200 e 300km no perfil, interpretada como uma camada anisotrópica provavelmente vinculada ao preenchimento por fases condutoras de zonas de fraturas de direção predominante WNW-ESE, ortogonal à direção da colisão continental entre os blocos São Francisco e Paranapanema. Próximo ao extremo leste do perfil, entre 450 e 520km, aparece outra anomalia crustal, relacionada ao magmatismo e reativação Mesozóica ocorrida na parte sul do cráton (ver discussão nos outros dois perfis abaixo).

A anomalia condutora mais importante situa-se no manto superior, na parte central do perfil. Coincide com uma zona de baixa velocidade sísmica, interpretada como uma anomalia térmica presente no manto sob a região (Schimmel et al., 2003). Porém, para explicar apenas com variações de temperatura os valores baixos de resistividade (10 ohm.m) observados em profundidades relativamente rasas (100km) pela modelagem MT, seriam necessários valores de temperatura muito elevados. Uma alternativa mais viável seria a ocorrência de fusão parcial (da ordem de 1%), favorecida pela presença de minerais hidratados (flogopita). Adicionalmente, outros mecanismos condutores deveriam estar presentes (por exemplo, carbono e/ou difusão de hidrogênio) para gerar os valores de resistividade observados.

 

Resultados dos perfis C e D

Os modelos 2D das figuras 4 e 5 mostram a presença de alguns condutores confinados na crosta média-inferior de ambos os perfis. Na junção desses perfis, onde afloram as rochas arqueanas do cráton, esses condutores parecem ser contíguos para baixo, com um condutor expandido no manto superior em profundidades abaixo de 100-150km. Essa anomalia de condutividade do manto é encaixada em quilhas relativamente resitivas da litosfera.

Há uma grande semelhança na distribuição espacial da condutividade no manto superior sob os dois perfis e as posições dos condutores crustais com uma anomalia elétrica regional do cráton, derivada de modelagem 3-D de dados GDS (Subba Rao et al., 2003), e com uma anomalia positiva do geóide (Molina & Ussami, 1999). Valores elevados de anomalia de Bouguer residual (Pinto, 2003), espacialmente coincidentes com o condutor central, e a ocorrência de diques máficos mesozóicos (Pinese, 2003) sugerem um relacionamento genético entre anomalias de condutividade crustal e intrusões alojadas no manto, derivadas do magmatismo durante a ruptura do Gondwana.

 


Figura 1.
Principais províncias geológicas no centro-sudeste do Brasil, com a localização dos 4 perfis MT

na região sul-sudoeste do Cráton do São Francisco.

 


Figura 2.
Modelo geoelétrico de variação da resistividade em função da profundidade sob o perfil A da Figura 1. O contorno de 10ohm.m marca a profundidade estimada para a litosfera.

 


Figura 3.
Idem à Figura 2 para o perfil B da Figura 1.

 


Figura 4
. Idem à Figura 2 para o perfil C da Figura 1.

 

 


Figura 5.
Idem à Figura 2 para o perfil D da Figura 1.

 

REFERÊNCIAS

Alkmim, F.F.; Brito Neves, B.B.; Alves, J.A.C. 1993. Arcabouço tectônico do Cráton do São Francisco – uma revisão. In: Simpósio sobre o Cráton do São Francisco, 1, Salvador, Anais, p. 45-62.

Almeida, F.F.M. 1977. O Cráton do São Francisco. Revista Brasileira de Geociências, 7:349-364.

Almeida, F.F.M. 1981. O Cráton do Paramirim e suas relações com o do São Francisco. In: Simpósio do Cráton São Francisco e suas faixas marginais, Salvador, Anais, p. 1-10.

Bizzi, L.A.; De Wit, M.J.; Smith, C.B.; McDonald, I.; Armstrong, R.A. 1995. Heterogeneous enriched mantle materials and Dupal-type magmatism along the SW margin of the São Francisco Craton, Brazil. Journal of Geodynamics, 20:469-491.

Bologna, M.S.; Padilha, A.L.; Vitorello, I.; Fontes, S.L. 2005. Tectonic insight into a cratonic subcrustal lithosphere affected by anarogenic Cretaceous magmatism in central Brazil inferred from long-period Magnetotellurics. Earth and Planetary Science Letters, submetido.

Brito Neves, B.B.; Campos Neto, M.C.; Fuck, R.A. 1999. From Rodinia to Western Gondwana: An approach to the Brasiliano-Pan African cycle and orogenic collage. Episodes, 22:155-166.

Lesquer, A.; Almeida, F.F.M.; Davino, A.; Lachaud, J.C.; Maillard, P. 1981. Signification structuralle dês aomalies gravimétriques de la partie sud du Craton de Sao Francisco (Brésil). Tectonophysics, 76:273-293.

Molina, E.C. & Ussami, N. 1999. The geoid in southeastern Brazil and adjacent regions: new constraints on density distribution and thermal state of the lithosphere. Journal of Geodynamics, 28:357-374.

Pinese, J.P.P. 2003. Diques máficos mesozóicos da região de Lavras (MG), porção extremo sul do Cráton do São Francisco. In: Simpósio de Geologia do Sudeste, 8, São Pedro, Boletim de Resumos, p. 203-204.

Pinto, L.G.R. 2003. Aquisição e interpretação de dados gravimétricos do Sudeste do Cráton do São Francisco. Trabalho de Graduação, IAG/USP, 30 p.

Read, G.; Grutter, H.; Winter, S.; Luckman, N.; Gaunt, F.; Thomsen, F. 2004. Stratigraphic relations, kimberlite emplacement and lithospheric thermal evolution, Quiricó Basin, Minas Gerais State, Brazil. Lithos, 77:803-818.

Schimmel, M.; Assumpção, M.; VanDecar, J.C. 2003. Seismic velocity anomalies beneath SE Brazil from P and S wave travel time inversions. Journal of Geophysical Research, 108:B4ESE3, p. 1-15.

Simpson, F. & Bahr, K., 2005. Practical Magnetotellurics. Cambridge University Press, 270 pp.

Subba Rao, P.B.V.; Pádua, M.B.; Bologna, M.S.; Vitorello, I.; Padilha, A.L.; Chamalaun, F.H.; Rigoti, A. 2003. Preliminary results of ongoing GDS survey in center-southeast Brazil. In: International Congress of the Brazilian Geophysical Society, 8, Rio de Janeiro, Proceedings, CD-ROM.