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OS CO-IRMÃOS DESCRATONIZADOS DA PENÍNSULA DO SÃO FRANCISCO EM GONDWANA OCIDENTAL

Benjamim Bley de Brito Neves

 

Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, Departamento de Mineralogia e Geotectônica, Rua do Lago, 562, Cidade Universitária, 05508-080, São Paulo-SP, Brasil. bbleybn@usp.br

 

 

 

 

ABSTRACT

The São Francisco peninsula has sufficiently been recognized as a geologic-paleogeographic appendix of the cratonic lithosphere block of Congo-Kasai-Angola. This larger block was generated together many others (large, intermediate, small, very small etc.) lithospheric fragments during the Tonian Taphrogenesis, that was responsible for the fission of Rodinia supercontinent. All these descendants of Rodinia have been submitted to important geologic modifications - besides those of  both size and shape- as well as they played different roles during the 400 My of the Brasiliano collage. The larger blocks have behaved as cratonic entities. Many possibilities of descratonization (or regeneration) processes could then take place (affecting all descendants), and they will be here discussed. Many of the possible members of that brotherhood (the sons of Rodinia) will be reviewed - where are they, the roles they did play, the tectonic classification for all of them etc.- having the last tectonic framework of  Gondwana as reference.

 

Palavras-Chave: Cráton do São Francisco, regeneração/descratonização, Rodinia, Gondwana, blocos litosféricos

 

 

INTRODUÇÃO


A península cratônica do São Francisco é reconhecidamente apêndice da grande massa continental Congo-Kasai-Angola, preservada na América do Sul, pós fissão de Pangea, circundada por remanescentes e testemunhos do fechamento de oceanos neoproterozóicos que a exaltam pelo caprichoso arranjo centripetal de suas vergências.

A individualização desta porção litosférica cratônica (sin-brasiliana) foi consumada em forma diferente e dimensões maiores pré-Brasilianas - durante processos globais de rifteamento e fissão ocorridos no Toniano (com extensão ao Criogeniano) do Supercontinente Rodínia. Não se pode entendê-la isoladamente, mas sim como parte de uma das frações hauridas na partenogênese de massa continental bem maior, de repercussão global.

A evolução das orogêneses e processos conexos da Fusão do Brasiliano modificaram bastante (e diferentemente) esta unidade e seus co-irmãos: os chamados descendentes de Rodínia. Mas, há uma série de características básicas, menos ou mais mascaradas, que foram guardadas por estes descendentes, o que permite arregimentar e ousar distinguir o gene comum, a saber:

a.      Presença de núcleos sementes do Arqueanos - francamente aflorantes ou não;

b.       A colagem paleoproterozóica em mais de uma etapa orogenética (do Riaciano e do Orosiriano, com um único registro do Estateriano até o presente);

c.       A marca da Tafrogênese do Estateriano, eventos vulcânicos e plutônicos sobretudo, com sedimentação consorciada;

d.      A presença de eventos anorogênicos esparsos do Mesoproterozóico (Caliminiano e Ectasiano);

e.       Um capítulo orogênico do Mesoproterozóico Superior, apontado por uns e rechaçados por outros (presença prototípica e consensual apenas no ocidente do bloco amazônico);

f.        O retrabalhamento do final do ciclo Brasiliano, em diversos níveis: da ativação tectônica simples a complexos processos de regeneração; ora limitados às bordas dos blocos, ora com notáveis entrâncias, ora com o “retrabalhamento” atingindo níveis sobranceiros (caso de alguns co-irmãos), integrais dos blocos, com vagos vestígios preservados dos parâmetros acima estatuídos.

É possível distinguir os co-irmãos em epígrafe, consoante diferentes níveis de preservação das características assinaladas (Brito Neves, 2003), da Amazônia aos Pampas, do litoral Atlântico (caso do São Francisco) às entranhas da pré-Cordilheira (caso de Cuyana) e da Cordilheira Andina (casos de Garzon-Santa-Marta e Arequipa-Antofalla), estejam estes co-irmãos integrados á evolução de orógenos proterozóicos e/ou fanerozóicos.

Cráton e Descratonização (Regeneração)

O conceito de cráton é anterior (“tafel” de Suess, 1885), mas foi cristalizado no século passado, com os componentes da escola Kober-Stille-Aubouin (os chamados “fixistas”/ “geossinclinalistas”).

 Foi um conceito que passou ao largo dos tectonistas de placas dos anos 60, obcecados que estavam eles tão somente com os fenômenos (próximos) das margens das placas. Mais grave do que isto, indiferente ao conceito de crátons, promulgaram que a “a litosfera continental era indestrutível, indigerível e insubmersível”, ou seja, já erroneamente deixaram estabelecida a possibilidade da descratonização.

Em tempos de Tectônica Global (pós-1980) muitos adendos foram apostos aos preceitos plaquistas prímevos. O conceito de cráton foi ganhando robustez e passando gradativamente dos braços descritivistas dos geólogos para a firmeza e a solidez dos conceitos da Física e da Matemática (da Geofísica). Nestes campos, há já alguns critérios mínimos para serem incorporados ao conceito de cráton, tais como:

 

a.      A posição no interior das placas litosféricas continentais;

b.       Gradientes geotérmicos baixos (os mais baixos fluxos térmicos dos tipos crustais continentais, <40mWm-2), contextos lito-estruturais antigos (pré-Fanerozóico), litosfera espessada, crosta de espessura normal e/ou relativamente afinada;

c.       Manto litosférico com capacidade de flutuação positiva (buoyant) e resistente à deformação;

d.      Mantos litosféricos empobrecidos;

e.       Materiais da crosta continental devem ser resistentes ao cisalhamento;

f.        Geralmente tem longa duração, com poucos eventos térmico-tectônicos assinalados (>200Ma).

Muitos outros critérios tem sido apostos e discutidos, envolvendo o campo da geoquímica (estudo de xenólitos do manto sublitosférico, fertilidade, etc) e da investigação subsuperficial (sísmica, gravimetria, tomografia etc.) do que estamos ainda longe, nas condições de pesquisa no nosso continente. Vide (Hancock, 1994; Sengör, 1999 e O´Reilly et al., 2001) entre outros.

O que fazer para atentar contra o cráton???.

 Há duas possibilidades para serem discutidas: destruir sua armadura protetora, subsuperficial (manto) e lateral (as faixas móveis consolidadas mais novas que o resguardam).

Há vários estudos neste sentido, desde (Dewey & Burke, 1973) (tentativa antiga, superada, mas válida), passando por (Bird, 1978), e muitos outros. Para a deslaminação, que desestrutura sua integridade, há três caminhos mecânicos propostos: a instabilidade espontânea da litosfera, com a separação do manto da crosta inferior (isto é considerado impossível para crátons/núcleos do arqueano); extensão gerada/promovida por um slab em subducção nas proximidades (seria o caso das orogêneses Brasilianas nas vizinhanças) e pelo momento (força + distância) exercido pelo slab em subducção.

Outro grupo de possibilidades (com comprovação em alguns crátons, como no Sino-Coreano) é conhecido por rifteamento da litosfera subcontinental e subida contemporânea de material astenosférico fértil. De forma que a raiz do cráton é quebrada e infiltrada, sem necessidade de remoção e deslaminação.

Além desses eventos ligados aos processos de subducção (induzidores, reflexos) e destes de atividade endógena, sabe-se hoje (e se monitora isto) que os eventos colisionais são extraordinariamente deformadores, a grandes distâncias (escala de alguns milhares de quilômetros placa a dentro). O desenvolvimento de impactógenos (riftes de litosfera ativada, induzidos por colisão e transformância) é fenômeno comum (conhecido hoje em vários crátons). E estes podem vir a gerar descratonização de alguma forma, pela transformação dos mesmos (persistindo o processo de convergência) em riftes manto ativado e, mesmo, em “orogenias” intracratônicas (vide Hand & Sandiford, 1999), por exemplo.

Modernamente, na Tectônica tem sido notória e elogiável a preocupação com estes fenômenos e suas causas (além do Que? e Onde?, também o Por que? e Como?), e ao falar em descratonização na América do Sul temos que considerar estes temas, mesmo que não tenhamos os subsídios geológicos e geofísicos completos para tal empreendimento.

De certa forma e por seu cunho descritivista (Que? Onde?), os tectônistas da escola Kober-Stille-Aubouin estavam alheios a estes problemas de causa e resolviam as observações feitas cunhando novos termos específicos. A regeneração (sinônimo de descratonização, e mais ainda, termo precedente e que deveria prevalecer) de (H. Stille, 1955) era uma espécie de palavra mágica descritiva de todos estes fenômenos, sem outros questionamentos. Enquanto que a ativação (ou reativação) de Nagibina (1967) se aplicava aos fenômenos crustais mais rasos e de intensidade pequena, onde a condição de cráton persistia indene.

 

Os Co-Irmãos Descratonizados da Península do São Francisco

Após este prólogo acima, necessário, podemos enumerar os diferentes co-irmãos da península cratônica em tela, cogenéticos desde o mesmo fenômeno global de Tafrogênese Toniana e relatar os diferentes graus de retrabalhamento pelos eventos orgênicos (acrescionários e colisionais) desenvolvidos entre 880 e 500/480 Ma, que é o lapso de tempo conhecido até o presente para dos processos de fusão de Gondwana. A presença de processos tipicamente endógenos, intraplacas, fica fora do nosso alcance, por enquanto, mas não deve ser esquecida.

 

  i.            Antecipamos e apontamos em primeiro lugar alguns co-irmãos subjacentes às grandes sinéclises paleozóicas, conhecido apenas por inferências de subsuperfície (geofísicas e geológicas) casos dos blocos do Parnaíba e do Paranapanema, cujas condições/índices de preservação e destruição da identidade cratônica são desconhecidas de todo;

ii.            Segmentos litosféricos com máximo da integridade preservada: Amazônico, São Luís/África Ocidental, Kalahari, Luís Alves.

iii.            Alguns segmentes retrabalhados parcialmente, com perdas territoriais notórias: Rio de La Plata, Rio Apa;

iv.            Segmentos francamente retomados, descratonizados, atuando ainda como “altos estruturais” importantes: Terreno Rio Grande do Norte (Rio Piranhas + São José Campestre), Ceará Central, Maciço de Granja, Pernambuco-Alagoas (PEAL) Oriental, Curitiba, Central de Goiás, Hoggar Central (metacráton do Sahara), Bloco Bangweulu (Cráton Zambiano);

 v.            Muitos segmentos/porções lito-estruturais totalmente descratonizados e incorporados às estruturas das Faixas Brasilianas: TAM-TAP, Guanhães, Gouveia, Juiz de Fora, “Maciço/Bloco” de Cabo Frio, Punta del Leste, “Serra de Itaberaba”, Votuverava-Águas Claras, E-NE de Madagascar etc;

vi.            Segmentos/porções totalmente descratoni-zados e incorporados às estuturas das Faixas Móveis Fanerozóicas: Avaloniano, Cadomiano, Minoano,  Garzon - Santa Marta, Arequipa-Antofalla, Cuyana, Pâmpia.

 

vii.            As designações usadas em regionalização geotectônica variam bastante: crátons (sin-brasilianos, para os descendentes melhor preservados), maciços, terrenos, “altos”, “janelas do embasamento” (basement inliers), porque o grau de conhecimento varia bastante - de um descendente a outro - e porque não pode haver unanimidade (nem há obediência sempre) nas escolas de conhecimento e nomenclatura..

viii.            Além disto, é preciso estar ciente que muitos outros descendentes/co-irmãos ainda não foram resgatados, posto que há domínios neoproterozóicos e fanerozóicos que afetaram em nível crustal profundo as rochas de seu substrato. Particularmente no caso do Brasiliano tem sido notório o grau de retrabalhamento mais profundo conferido às faixas móveis Mesoproterozóico Superior (sempre de difícil identificação e discriminação), pelo caráter de zonas de idade termal mais jovens, e portanto preferenciais para o retrabalhamento.

 

 

REFERÊNCIAS

Black, R. & Liegeois, J.P. 1999. Cratons, mobile belts, alkaline rocks and continental lithosphere mantle: The Pan-African testimony. Journal Geol. Soc. of London, 150:89-98.

Brito Neves, B.B. 2003. A saga dos descendentes de rodínia na construção de Gondwana. Revista Bras. Geociências 33 (1-suplemento): 77-88.

Bird, P. 1978. Initiation of Intracontinental Subduction in the Himalaia. Journ. Geophys. Res. 33 (B10):4975-4987.

Dewey, J.F. & Burke, K. 1973. Tibetan, Variscan and Precambrian basement reactivation, products of continental collision. Journ. Geology, 81: 683-692.

Hancock, P.L. 1994. Continental Deformation. Pergamon Press, 421 pp.

Hand, M. & Sandiford, M. 1999. Intraplate deformation in central Australia, the link between subsidence and fault reactivation. Tectonophysics, 305:121-140.

Lenardic, A.; Moresi, L.; Mühlhaus, H. 2000. The role of mobile belt for the longevity of deep cratonic lithosphere. The crumple zone model. Geophys. Res. Letters, 27(8):1235-1238.

Nagibina, M.S. 1967. Tectonic Structures related to activation and revivation. Geotectonics, 4:213-218.

O´Reilly, S.Y.; Griffin, W. L.; Djomani, Y.H.P.; Morgan, P. 2001. Are Lithosphere forever? Tracking Changes in Subcontinental Lithospheric Mantle through Time. GSA Today, 11(4):4-10.

Sengör, A.M.C. 1999. Continental interiors and cratons: any relation? Tectonophysics, 305:1-42.

Stille, H. 1955. Recent deformations of the Earth´s crust in the light of those of earlier epochs. The Geol. Soc. of America, Special Paper, 62:171-192.